Luiz Sobral Fernandes

Por Luiz Sobral Fernandes

Colunista | Arquiteto sócio da Meridional Arquitetura, escritório que atua em projetos de diferentes escalas e Doutorando pela ETSAB/UPC Barcelona, na Espanha

As cidades brasileiras estão cheias de construções feitas de concreto e com elementos construtivos expostos. Andar por alguns dos bairros das principais cidades do País é encontrar fachadas de concreto aparente, edifícios com pilares expostos, lajes sem forro e casas com blocos de concreto à vista. Essa arquitetura é conhecida como brutalista. Característica do pós-guerra, ela surgiu em um primeiro momento na Europa e logo se espalhou pelo mundo, a partir dos anos 1960.

Neste período surge o que alguns historiadores chamam brutalismo paulista. Trata-se de uma arquitetura que faz uso de estruturas aparentes – pilares, vigas, lajes, blocos e até instalações elétricas e hidrossanitárias.

Daí a razão de serem chamadas brutalistas: o não acabamento e a escolha deliberada da não usar revestimentos, enquanto os projetos tradicionais trabalham com estruturas de concreto e blocos de vedação sempre escondidos por argamassas, azulejos, forros e pisos.

O Mube foi projetado em 1995 pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha, ainda sob os preceitos do brutalismo — Foto: Nelson Kon / Divulgação
O Mube foi projetado em 1995 pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha, ainda sob os preceitos do brutalismo — Foto: Nelson Kon / Divulgação

Muitos profissionais se dedicaram a projetar construções brutalistas. Alguns desses colegas são profissionais reconhecidos, outros quase anônimos, o que não diminui, na maioria dos casos, a qualidade de seus projetos de arquitetura.

São também símbolos de um momento muito específico da arquitetura brasileira. Paulo Mendes da Rocha, por exemplo, um dos mais respeitados profissionais do país, é considerado um arquiteto brutalista. Ele projetou casas de concreto puro, como a casa Butantã (1964), Mario Masetti (1968), museus como o Mube (1995), e os edifícios Jaraguá (1984) e Guaimbé (1962).

Outros arquitetos muito conhecidos projetaram edificações brutalistas como Vilanova Artigas, Ruy Ohtake, Joaquim Guedes, Pedro Paulo de Mello Saraiva, Décio Tozzi, Arnaldo Martino, Eduardo de Almeida, Jon Maitrejean e Carlos Millan.

O Edifício Jaraguá de Paulo Mendes da Rocha é outro símbolo da arquitetura brutalista em São Paulo — Foto: Nelson Kon / Divulgação
O Edifício Jaraguá de Paulo Mendes da Rocha é outro símbolo da arquitetura brutalista em São Paulo — Foto: Nelson Kon / Divulgação

Um filme que gosto muito é O Banquete, de Daniela Thomas, diretora, cenógrafa e cineasta. Uma reinterpretação do clássico de Platão, o filme se passa em uma casa do arquiteto Ruy Ohtake, localizada no bairro de Alto de Pinheiros. Ali vemos um exemplo de arquitetura brutalista: uma grande laje ocupa o lote sem deixar o corredor lateral, com blocos de alvenaria aparentes, estrutura de concreto à mostra e piso de concreto desempenado.

Aos olhos de um visitante desavisado, pode parecer uma casa sem acabamento, uma obra que ainda não foi finalizada. No entanto, trata-se de um trabalho muito sofisticado de desenho e obra, com recursos espaciais e construtivos muito interessantes. Portanto, pintar paredes e colocar forros de gesso não seriam uma opção, já que removeriam aquilo que de melhor este tipo de imóvel tem a oferecer.

A rodoviária de Jaú foi projetada por Vilanova Artigas, em 1973 — Foto: Nelson Kon / Divulgação
A rodoviária de Jaú foi projetada por Vilanova Artigas, em 1973 — Foto: Nelson Kon / Divulgação

Tenho visto com frequência arquiteturas de concreto aparente datadas dos anos 1960-1980 sendo objeto de reformas questionáveis, que reduzem e eliminam as melhores características destes imóveis.

O problema, na maior parte dos casos, resume-se à falta de informação e orientação profissional adequada. Ainda que o tempo tenha removido parte de seu encanto construtivo, essas obras podem ser resgatadas com um projeto cuidadoso.

Projetada por Vilanova Artigas, a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-USP) possui estrutura aparente — Foto: Nelson Kon / Divulgação
Projetada por Vilanova Artigas, a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-USP) possui estrutura aparente — Foto: Nelson Kon / Divulgação

Fica aqui um alerta aos que desejam reformar estes imóveis: ainda que não sejam protegidos por algum órgão do patrimônio, transformar uma dessas edificações sem critério ou auxílio profissional pode estragar o seu imóvel e contribuir para o apagamento de um importante período da arquitetura no Brasil.

Também convido os leitores a pesquisarem sobre um dos raros exemplos bem-sucedidos de reforma de um imóvel como este: a casa Olga Baeta, localizada no bairro do Butantã e projetada por Vilanova Artigas.

Originalmente construída em 1957, foi reformulada pelo arquiteto Ângelo Bucci nos anos 1990. O profissional atualizou a residência para os novos moradores, mantendo aquilo que é mais significativo no projeto: a espacialidade, as cores, os acabamentos e as soluções construtivas que seriam, nos anos posteriores, aperfeiçoados pelo escritório de Artigas.

Vilanova Artigas também projetou várias obras brutalistas, como a Casa Olga Baeta, em 1956 — Foto: Nelson Kon / Divulgação
Vilanova Artigas também projetou várias obras brutalistas, como a Casa Olga Baeta, em 1956 — Foto: Nelson Kon / Divulgação

Para aqueles que ficaram interessados no assunto, indico o livro Residências em São Paulo (1947-1975), de autoria de Marlene Milan Acayaba e publicado pela editora Romano Guerra. A publicação reúne várias casas feitas em São Paulo por arquitetos que trabalharam com concreto e estruturas aparentes em sua vida profissional.

Mais recente Próxima