• Por Beatriz Gatti com Alex Alcantara
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Hortas comunitárias urbanas são projetos tocados por pessoas de uma mesma comunidade de uma cidade; apesar de soar óbvio, há confusão de termos  (Foto: Flickr / Nuno Morão / Creative Commons)

Hortas comunitárias urbanas são projetos tocados por pessoas de uma mesma comunidade de uma cidade; apesar de soar óbvio, há confusão de termos (Foto: Flickr / Nuno Morão / Creative Commons)

Hortas comunitárias existem há muitas décadas no Brasil. Quando estão nas cidades, são chamadas urbanas. Mas não confunda: nem toda horta urbana é comunitária e vice-versa.

Segundo Mônica Meira, antropóloga que atua no Núcleo de Extensão em Gestão Alternativa, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), define-se como horta comunitária um projeto criado pela atuação de pessoas de uma comunidade em um espaço pertencente a ela.

Ou seja, um grupo de moradores de uma mesma área geográfica e que compartilha um modo de vida e práticas comuns, observa um terreno e decide iniciar nele o cultivo de legumes e hortaliças, por exemplo.

Os motivos que inspiram a criação dessas hortas nas cidades são variados. É comum estarem relacionados ao desejo de trazer segurança alimentar às pessoas, com alimentos de melhor qualidade, ou de gerar renda com os excedentes da produção. Outra questão que pode ser resolvida por uma horta comunitária é a ocupação de terrenos abandonados, onde acumulam lixo ou são vistos como perigosos.

Uma horta comunitária pode surgir para suprir uma segurança alimentar de um conjunto de pessoas de uma determinada região (Foto: Pexels / Kampus Production / CreativeCommons)

Uma horta comunitária pode surgir para suprir uma segurança alimentar de um conjunto de pessoas de uma determinada região (Foto: Pexels / Kampus Production / CreativeCommons)

Mas, afinal, quando as hortas comunitárias urbanas surgiram?
De acordo com a antropóloga, é difícil ter certeza. “Tenho dúvidas se alguém poderia responder isso, porque a ideia de uma horta comunitária é muito anterior inclusive ao planejamento das cidades”, afirma Mônica.

A ativista de agricultura urbana relembra a atuação da Companhia City nas cidades do interior de São Paulo no início do século 20. Em Piracicaba, por exemplo, esquinas arredondadas abarcam terrenos livres do loteamento das casas ao final de cada quarteirão. “Nestes terrenos, a Companhia City tinha como ideia abrigar hortas comunitárias”, conta. “Então você percebe que já havia, desde meados da década 1910, o conceito de integrar essa prática ao ambiente urbano.”

Alguns estudos trazem a década de 1980 como impulsionadora de hortas em áreas urbanas da América Latina, o que teria sido motivado pela crise econômica que se instalou na região. “Parece haver uma correlação positiva entre momentos de crise e uma maior prática de agricultura urbana”, sugere a pesquisadora. “O próprio período de reclusão pelo coronavírus e as subsequentes crises social e econômica acabam incentivando o movimento das pessoas nesse sentido.”

Foi na mesma época que, no Brasil, as hortas também começaram a ganhar mais espaço graças a programas municipais – algumas prefeituras, inclusive, criaram projetos comunitários que já acumulam quatro décadas.

Surgidas de diferentes maneiras, confira abaixo seis hortas comunitárias antigas, que perduram até hoje em cidades brasileiras:

1. Hortas Comunitárias de Sete Lagoas (MG)

As hortas comunitárias de Sete Lagoas estão localizadas em sete pontos nos bairros de Nova Cidade, JK e Montreal/Canadá  (Foto: Prefeitura de Sete Lagoas / Reprodução)

As hortas comunitárias de Sete Lagoas estão localizadas em sete pontos nos bairros de Nova Cidade, JK e Montreal/Canadá (Foto: Prefeitura de Sete Lagoas / Reprodução)

O Projeto Hortas Comunitárias de Sete Lagoas foi criado pela prefeitura de Sete Lagoas, em Minas Gerais, em 1982. São também sete as hortas que ficam localizadas abaixo de linhas de transmissão de energia da cidade e onde são cultivadas hortaliças como alface, couve e cebolinha, além de tomate, cenoura, abóbora e beterraba

A colheita garante renda a cerca de 320 famílias, que recebem ajuda técnica e estrutural do município e vendem os produtos a moradores de Sete Lagoas em feiras, mercados e a domicílio. No total, mais de 2,5 mil pessoas são beneficiadas pelas hortas indiretamente.

2. Hortas Comunitárias do Dirceu, em Teresina (PI)

Considerado um dos maiores projetos de hortas comunitárias da América Latina, as hortas do Dirceu ocupam 22 hectares em Teresina  (Foto: Prefeitura Municipal de Teresina / Divulgação)

Considerado um dos maiores projetos de hortas comunitárias da América Latina, as hortas do Dirceu ocupam 22 hectares em Teresina (Foto: Prefeitura Municipal de Teresina / Divulgação)

Estabelecidas em 1987 como uma atividade educativa para crianças e adolescentes realizarem no contraturno escolar, as Hortas Comunitárias do Dirceu, em Teresina, passaram a atrair pessoas em situação de desemprego, que acharam nelas uma oportunidade de obtenção de renda.

O projeto criado pelo governo beneficia atualmente mais de 300 famílias do bairro de Dirceu Arcoverde, onde fica o maior conjunto habitacional da capital piauiense. Com cerca de 22 hectares, as Hortas do Dirceu estão entre as maiores hortas comunitárias da América Latina, cultivando verduras como rúcula, acelga, couve e alface, e legumes, como berinjela e pimentão.

3. Hortas Comunitárias de Birigui (SP)

Criado pela prefeitura, o projeto de hortas comunitárias de Birigui agora é mantido pelas famílias agricultoras  (Foto: Prefeitura Municipal de Birigui / Reprodução)

Criado pela prefeitura, o projeto de hortas comunitárias de Birigui agora é mantido pelas famílias agricultoras (Foto: Prefeitura Municipal de Birigui / Reprodução)

Criadas em 1986, as Hortas Comunitárias de Birigui, no interior de São Paulo, surgiram para que os funcionários da prefeitura tivessem melhor acesso a alimentos de qualidade. Em alguns anos, o governo municipal passou a apoiar o projeto, que se transformou em um programa social atendendo cerca de 1,8 mil famílias. Dentre os auxílios, estão a disponibilização de água, estrutura de alambrado, sementes, adubo orgânico e assistência técnica.

Atualmente, são 54 hortas comunitárias que ocupam mais de 100 mil m². Na área, são produzidos alface, acelga, agrião, beterraba, berinjela, cenoura, couve, espinafre, pepino e temperos diversos, entre outros. Segundo a própria prefeitura, os excedentes dos meses de alta produtividade são doados a entidades sociais do município.

4. Horta das Flores, em São Paulo (SP)

Alguns canteiros da Horta das Flores, localizada próxima à Radial Leste, em São Paulo Coletivo Horta das Flores / Divulgação (Foto: Coletivo Horta das Flores / Divulgação)

Alguns canteiros da Horta das Flores, localizada próxima à Radial Leste, em São Paulo (Foto: Coletivo Horta das Flores / Divulgação)

A Horta das Flores surgiu em 2004 como parte do Programa de Agricultura Urbana e Periurbana da cidade de São Paulo, dedicado a oferecer uma oportunidade de geração de renda e produção de alimentos para famílias de baixa renda.

Localizada na Praça Alfredo di Cunto, no bairro da Mooca, a horta ficou à mercê das mudanças que ocorriam no programa, até ele acabar. Com isso, a praça sofreu precarização durante anos até que um grupo de moradores iniciou uma ocupação comunitária para resgatar a horta e o espaço.

Hoje, a Horta das Flores é considerada uma referência no campo da educação ambiental, graças a parcerias com professores e universidades. Além do cultivo agroecológico, compõem a paisagem da praça um pomar, uma composteira, um jardim de bromélias, um orquidário e um viveiro de mudas nativas da Mata Atlântica – na praça, há cerca de 200 árvores plantadas e catalogadas.

De acordo com Valéria Blanco, que mora no bairro e frequenta a horta, tudo o que se produz lá é destinado à pesquisa, e o excedente da colheita vai para moradores, voluntários e público geral. A praça é cercada por grades, mas o acesso é livre. “Eu vou quase todos os domingos ajudar no manejo e na limpeza”, diz Valéria. “Sempre volto para casa com frutas da época, como abacate e amora, além de temperinhos para usar no mesmo dia no almoço de domingo – manjericão fresco, alecrim etc.)”, complementa.

5. Horta da Lomba do Pinheiro, Porto Alegre (RS)

A Horta Lomba do Pinheiro tem grande caráter educacional, garantido por parcerias com escolas e universidades, principalmente a UFRGS (Foto: Mônica Meira / Divulgação)

A Horta Lomba do Pinheiro tem grande caráter educacional, garantido por parcerias com escolas e universidades, principalmente a UFRGS (Foto: Mônica Meira / Divulgação)

Após a cessão de um terreno através do Orçamento Participativo de Porto Alegre, a Horta da Lomba do Pinheiro foi criada em 2005 no bairro homônimo, localizado na zona leste de Porto Alegre. Em uma área de 7 mil m², a horta comunitária tem seus resultados revertidos à população local, seja com legumes e hortaliças, seja com fitoterápicos cultivados no espaço.

A partir de 2014, surgiu um movimento de adicionar um caráter educativo ao projeto, que passou a ter parcerias com escolas municipais e estaduais, com as secretarias de educação e de saúde e também com a UFRGS. Diversas oficinas são realizadas na horta, que segue sendo tocada por moradores do bairro.

6. Horta Girassol, em São Sebastião (DF)

A Horta Girassol tem trabalhos de educação ambiental e cultiva verduras e legumes  (Foto: Horta Comunitária Girassol / Facebook / Reprodução)

A Horta Girassol tem trabalhos de educação ambiental e cultiva verduras e legumes (Foto: Horta Comunitária Girassol / Facebook / Reprodução)

A morte de uma moradora por hantavirose, uma doença transmitida pelo contato com fezes e urina de ratos, motivou vizinhos do bairro do Morro Azul, em São Sebastião (DF), a agirem por conta própria e transformarem um terreno baldio cheio de lixo em um espaço para uma horta comunitária.

Com apoio de alguns órgãos do governo para a limpeza, a Horta Girassol surgiu em 2005 como iniciativa dos moradores e hoje ajuda cerca de 30 famílias a colocarem comida na mesa. Dentre os principais alimentos, estão alface, cebolinha, coentro, mandioca e algumas frutas, cultivados em uma área com cerca de 5 mil m².

Na horta, há também um trabalho de educação ambiental, que acontece através de oficinas sobre técnicas e práticas agroecológicas e de produção e manejo de hortaliças orgânicas.