Por Moises Chencinski

Autor da coluna "Eu apoio leite materno"

Jogos Olímpicos e amamentação: precisa mesmo ser uma "escolha de Sofia"?

O pediatra Moises Chencinski discute os desafios das atletas que são mães, principalmente daquelas que ainda estão amamentando os seus filhos, e o fato de crianças pequenas não serem autorizadas a estarem presentes nos locais dos jogos, que começarão em julho. Saiba mais!


A primeira edição dos Jogos Olímpicos foi realizada em Atenas em 1896, dois anos após a fundação do Comitê Olímpico Internacional (COI-1894), por iniciativa do Barão Pierre de Coubertin (pedagogo e historiador), a quem se atribui a frase "o importante não é vencer, mas competir".

Realizados a cada quatro anos, os Jogos Olímpicos só não ocorreram entre 1912 e 1920 e entre 1936 a 1948, períodos das guerras mundiais, e em 2020, quando a Olimpíada de Tóquio foi adiada por um ano, por conta da pandemia de covid-19. Além disso, já aconteceram em praticamente todos os continentes — menos na África.

O evento em Paris, a partir de julho deste ano, oficialmente denominado como Jogos da XXXIII Olimpíada, terá 48 modalidades e 32 esportes (329 eventos esportivos), com novidades como a inclusão do breaking dance, a volta do windsurf e do kitesurf, e a exclusão do beisebol, softbol e do karatê.

A expectativa é que as delegações levem cerca de 14.500 atletas. Em Tóquio (2021), 48,8% dos atletas eram mulheres e a expectativa é que se chegue a 50% agora. E a perspectiva é que essa igualdade entre gêneros traga consequências culturais e sociais, como as que já vão acontecer em Paris.

É uma reunião e um congraçamento mundial em torno do esporte. Já escrevi um texto que relacionava as questões do aleitamento materno e os últimos Jogos Olímpicos há 3 anos, às vésperas da Semana Mundial de Aleitamento Materno daquele ano, em que o tema era: "Proteger a amamentação. Uma responsabilidade de todos".

Ao final dessa matéria tinha a frase:

Leite materno – o padrão “medalha” de ouro da alimentação infantil
— Moises Chencinski

Leite materno – o padrão “medalha” de ouro da alimentação infantil — Foto: Freepik

Depois de muita insistência, mesmo na época da pandemia, as atletas com bebês em idade de amamentação foram “autorizadas” a levar seus filhos aos Jogos Olímpicos, após o comitê ter mudado de ideia a respeito de regras rígidas sobre a participação e a presença das famílias dessas atletas no evento, mas hospedadas em hotéis fora da Vila Olímpica.

Aliás, não são só as atletas que enfrentam dificuldades na questão da maternidade nos Jogos Olímpicos. Em Londres-2012, a proposta era de que crianças abaixo de 4 anos não poderiam comparecer ao evento e as maiores de 4 anos teriam que comprar ingressos. A pressão pública e da mídia fez com que essas ��regras” fossem revistas.

Paris-2024: A “Cidade Luz” na obscuridade

De Londres-2012 a Paris-2024. Os organizadores, agora como recomendação, restabelecem a polêmica de que crianças menores de 4 anos não devem ser levadas pelos pais aos locais dos jogos. Além disso, a regulamentação dos jogos estabeleceu que, de 26 de julho a 11 de agosto, “todos os espectadores precisarão de um bilhete válido para acessar o local olímpico, incluindo crianças de todas as idades”.

Os ingressos já são vendidos há algum tempo e muitos casais não tinham filhos na época da compra, mas festejaram o nascimento de seus filhos mais recentemente, inclusive alguns lactentes em aleitamento materno exclusivo. E as orientações que essas famílias receberam foi a de comprarem ingressos para os jogos paralímpicos, que estão com preço mais em conta, e se desfazerem dos que já adquiriram.

Esse tema ainda está em debate e vamos aguardar as “cenas dos próximos capítulos”.

Já em relação às atletas que amamentam, os comitês olímpico e paralímpico da França estão reservando quartos próximos à Vila Olímpica para que as “mãetletas” lactantes (as que amamentam seus bebês) possam dormir com eles.

De uma forma ou de outra, competindo ou assistindo, a decisão deve ser das lactantes, das mães que amamentam. Cabe aos organizadores propiciar as melhores condições de conforto, segurança, saúde e proteção à dupla mãe-bebê para que...

Podia acabar aqui? Podia. Mas...

Aproveitando o tema de jogos olímpicos, apareceu, assim do nada, um estudo curioso, publicado em setembro de 2023, resumindo “pesquisas recentes sobre a influência da obesidade materna na composição do leite materno” e discutindo “o papel potencial das adaptações do leite materno induzidas pelo exercício como um pontapé inicial para prevenir a obesidade infantil”.

Muitos mitos, já desmentidos por estudos, relacionam e não recomendam o exercício físico vigoroso durante a gravidez e nos primeiros três meses de vida do bebê, sob o risco de influenciar na amamentação. Alguns estudos também relacionam a diferença de composição do leite materno de mães com obesidade, com peso normal e as fisicamente ativas.

Segundo outras publicações, além do índice de massa corporal (IMC), o tabagismo materno, o diabetes gestacional e a dieta materna podem interferir na composição do leite materno.

A influência das modificações nos componentes do leite materno e do seu metabolismo de acordo com a atividade física na gestação e na amamentação ainda requer mais estudos e é um campo amplo e importante para pesquisa.

Segundo o estudo, eis algumas das perguntas que ainda podem (e certamente serão) analisadas e estudadas:

  • O exercício materno é uma ferramenta eficaz para combater os efeitos da obesidade materna na saúde metabólica dos filhos?
  • Qual é o papel dos componentes do leite materno na transmissão da obesidade de mãe para filho?
  • Quais são os efeitos agudos dos diferentes tipos de exercício na composição do leite materno?
  • Como os diferentes tipos de exercícios alteram cronicamente a composição do leite materno?
  • Como as mudanças induzidas pelo exercício na composição do leite materno afetam o crescimento e o metabolismo infantil?

Enfim, o que nos cabe, hoje, em relação aos Jogos Olímpicos e Paralímpicos em Paris-2024 é torcer para que o Brasil seja bem representado dentro das competições, não só do ponto de vista esportivo, mas também que se leve uma imagem de um país que se preocupa e que está atento a questões sociais, culturais, econômicas e de saúde (entre outras).

E que as mães lá presentes (na torcida ou as “mãetletas”) recebam a proteção e o apoio para que possam promover o aleitamento materno, se esse for o seu desejo.

E que nenhuma mãe tenha que escolher entre participar dos Jogos Olímpicos ou de qualquer outra atividade, esportiva ou não, e amamentar sua cria. Isso é desumano e uma violência. Se for necessário optar, ninguém sairá vencedor. Seremos todos derrotados.

A violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota.
— Jean-Paul Sartre
Dr. Moises Chencinski é pediatra, membro afiliado da WABA. Coordenador do livro "Aleitamento Materno na Era Moderna. Vencendo Desafios", da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP) — Foto: Arquivo pessoal

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