Daniel Bolson
A relação da política com o desenvolvimento do espaço urbano
O colunista Daniel Bolson defende a importância do voto para transformar a arquitetura e amenizar desigualdades sociais
3 min de leituraEm época de eleições, questões importantes da cidade relacionadas também à arquitetura e ao urbanismo podem ganhar possibilidade de mudança em sua condução. Votar também é definir o futuro do lugar em que vivemos, suas prioridades, lidar com feridas urbanas e desigualdades sociais materializadas nos territórios. Em um país onde a arquitetura contemporânea mais se desenvolve de maneira privada do que pública e popular, e o urbanismo é tão pouco explorado, é tempo de analisar o quão importante seu voto pode ser para mudar esses rumos.
É muito bom poder viver em um local onde temos uma orla bonita e espaços turísticos bem cuidados. Mas isso não pode acontecer apenas nas centralidades. Precisa vir acompanhado de melhorias em diferentes regiões da cidade. Poder propor mais espaços de lazer em diversos bairros, em suas diferentes configurações, localidades e classes pode vir a beneficiar muito mais pessoas em seus cotidianos locais do que focar apenas em áreas centrais de grande concentração.
A mobilidade urbana atual é um retrato da nossa realidade, que sobrevive de maneira caótica, desenrolando-se um urbanismo orgânico, desenhado por consequência das construções privadas – ao invés de, minuciosamente, planejado pelo poder público, priorizando os interesses da coletividade. É no mínimo curioso pensar que o Brasil já foi cortado por linhas férreas e hoje é dominado por transporte rodoviário. Isso tem um grande impacto nas cidades também.
A cultura de transporte individual, cada um dentro de seu carro, superlota as vias urbanas e faz gerar obras viárias, passarelas, viadutos, duplicações, que em poucos anos já estão congestionados e entupidos novamente. A qualificação do transporte coletivo não acompanha esse desenvolvimento.
Isso sem falar no transporte cicloviário, que ainda tem uma representatividade quase que de passeio, se comparado a outras alternativas. As poucas linhas de metrô, que não vencem longas distâncias, restringem-se às áreas centrais. Não cortam extremidades, nem chegam às zonas mais periféricas.
As moradias populares são outro grande problema do urbanismo, implicando conjuntos habitacionais com baixa qualidade arquitetônica, sem conforto e espaço, situados em regiões onde o planejamento urbano tampouco chegou.
Obras urbanas geram remoções para áreas ainda mais afastadas, sem acesso a transporte de qualidade. Perpetua-se a prática de afastar para periferias os mais pobres, dando ênfase à diferença de classes em uma sociedade que se torna cada vez mais segregada.
Não é a falta de bons exemplos do passado que nos colocou em uma situação assim. Vale analisar, por exemplo, o projeto do Conjunto Habitacional Pedregulho, ícone do bom modernismo popular brasileiro, obra do arquiteto Affonso Eduardo Reidy (1909-1964), projetada em 1947, para receber moradias de funcionários públicos na cidade do Rio de Janeiro, no Bairro de São Cristóvão. Um projeto que buscava atender necessidades diversas dos moradores junto a suas residências, de maneira autônoma, contemplando serviços essenciais do dia a dia.
O Estatuto das Cidades, implementado no país em 2001, contempla diversas diretrizes para que a cidade possa buscar seu desenvolvimento urbano por meio da implementação de planos diretores participativos, com instrumentos urbanísticos que buscam combater à especulação imobiliária e trabalham na regularização fundiária urbana.
O plano diretor, um documento que rege as normativas da urbanização e das construções, tão importante e fundamental para o desenvolvimento da cidade, depende diretamente do interesse e esforço da prefeitura em ouvir técnicos, população, vizinhanças, arquitetos, urbanistas, engenheiros, mercado imobiliário e balizar essas demandas com a situação atual da cidades e seu futuro.
Vivemos uma atualidade de Planos Diretores paralisados no tempo em diversas cidades brasileiras de grande porte ou, então, ideias de gestões passadas interessantes, congeladas na mudança de comando político.
Precisamos parar de pensar a arquitetura como um elemento que cerca classes médias altas e colocá-la no centro do debate político, exaltando a relevância do urbanismo em uma sociedade tão desigual como a que vivemos. Essa pauta que fala sobre a importância dada pelos governantes ao desenvolvimento do urbanismo envolve tantas outras questões relevantes, como a preservação de espaços verdes na cidade, índice construtivo, conservação e manutenção do patrimônio, entre tantos outros assuntos.
É o momento de avaliar. Procurar se informar sobre as candidaturas e quais as suas propostas relacionadas ao desenvolvimento e à busca de melhorias para os aspectos urbanos da cidade. Analisar qual time de profissionais está por trás de cada projeto político, se há conhecimento, experiência, interesse nesses assuntos, se está aberto a dialogar com opiniões de diferentes campos. Buscar um espaço mais igualitário entre as pessoas não é querer pausar o progresso e o desenvolvimento, mas sim poder ampliar a qualidade de vida para diferentes grupos e realidades. A arquitetura e o urbanismo, certamente, são agentes transformadores da sociedade e quem administra as cidades tem o poder de concretizar essas mudanças.