Uma verdadeira pandemia de insônia está acompanhando a de Covid-19 nos últimos seis meses. Tanto que segundo a Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico COVID-19 (Vigitel) divulgada no fim de maio, 41,7% dos entrevistados afirmaram estar sofrendo com distúrbios do sono, como dificuldade para dormir ou dormir mais do que de costume. Afinal, com a chegada do coronavírus ao Brasil, a rotina da maior parte da população mudou drasticamente. O isolamento social forçou a um confinamento que trouxe, entre outras consequências, uma discussão a respeito da saúde mental das pessoas. Dentro deste cenário, diversos são os motivos que explicam uma dificuldade de manter um sono regular e de qualidade. Mas especialistas afirmam que é possível minimizar esse problema com uma mudança ou reforço de alguns hábitos, mesmo em tempos de coronavírus.
A insônia pode diminuir até mesmo a imunidade — Foto: Istock Getty Images
O neurologista Alexandre Bossoni, do Hospital Santa Paula, afirma que vivemos em uma sociedade que gera transtornos do sono e que isso acontece porque estamos continuamente exposto a estímulos que atrapalham o sono.
– Luzes coloridas, telas, energia elétrica, programas de televisão, culturais e compromissos que adentram a noite, tudo isso vai atrapalhando o nosso sono. Além disso, atualmente, o sono acaba sendo piorado por conta da pandemia, porque as pessoas vão ficando mais estressadas, mais cansadas, mas deprimidas, trabalham até mais tarde, fazendo reuniões durante horas a fio, e tudo isso pode realmente atrapalhar o sono – detalha.
A insônia é definida como a dificuldade em iniciar ou manter o sono, ou ainda o despertar precoce, antes do horário necessário, sempre associada a prejuízos diurnos. Quando isso acontece por menos de quatros semanas, é classificada como insônia aguda. Já quando se repete além desse período, passa a ser considerada crônica. Além disso, a insônia crônica (duração maior que três meses) é uma séria preocupação para saúde, já que, entre outras coisas, ela aumento o risco de doenças cardiovasculares como hipertensão arterial, entupimento de artérias que pode levar ao infarto e insuficiência cardíaca. Na maioria das vezes, a insônia é causada por maus hábitos.
Com o início das medidas de isolamento, o cotidiano da maioria das pessoas passou por grandes mudanças e muitos até mesmo deixaram de ter uma rotina fixa, permitindo que a permanência dentro de casa alterasse radicalmente seus rituais diários. Uma das queixas mais frequentes nesse período tem sido o aumento de ansiedade, o que é associado a alterações no padrão de sono.
– O sono é um fenômeno biológico, ou seja, existe o nosso relógio biológico, que determina quando a gente acorda e quando a gente dorme. Mas ele também é influenciado por questões comportamentais, então a hora que você tem que trabalhar, dormir, sua rotina de trabalho, que hora do dia você faz atividade física, como é a sua alimentação ao longo do dia, tudo isso interfere no sono. E ele também pode ser influenciado por questões sociais, por exemplo, se a minha família gosta de dormir tarde da noite, ou se a família gosta de dormir cedo, tudo isso também vai influenciando. É o conjunto de tudo isso que vai gerar a insônia – explicou Alexandre.
Consequências de dormir mal
- Estresse;
- Reduz imunidade;
- Aumenta o risco de diabetes;
- Aumenta o risco de pressão alta;
- É fator de risco para infartos;
- Atrapalha dieta;
- Déficit de atenção e de memória recente;
- Dor de cabeça;
- Cansaço e indisposição;
- Baixa produtividade.
Uma noite mal dormida tem uma série de consequências ruins: aumenta a liberação do cortisol, que é o hormônio do estresse, e isso cronicamente reduz a imunidade, aumenta o risco do diabetes, aumenta o risco de pressão alta. Além disso, o médico afirma que uma noite mal dormida atrapalha a seguir uma dieta, porque dá mais vontade de comer, especialmente de comer doce. Já na privação aguda de sono, o paciente pode ter tontura, vertigem, mal estar e até sensação de desmaios.
Dicas
Evitar aparelhos eletrônicos antes de dormir está entre as dicas para uma boa noite de sono — Foto: Getty Images
- Mantenha uma rotina, com hora fixa para deitar e levantar. Não deixe o home office bagunçar as suas noções de tempo;
- Quarto é para dormir: nada de levar trabalho ou comida para a cama;
- Desligue o celular, a TV, o tablet: nada de eletrônicos e telas na hora de dormir;
- Apague a luz. Nosso ciclo circadiano faz com que o nosso organismo se adapte à duração do período claro (dia) e do período escuro (noite) da luz do dia, e não custa dar uma ajuda com a luz artificial também;
- Faça atividades físicas regularmente, mas prefira os períodos da manhã ou da tarde, se for possível. Se tiver que fazer à noite, evite atividades de alta intensidade, optando pelas leves ou moderadas;
- Não fique lendo notícias sobre a pandemia e sobre outros acontecimentos ruins à noite, para não ficar remoendo os problemas;
- Não jante muito tarde e tente não comer alimentos pesados à noite;
- Evite os seguintes alimentos após as 16h: café, refrigerantes, chocolate, açaí, energéticos, frituras, açúcares e alguns tipo de chás, como o preto, o verde e o branco;
- Invista em alimentos que contenham melatonina, triptofano, magnésio, ômega 3, vitamina D e cálcio, essenciais para uma dieta que contribui para o rendimento do sono. Alguns exemplos são: aveia, leite, mel, cereja, alface, linhaça, chia, nozes e alguns tipos de chás, como os de mulungu, maracujá, camomila e erva cidreira.
O sono de qualidade é muito importante, para fortalecer o sistema imunológico, auxiliar na prevenção de doenças cerebrovasculares como o AVC, doenças cardiovasculares como o infarto do miocárdio e a hipertensão arterial, além de evitar complicações do ponto de vista metabólico, como a obesidade e o diabetes. Para isso, Alexandre afirma que é preciso manter uma rotina.
– Rotina significa tentar dormir no mesmo horário, tentar acordar no mesmo horário e tentar não inverter esses horários dentro da possibilidade. Outro ponto importante é separar bem os ambiente dentro de casa. Ou seja, no quarto de dormir eu não como, eu não trabalho, eu não faço outras atividades que não seja dormir – recomendou.
Isso porque, segundo o neurologista, o ambiente condiciona o seu cérebro. Por exemplo, quando você passa na frente de uma padaria e sente o cheirinho do pão, dá aquela vontade de comer, mesmo que você tenha acabado de almoçar. Alexandre explica que isso não é fome, mas vontade de comer por conta do ambiente, do cheiro.
– E queremos que a mesma coisa aconteça com o seu cérebro, que quando ele entra no quarto, quando ele reconheça aquele ambiente, ele tenha vontade de dormir. Na pandemia, com a questão do trabalho em casa, as pessoas muitas vezes misturam o espaço de trabalho com o espaço de descanso e isso gera uma confusão na cabeça, a gente nunca sabe quando a gente está trabalhando e quando a gente está descansando. E essa sensação de estar continuamente conectado com o trabalho ou conectado com as pessoas gera ansiedade, gera cansaço e isso também atrapalha o sono – explica.
O ambiente também interfere no descanso e um local ideal para dormir tem pouca ou nenhuma luminosidade, é silencioso, confortável e tem temperatura adequada. Não existe uma regra em relação ao tempo que cada um deve dormir. Um sono reparador é aquele do qual a pessoa acorda bem disposta para as suas atividades do dia a dia e o número de horas necessárias para esse descanso completo pode ser diferente para cada pessoa. É importante criar um "ritual do sono", que começa em evitar as notícias que aumentam o estresse no período da noite, preferindo o horário da manhã para se manter informado sobre a pandemia, por exemplo.
Além disso, é recomendado trabalhar em conjunto com a alimentação e atividades físicas regulares. O neurologista reforça que o exercício, mesmo que feito em casa por causa do isolamento, é fundamental para uma boa noite de sono. Para isso, ele indica uma alimentação leve antes de dormir e nada de atividade física muito pesada também. É preciso ter um tempo de relaxamento e de digestão antes de pegar no sono.
Atividade física
Além da atividade física ao longo do dia, antes de dormir, é importante relaxar — Foto: Reprodução/Getty Images
A atividade física é reconhecida pela Sociedade Americana de Distúrbio do Sono como uma intervenção não farmacológica para melhora do padrão de sono. Porém a prescrição de exercícios com esta finalidade ainda é reduzida. De acordo com o Caroline Nagano, cardiologista e médica do esporte, o exercício pode auxiliar o sono de diversas formas:
- Ajudando a dormir mais rápido: o início do sono é disparado pela redução da temperatura corporal que acontece no início da noite. O exercício, ao aumentar a temperatura corporal, criaria uma condição capaz de facilitar o "disparo" para iniciar o sono, já que a região de controle de calor e indução do sono são na mesma região.
- Melhorando a qualidade e a duração total do sono: uma das teorias é que esses mecanismos são acionados de acordo com o gasto energético durante o dia. Com maior atividade física, maior será o gasto energético e portanto maior necessidade do corpo recuperar e equilibrar (homeostase) as energias gastas durante o sono. Além disso, sincroniza melhor o relógio biológico com a produção de hormônio melatonina (relacionado ao ritmo circadiano) no momento correto.
- Estimulando um sono mais profundo: estudos mostram que os exercícios físicos aumentam as ondas lentas cerebrais que estão relacionadas a fase mais profunda do sono.
- Contribuindo no controle de ansiedade: há um aumento da liberação de hormônios do prazer e bem-estar ao se exercitar, associado à diminuição da liberação de cortisol, o que contribui para o controle da ansiedade, um dos principais fatores causais de insônia nesta pandemia.
- Auxiliando no controle do peso e em hábitos saudáveis de vida.
Contudo, a médica também afirma que essas alterações ocorrem na prática regular de exercícios por mais de seis semanas, de acordo com a maioria dos estudos.
– Para não dizer que os exercícios não podem piorar a insônia, há casos em que se forem realizados exercícios de maior intensidade no período noturno, algumas pessoas podem ter dificuldades para dormir devido maior liberação de hormônios do estresse, como adrenalina, durante a sessão de treino que se permanece elevada algumas horas depois. Nesses casos, sendo preferível mudar o horário dos treinos – ensina.
Alimentação
Chás são bons companheiros para boas noites de sono, mas não o chá preto e o chá verde, que contém cafeína — Foto: Reprodução/Getty Images
A relação entre o sono e a alimentação ocorre pela combinação entre substâncias presentes no nosso organismo. Raquel Constantino, endocrinologista e nutróloga esportiva, explica que, mais especificamente, é graças à ação das moléculas de triptofano no nosso cérebro que essa relação é desencadeada.
– Isso ocorre porque, uma vez no nosso cérebro, o triptofano obtido com ajuda dos alimentos estimula a produção de um neurotransmissor chamado serotonina. Esse neurotransmissor, por sua vez, é responsável pela sonolência, bom humor e sensação de bem-estar ao adormecer – acrescenta.
Outra substância que age nessa associação, de forma indireta, é a insulina. Ela é responsável por diminuir os níveis de açúcar no sangue. Segunda a médica, para compensar esse desequilíbrio, o corpo produz um outro neurotransmissor: a adrenalina.
– Isso não é bom para quem deseja dormir, já que a adrenalina induz o cérebro a ficar mais ativo e a pessoa fica com insônia, por consequência – completa.
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