Gastronomia

Por Yara Guerra

Em suas compras de mercado, você provavelmente já viu algum alimento com o selo de certificação "kosher". Podemos acabar ignorando o símbolo, mas, a verdade, é que ele é muito importante para um número expressivo de pessoas.

Isso porque os alimentos kosher são aqueles entendidos pelo judaísmo como obedientes à Kashrut, o conjunto de regras de alimentação originadas na Torá e detalhadas nos códigos das tradições judaicas. De fundo religioso, espiritual e cultural, tais normas objetivam uma alimentação mais pura para nutrir o corpo e a alma.

São muitos os cuidados demandados pela dieta. Essa é a razão pela qual, para que uma alimentação seja verdadeiramente kosher, a sua produção deve passar por rígidos processos de análise e supervisão, como você verá adiante.

Se você quer entender mais sobre o assunto e descobrir quais alimentos são permitidos pela Kashrut, confira abaixo:

O que é kosher?

A palavra "kosher" significa "apropriado" e se refere aos alimentos permitidos aos judeus através da Kashrut. A grafia e a pronúncia da palavra podem mudar de acordo com quem fala, segundo o rabino Moshe Eisencraft, diretor da consultoria de certificação Wedo Kosher:

"Nos Estados Unidos, as pessoas usam a palavra 'kosher' devido à influência de dialetos, mas na Europa e Oriente Médio se fala 'kasher'. É como uma questão de sotaque – trata-se da mesma coisa, mas a pronúncia é diferente".

Conforme Felipe Kleiman, consultor em operações no mercado da carne Kosher e fundador da KLM Kosher Consult, os alimentos kosher são preparados de acordo com as normas da Torá e do antigo testamento da Bíblia cristã. "Essas regras também vêm uma transmissão oral através dos sábios do Talmud, que, para os judeus, é a fonte de explicações de como se cumpre o que está na Bíblia", explica.

Judeus que seguem a Kashrut não devem consumir carne e leite (ou derivados) juntos — Foto: Pexels / Jer Chung / CreativeCommons
Judeus que seguem a Kashrut não devem consumir carne e leite (ou derivados) juntos — Foto: Pexels / Jer Chung / CreativeCommons

O mais conhecido preceito talvez seja o de não misturar a carne ao leite no preparo, consumo ou apresentação do prato. Os utensílios usados também não podem ser os mesmos, fazendo com que restaurantes kosher que servem carne não sirvam alimentos com leite, e vice-versa. "Isso surgiu de uma interpretação de um versículo da Torá [Êx 23.19], em que Deus diz que é proibido cozinhar o cabrito no leite da própria mãe", explica Moshe.

Na dieta kosher, quem consome carne (ou alimentos que foram preparados ou misturados com carne) deve aguardar ao menos seis horas para consumir qualquer alimento com leite ou derivados. Já após o consumo de leite e derivados, deve-se aguardar de 30 minutos a uma hora para poder consumir carne.

A ideia aqui é realmente evitar que os dois alimentos entrem em contato na digestão, que, em relação à carne, pode ser bem lenta.

Os alimentos "neutros" – chamados de "parves" – são aqueles que podem ser consumidos com leite ou carne. São eles: frutas, ovos, grãos, massas e verduras, dentre outros.

Mas a separação entre carne e leite é apenas um dos braços da Kashrut. Judeus também só devem se alimentar de carnes de animais ruminantes que tenham cascos bipartidos – como é o caso de bois, vacas, ovelhas, cabras e veados, por exemplo.

Sendo assim, bichos como cavalos, lebres, coelhos e porcos não estão incluídos. Esse último é tido como símbolo da hipocrisia e da sujeira, e muitos judeus optam, inclusive, por evitar proferir o seu nome e não criá-los.

A Kashrut permite o consumo de peixes com barbatanas e escamas, como o salmão — Foto: Unsplash / CA Creative / CreativeCommons
A Kashrut permite o consumo de peixes com barbatanas e escamas, como o salmão — Foto: Unsplash / CA Creative / CreativeCommons

Aves de rapina também são proibidas, mas estão permitidos frangos, perus, gansos e patos. Quanto aos peixes, são kosher aqueles com escamas e barbatanas, como trutas, atuns e salmões. Já os frutos do mar, como crustáceos, moluscos e mamíferos marinhos, estão proibidos.

Além disso, a Kashrut determina que não se deve ingerir sangue – assim, mesmo os ovos de aves kosher devem estar totalmente livres de manchas do fluido. Todas as verduras, frutas e grãos devem estar sem infestação. Por fim, vegetais congelados devem ser adquiridos de empresas certificadas com o selo kosher.

Abate kosher

No abate kosher, todo animal deve ser saudável, sem doenças ou ferimentos, e o sangue deve ser completamente drenado. Além disso, o processo deve ser feito com o mínimo de sofrimento ao animal.

"O princípio básico é realizar um abate indolor, porque se Deus nos permite matar o animal para nos nutrirmos e sobrevivamos, ele nos exige uma conduta impecável em termos de foco e cuidado para que esse animal seja cortado da forma certa e morra de forma rápida e indolor", diz Felipe.

O abate kosher objetiva o mínimo de sofrimento por parte do animal — Foto: Unsplash / JACKCRING BUREAU / CreativeCommons
O abate kosher objetiva o mínimo de sofrimento por parte do animal — Foto: Unsplash / JACKCRING BUREAU / CreativeCommons

Para que os protocolos sejam cumpridos e não haja nenhum abuso com o bicho, há alguns pontos de atenção no processo de abate. As facas, por exemplo, devem estar sempre impecáveis e afiadas como um bisturi.

Felipe também explica que, em um frigorífico, há pelo menos 20 rabinos presentes para aprovar cada etapa – abate, inspeção, carimbagem, desossamento, empacotamento, etc. "Normalmente, a maior parte dos animais degolados são aprovados. Mas há uma inspeção de órgãos internos e, caso haja algum tumor ou objeto, como prego ou espinho que está provocando alguma infecção, o rabino não aprova", diz o consultor.

Isso não significa que o abate foi perdido – o frigorífico somente canalizará aquele boi para um mercado não kosher.

Kosherização

Para que o alimento final seja realmente kosher, o ambiente e os equipamentos envolvidos na sua produção precisam ser kosherizados. Funciona assim: o restaurante ou indústria que lida com alimentos não-kosher precisa usar utensílios específicos para o preparo de alimentos kosher.

A alternativa é passar pelo processo de kosherização – ou seja, quando pessoas especializadas usam um maçarico industrial, vapor ou água fervente para remover as partículas remanescentes de um preparo não kosher. Só assim o utensílio estará pronto e limpo para o preparo de um alimento kosher. "Às vezes, alguns equipamentos precisam ser trocados, principalmente no caso de filtros não kosherizáveis, que não aguentam o calor do processo", diz Felipe.

Certificação kosher

A certificação kosher existe para garantir que o alimento produzido por determinada empresa obedeça às regras específicas do judaísmo e, portanto, pode ser consumido por judeus. O documento é atribuído e reconhecido mundialmente como sinônimo de controle máximo de qualidade.

Em frigoríficos, a presença dos 20 rabinos é necessária para atestar a qualidade kosher da carne. Já restaurantes kosher só funcionam na presença de ao menos um inspetor ou auditor rabínico.

A fabricação do vinho e suco de uva, para a Kashrut, deve ser feita pelos próprios judeus — Foto: Unsplash / Aaron Ovadia / CreativeCommons
A fabricação do vinho e suco de uva, para a Kashrut, deve ser feita pelos próprios judeus — Foto: Unsplash / Aaron Ovadia / CreativeCommons

As fábricas, por sua vez, demandam uma pesquisa minuciosa acerca de todos os ingredientes usados na produção, a visita presencial de um rabino ortodoxo para avaliar todos os detalhes no processo de fabricação, e uma auditoria periódica pela certificadora.

Segundo Felipe, esse contrato garante que não se mudará a fórmula do produto produzido antes de uma nova inspeção rabínica. Ele traz um exemplo: "Imagine uma fábrica de batata frita que utiliza óleo vegetal kosher. Os produtos envolvidos são sal, óleo e batata. Qualquer fábrica de batata frita que não use óleo não kosher pode ser certificada e receber uma auditoria anual. A audição significa que se trata de um processo irretocável".

No caso das fábricas, a única exceção fica para a indústria de vinhos e suco de uva – bebidas que, para o judaísmo, estão relacionadas a celebrações e momentos sagrados. "A uva tem um status diferente em relação a como deve ser utilizada, e essas bebidas devem ser produzidas por judeus", diz.

As certificadoras podem ser empresas montadas para esse fim, como a Star K, nos Estados Unidos, e a BDK e a BKA, no Brasil. Mas também podem ser sinagogas, congregações ou rabinos respeitados – exemplos nacionais incluem a O Shil e a Beit Yaacov. Já a Wedo Kosher, sob a direção do rabino Moshe, faz a consultoria, implementação, treinamento e certificação Kosher para eventos e hotéis.

Gastronomia kosher x étnica

Apesar de não pertencer à culinária judaica, o bife com fritas pode ser uma refeição kosher — Foto: Pexels / mustafa türkeri / CreativeCommons
Apesar de não pertencer à culinária judaica, o bife com fritas pode ser uma refeição kosher — Foto: Pexels / mustafa türkeri / CreativeCommons

Ao falar de alimentação kosher, muitos podem se confundir, pensando que se trata de uma gastronomia judaica. Na verdade, muitos alimentos de outras gastronomias – inclusive a brasileira, do nosso dia a dia – podem ser kosher.

Por exemplo, um bife ancho com arroz e fritas é comum na América do Sul e não tem origem judaica. Mas, se feita sob os preceitos do judaísmo, pode ser um alimento kosher e consumida por judeus. "É possível fazer uma feijoada kosher que finge ser uma tradicional, mas sem o ponto nevrálgico, que é o porco. Mas é 100% brasileira e 100% kosher", diz Felipe.

Contanto que respeite a Kashrut, qualquer culinária pode ser kosher — Foto: Pexels / Pixabay / CreativeCommons
Contanto que respeite a Kashrut, qualquer culinária pode ser kosher — Foto: Pexels / Pixabay / CreativeCommons

Ele traz também o exemplo do Sushi Papaia, um restaurante japonês em São Paulo que montou uma filial apenas para produção de pratos kosher. "É 100% kosher, mas nada judaico", comenta o consultor.

Portanto, contanto que os insumos sejam kosher e a cozinha seja supervisionada por um inspetor rabínico, qualquer restaurante de qualquer culinária pode produzir pratos kosher.

Por outro lado, em alguns países, há o que se chama de "jewish food", que seria a culinária judaica, mas não necessariamente preparada sob os preceitos da Kashrut. Assim, a gastronomia étnica judaica vendida por muitos não é kosher, o que demanda um certo cuidado por parte do consumidor.

Quem não é judeu pode consumir alimentos kosher?

Muitos dos produtos que compramos em mercados tradicionais apresentam certificação kosher — Foto: Unsplash / Eduardo Soares / CreativeCommons
Muitos dos produtos que compramos em mercados tradicionais apresentam certificação kosher — Foto: Unsplash / Eduardo Soares / CreativeCommons

Sim. Aliás, segundo Felipe, estima-se que 80% dos consumidores kosher nos Estados Unidos são não-judeus. Isso acontece porque a população do país, que comporta a maior comunidade de judeus fora de Israel, está muito a par da cultura judaica.

"Então o consumidor comum sabe que os judeus são meticulosos. Isso criou uma aura de qualidade sobre os produtos kosher, um pensamento de que 'se é kosher, é bom'", diz.

Você mesmo já pode ter consumido um produto kosher sem perceber. "Existem milhares de produtos cujos rótulos estampam o símbolo de kosher. Você pode não saber se é kosher ou não, mas uma pessoa da comunidade identifica o selo", diz Moshe.

Da mesma forma, alguns restaurantes e mercados no Brasil se especializaram nesse tipo de dieta ou vendem alguns de seus produtos sob a certificação adequada.

Então, se você deseja consumir alimentos kosher, pode começar buscando o selo nos produtos vendidos em mercados, como nos seguintes estabelecimentos em São Paulo, onde há uma grande comunidade judaica: All Kosher, Mazal Tov, Casa Santa Luzia, Vinik, Confraria Kasher, Empório Santa Maria, Casa Zilanna e Eataly.

Se quer experimentar o cardápio de restaurantes especializados na dieta, há muitos exemplos na capital paulista. Alguns deles são Matok, Pinati, Urbanic Food Hall, Berô Pizza, Menora Buffet, Or Gastronomia, MikiKosher, Via Babush, Nur, entre outros.

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