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Por Thalita Peres (@thalita__peres)


"Meu primeiro Dia dos Pais vai ser mágico. Estou passando por uma processo de desconstrução do meu próprio corpo e construindo uma nova perspectiva que nós homens com útero também fomos projetados para gerar uma vida.

Lourenzo Gabriel, conhecido como Aqualien (Foto: Arquivo Pessoal) — Foto: Glamour
Lourenzo Gabriel, conhecido como Aqualien (Foto: Arquivo Pessoal) — Foto: Glamour

É um privilégio ser homem e trans, e carregar nossos filhos é também uma reconstrução da paternidade. Me sinto honrado e privilegiado, apesar de tudo. A ansiedade também aperta a cada dia que passa para ter Apolo em meus braços e poder demonstrar o quanto o pai dele o ama e tem orgulho de ter o gerado.

Isis e Lourenzo (Foto: Arquivo Pessoal) — Foto: Glamour
Isis e Lourenzo (Foto: Arquivo Pessoal) — Foto: Glamour

Isis e eu nos conhecemos através do instagram. Ficamos alguns meses conversando até que decidi vir passear em Aracaju para nos conhecermos. Acabei ficando e aconteceu de eu engravidar. Esta sendo muito bom, como duas pessoas trans nos entendemos muito bem, lutamos juntos, entendemos e respeitamos a particularidade de cada um dentro de nossas vivências. Esse processo de gestação está servindo para que a nossa relação se fortaleça ainda mais.

"Queremos criar nosso filho para que ele cresça uma pessoa respeitosa com todos, que seja uma pessoa de valores, principios, que respeite a existência de todos e que venha para ser uma das pontinhas do iceberg para a mudança que queremos ver no mundo. " - Lourenzo Duvale

Eu fazia terapia hormonal com testosterona há três anos. A testosterona pode deixar afetar a fertilidade. Inclusive durante o uso de testosterona o ciclo menstrual é interrompido. Mas eu estava sem tomar já há três meses por ter mudado de cidade e também não havia médico que entendia do assunto para me atender nessa outra cidade. Então, vim passear em Sergipe quando a pandemia estava caindo para conhecer a Isis e acabou acontecendo. Não foi planejado, inclusive a gente nem se preocupou achando que não iria acontecer por conta dos hormônios.

Os primeiros meses de gestação foram bastante tumultuados. Sofri várias transfobias e violências obstétricas por parte de médicos, enfermeiros e recepcionistas de UBS, clinicas e hospitais. Tive um sangramento na sexta semana. Achei que era aborto espontâneo e houve um descaso pela parte dos médicos por eu ser um homem trans gestante. Além das coisas clássicas de muito enjoo no primeiro trimestre, de quase não conseguir sair da cama, não comer e vomitar até a água que bebia.

"Estou com seis meses de gestação e não consegui ter acompanhamento médico de pré-natal pelo despreparo dos profissionais de saúde. Além do despreparo, 'falta de informação' e, mesmo sendo corrigidos, e nós explicando que somos pessoas trans, eles se recusam a me chamar pela forma que eu me identifico. " - Lourenzo Duvale

Não aceitam o fato de eu ser um homem independente do órgão genital, de eu ter um útero e estar gestando. Se recusam a entender que genital não define gênero e, muito menos, pronome e a forma que eu me identifico. Eles não respeitam.

Estou indo atrás dos meus direitos, tanto na justiça quanto denunciando nas redes sociais, onde tenho uma certa visibilidade. Aproveito essa força que tenho nas mídias sociais para usar como arma. Para denunciar todo esse processo desgastante que, na verdade, não deveria estar acontecendo em um momento tão delicado e que era para ser de felicidade e tranquilidade.

Isis, Lourenzo e Apolo (Foto: Arquivo Pessoal) — Foto: Glamour
Isis, Lourenzo e Apolo (Foto: Arquivo Pessoal) — Foto: Glamour

Estava afastado da minha mãe havia três anos por conta da dificuldade dela em me aceitar trans. Quando descobriu a gestação, ela entrou em contato comigo dizendo que teve uma experiência espiritual há algum tempo e que disseram a ela que nasceria uma criança que reuniria a família e então nos aproximamos de novo. Hoje, consegue me aceitar e lida superbem com a situação e, ainda por cima, rebate quem é preconceituoso. Já eu e meu pai nunca tivemos problema em relação a isso, mas quando ele descobriu minha gestação, se afastou, sem muitos porquês e eu nem questionei muito, pois já sabia a resposta.

No começo, eu tinha muito medo da dor do parto e queria de todo jeito que fosse cesárea. Vendo algums documentários entendi o quão violenta é essa cultura de cesáreas desnecessárias no Brasil. Além de não respeitar os processos do nosso corpo, que ele mesmo foi projetado para lidar com essa situação de forma natural, também prejudica a saúde do neném. Agora eu quero que seja um parto normal humanizado e, se possível, que seja em casa, claro que com uma equipe especializada em parto humanizado. Assim fica confortável e seguro tanto para mim, que já sofri inúmeras transfobias em hospitais, quanto para o bebê."

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