• por Daniel Bolson
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Projeto do escritório Vitrô, a loja Korui, localiza-se na Rua Girassol, da Vila Madalena, em São Paulo, conhecida por terrenos e calçadas com desníveis. O projeto se utilizou desses desníveis e criou uma escada/ banco que amplia a área da loja para a calç (Foto: Reprodução / vitro.arq.br / Maura Mello / Ana Helena Lima)

Projeto do escritório Vitrô, a loja Korui fica localizada na Rua Girassol, Vila Madalena, em São Paulo, conhecida por terrenos e calçadas com desníveis. O projeto usou desses desníveis e criou uma escada que amplia a área da loja para o espaço coletivo (Foto: Reprodução / vitro.arq.br / Maura Mello / Ana Helena Lima)

Você finalmente compra o seu apartamento tão sonhado. Contrata o arquiteto, usa os investimentos que guardou por anos, embarca em uma grande reforma, escolhe revestimentos, acabamentos e móveis. Eis que sua casa está prestes a ficar pronta. Desce então até o térreo do edifício, para receber o grupo de amigos que serão as primeiras visitas da casa nova. Entra no elevador e percebe que as lâminas de madeira que revestem o painel têm alguns palavrões entalhados à chave. A lâmpada do elevador, branca hospitalar, está com parte queimada, escapando para fora do espaço onde deveria ficar e sombreando fios em um acrílico amarelado e rachado, colado com fita adesiva.

Chegando no térreo, depara-se com cerâmica lascada tamanho 40 x 40 aplicada no piso de forma oblíqua, de textura com ranhuras marrom e bege. Um par de poltronas de Ratan, já um tanto desfiadas, que pertenceram à antiga casa de praia da síndica, ornam com um tapete vermelho, que já habitou por décadas o quarto da filha da sub-sindica e um arranjo de flores artificiais mais sem vida que uma espécie natural não molhada pelos últimos cinco anos.

A arte condominial que ambienta a parede, um clássico do bizarro das áreas condominiais, propõe desenho abstrato que consegue a proeza de misturar borrões com relevo de tinta ao lado de uma reinterpretação rudimentar de formas usadas por Romero Britto.

Abre a porta do hall, que conta com uma fechadura neoclássica faltando partes, e vê um paisagismo composto por britas de diferentes tons e tamanhos junto de areia, com pequenos vasos de plástico encaixados em meio às pedrinhas com mudas murchas de diversas de plantas que nenhum condômino sabe com vieram parar ali. Elas foram simplesmente amanhecendo nessa área ao longo dos anos.

A pergunta que vem a sua cabeça é: de que adianta investir e escolher itens tão bacanas para o lar, se a entrada dele, sua comunicação com a rua e a porta de entrada está totalmente abandonada ao descaso condominial?

O projeto deste edifício na Gávea, Rio de Janeiro, do escritório Cité Arquitetura, tem apartamentos compactos e propõe espaços coletivos conectados as dinâmicas dos moradores, como o bicicletário para uso coletivo dos moradores. (Foto: Daniele Leite / Divulgação)

O projeto deste edifício na Gávea, Rio de Janeiro, do escritório Cité Arquitetura, tem apartamentos compactos e propõe espaços coletivos conectados às dinâmicas dos moradores, como o bicicletário para uso coletivo (Foto: Daniele Leite / Divulgação)

É curioso observar como as áreas comuns dos edifícios tendem a materializar sentimentos de desarmonia e descaso entre a vizinhança. Os gastos fixos difíceis de compreender nos documentos do condomínio não se traduzem em beleza, organização, mínimo bom gosto e concordância de linguagem arquitetônica, além da falta do básico de espaços coletivo que imprimam maior equilíbrio e aconchego.

Isso se demonstra também em atitudes com descaso na separação do lixo ou mesmo na dificuldade de se fazer a devolução do carrinho de compras coletivo ao seu devido lugar. Quem nunca se deparou com a garagem do seu condomínio, uma das maiores portas de entrada dos edifícios, virar um grande depósito de entulhos, com pedaços de móveis, brinquedos, latas de tinta, enfim... tudo que o vizinho não quer mais em sua casa e que abandona de modo temporário-permanente nessa área comum de grande circulação? O senso coletivo tende a passar longe quando falamos de espaço compartilhado.

A maioria dos apartamentos não conta com espaços de jardim e respiros abertos. O paisagismo dos prédios muitas vezes acaba ceifado, com discursos absurdos de que as plantas geram sujeira. Desde quando folhas viraram sujeira? No meio disso, reina um mar de plantas artificiais, de texturas, proporções e colorações jamais vistas na natureza. Nem que seja um banco abaixo da marquise na entrada do prédio, para esperar o carro de aplicativo chegar. Essas áreas, por menores que sejam, tem um uso muito significativo, especialmente para as crianças que moram nos edifícios e tornam pequenas floreiras, canteiros e recuos de jardim, em seus pátios de brincar e socializar diariamente.

Todo condomínio que se preze conta com uma utópica ideia de renovação da fachada, buscando ares de modernização. Muitas vezes a materialização disso se traduz em revestir prédios que tinham fachadas bem elaboradas pelo projeto original, transformados em grandes volumes azulejados, sem graça, parecendo grandes áreas de banho cobertas em pastilha.

Elementos de madeira natural, metais nobres de desenho refinado, pedras naturais já extintas, todas arrancadas para dar lugar a revestimentos de gosto e durabilidade duvidosos. Geralmente quem define a mudança de tais elementos são membros do condomínio que não tem a menor competência no assunto e muito menos consultam quem fez o projeto inicial ou mesmo qualquer profissional da área.

O escritório AVL Studio, de Londres, criou uma proposta para utilizar empenas cegas de edifícios de forma a transformá-las em hortas coletivas dessas construções. A ideia é acoplar módulos horizontais, com estruturas metálicas e escadas, ao longo dos anda (Foto: Reprodução )

O escritório AVL Studio, de Londres, criou uma proposta para usar empenas cegas de edifícios para transformá-las em hortas coletivas nessas construções. A ideia é acoplar módulos horizontais, com estruturas metálicas e escadas, ao longo dos andares (Foto: Reprodução)

Percebo um movimento do mercado imobiliário que entende a importância das áreas comuns com bom desenho e funções mais efetivas no cotidiano das pessoas que vivem em comunidade; que criem áreas de respiro, descanso, lazer, atividades físicas, relaxamento, espaços para receber mais funcionais e práticos, com cara de extensão das casas. Salões, espaços mais com estilos e menos formais, menores, para uso cotidiano. A percepção de facilidades que realmente auxiliam no dia a dia.

Uma proposta interessante que vem surgindo são pequenos mercados alocados na área condominial, baseados na confiança do self-service, onde o morador acessa e compra os produtos que precisa e paga por um sistema de autoatendimento.

Nos espaços comerciais, é fundamental projetar áreas de convivência que sejam mais agradáveis e funcionais. Serem pensados para, efetivamente, serem usados nas dinâmicas cotidianas, proporcionar a troca entre pessoas de áreas e empresas diferentes, receber pequenas reuniões e conversas de maneira mais informal. Ambientes que não exijam alugar e agendar excessivamente preparados para esse fim. Lugares que contenham uma estrutura adequada para se fazer refeições, além de poder proporcionar locais de descanso entre os turnos. Projetar ambientes que vão muito além de halls de entrada imensos e obsoletos, que além da pretensão de imponência de suas propostas, não tem uso no dia a dia desses conjuntos comerciais.

Não me canso de repetir: nossos lares começam ainda na calçada, na rua das nossas moradas. Mesmo que teu condomínio seja pequeno e por mais difícil que seja dialogar com vizinhos, muitas vezes, com perfis completamente diferentes. Estar envolvido em reuniões condominiais, manter uma pró-atividade e fortalecer um pensamento de coletividade na busca de uma qualificação da parte plural dos nossos espaços compensa, garanto.

Já cansei de "arregaçar as mangas", literalmente, plantar pelos canteiros esquecidos de edifícios que já morei e, garanto que, depois do resultado observado pelos vizinhos, nossa comunicação, a facilidade de aprovar qualificações e, mesmo o convívio, melhorou muito.

Rodapé colunista Daniel Bolson (Foto: Divulgação | Arte: Casa e Jardim)

Rodapé colunista Daniel Bolson (Foto: Divulgação | Arte: Casa e Jardim)