Eu tenho o hábito de imaginar uma cena: somos raiz e asa para nossos filhos. Quando raízes, lhes oferecemos pertencimento, segurança emocional e um sentido de comunidade começando a ser experimentado no ambiente familiar. Gosto de pensar na família como uma extensão da comunidade, e não o contrário.
Somos uma microcélula de imensidão de encontros, grupos e conexões que eles sempre estarão prestes a viver, lá fora. Por isso, além de raízes também somos asas: dizemos "vá!", ainda que temerosos pelo mundo. Mesmo assim, operando aquele ato que os autoriza a estarem em contato com seu projeto de vida e vivendo o momento presente com a intensidade que só eles sabem viver.
Quando eles voltam do mundo, trazem novidades para dentro de casa. Sentem que precisam falar. Chegam, fecham a porta e comemoram. Ou, tantas vezes, choram. Brotam, inclusive, palavras iradas para nomear dissabores relacionais.
Em todos os casos, recebemos as suas histórias em meio às nossas pressas, à vida que nos atravessa impiedosamente. Tantas vezes não temos tempo para escutarmos nossos filhos... tantas vezes não conseguimos dar-lhes o conforto que merecem!
Sinto que estas chegadas e partidas de nossos filhos são as melhores cenas para repararmos as ausências e falhas cometidas no processo. Mas, sobretudo, é hora de reeditar o desejo de contato íntimo com suas verdades confessáveis. É no cotidiano que a intimidade se estabelece, e é a partir dela que as melhores experiências se constroem.
Eles vão para o mundo e, muitas vezes, voltam com suas asas fraturadas, porque viver é atritar desejos e encontrar limitações diante das inumeráveis possibilidades. A costura das asas se dá nas raízes. Somos árvores abundantes, sobre as quais se costuram identidades, histórias e memórias.