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Por Rafaela Fleur (@rafaelafleur)

Há algo de nebuloso na engrenagem que conduz a moda contemporânea. Todo mundo que integra o mercado parece desejar pluralidade de corpos e equidade racial, no entanto, bastam as semanas de moda se iniciarem para notar a predominância nítida das modelos brancas e magras.

O mesmo vale para as tendências que bombam no Instagram: critica-se os padrões de beleza, ao mesmo tempo em que o ressurgimento de Paris Hilton, imutável em seu estereótipo de patricinha sexy, é celebrado. Aparentemente contraditório, sim, mas nada surpreendente quando se analisa a moda historicamente.

Gkay na Glamour — Foto: Guilherme Nabhan/Glamour Brasil
Gkay na Glamour — Foto: Guilherme Nabhan/Glamour Brasil

A hipocrisia sempre foi uma das melhores amigas da bolha fashionista. E, se tem um nome que ilustra com impecabilidade esse dilema em solo brasileiro, ele é o de Gessica Kayane. Aos 29 anos, a humorista paraibana é um fenômeno inquestionável, mais de 40 milhões de pessoas a acompanham só no Instagram e no TikTok.

Nascida em Solânea, no interior da Paraíba, Gkay se tornou uma das personalidades mais importantes e rentáveis do Brasil em poucos anos e rompeu fronteiras alcançando relevância também em território internacional. Isso, vale sinalizar, sem possuir o passaporte facilitador garantido entre as “bem nascidas”. Apaixonada por moda desde sempre, e finalmente com dinheiro na conta, fundou a GYKA by Gkay, sua marca de roupas. Em paralelo, começou a consumir as extravagâncias com as quais sempre sonhou. Margiela? Tem. Gucci, Dior, Loewe? Também. Diante de tantas conquistas, no entanto, há quem questione seu merecimento. Os mesmos progressistas que clamam por inclusão desdenham hoje de sua importância.

“Não cabe a ninguém dizer se tenho identidade ou não. Para mim, é irrelevante. Sei o quanto lutei para chegar até aqui”, declara. Enquanto os haters a criticam do sofá de suas casas, Gkay se senta na primeira fila do desfile da Balenciaga na semana de Paris, estreita relações com designers mundialmente renomados, brilha no Instagram da Schiaparelli. Ao mesmo tempo, exalta estilistas brasileiros, como Rober Dognani e Dario Mittmann, e sabe também da importância de se posicionar publicamente sobre pautas sociopolíticas relevantes. É aquela velha máxima: veneno só faz mal se você engolir.

Na entrevista a seguir, fica claro que Gkay não costuma beber de fontes duvidosas.

Gkay na Glamour — Foto: Guilherme Nabhan/Glamour Brasil
Gkay na Glamour — Foto: Guilherme Nabhan/Glamour Brasil

Você começou a carreira através do humor e continua, com ele, atuando na moda. Como é fazer graça onde quase todo mundo faz carão?

O humor sempre fez parte da minha vida, não tinha como abandoná-lo. A vida para mim é levar sorriso, graça para as pessoas. Nosso mundo está muito globalizado, a comunicação está cada vez mais ampla, eu não me prendo muito. Dizem que, porque eu sou do humor, não posso fazer carão. Posso sim. Dá para incluir humor em tudo, nada mais importante que o riso.

Você tem uma origem simples, e as suas condições mudaram muito depois da internet. Como olha para trás e reflete sobre essa jornada?

Percebo que eu tinha muitos sonhos na vida que eu nem cheguei a sonhar e que se realizaram. É muito louco ver de onde vim, saber que eu comecei sem essa intenção, sem ter noção de que eu viveria tantas coisas incríveis, que eu conheceria ídolos e eles se tornariam amigos. Quando olho para trás, penso que é preciso acreditar em você, sem esperar muito das pessoas. É clichê, mas você tem que crer e seguir no seu foco.

Quando decidiu que queria a moda como um pilar da sua carreira?

Foi através de um conselho de um amigo, que disse: “Eu sinto falta daquela Gkay que tinha menos medo e ousava mais”. Isso me marcou, foi próximo ao Baile da Vogue, e aí decidi libertar essa ousadia a partir dali. Sempre fui assim, mas talvez estivesse presa dentro de uma caixinha que não conseguia sair.

Gkay na Glamour — Foto: Guilherme Nabhan/Glamour Brasil
Gkay na Glamour — Foto: Guilherme Nabhan/Glamour Brasil

Muita gente diz que os seus looks "não têm identidade" porque você foge do estereótipo que se espera de uma fashionista. O que pensa desses comentários?

Para mim, é irrelevante. A maioria dos meus looks traz um contexto por trás, então, independente do que falam, eu sei o que ele representa para mim. É isso que importa. Eu estudo, vejo a história por trás da roupa. Às vezes, quem me critica sequer sabe disso. Não precisa alguém dizer se meu look tem ou não identidade. Para mim, tem.

Como você trabalha com seus stylists, o que chama a sua atenção?

Pesquiso muito sobre os looks e gosto de produções chamativas, que combinem com a minha personalidade. O que me chama a atenção em uma roupa é ela ser diferente, causar algo nas pessoas, independente se vão achar bonito, feio ou estranho. Gosto de provocar opiniões.

Como foi receber o convite para ver o desfile da Balenciaga, na semana de moda de Paris?

Foi um divisor de águas na minha vida. Não esperava estar na primeira fila, fiquei muito nervosa, como há tempos não ficava. É a minha marca preferida, que mais me representa, que traz os looks mais excêntricos e inovadores. Quando fui convidada, não acreditei. Só caí na realidade quando eu estava lá, sentada, as luzes apagaram, e o Kanye West entrou.

Qual foi o principal ponto que você considerou na hora de fundar a Gyka by Gkay, sua marca de roupas?

Sempre quis ter uma marca que tivesse a minha identidade, mas que fosse mais comercial, acessível. Quando arquitetei o desfile da GYKA, com corpos diversos, trazendo diversidade e acessibilidade, foi com essa intenção. As pessoas me criticaram porque muita gente não sabia desfilar, mas nem era essa a intenção. Se eu quisesse pessoas especialistas em desfilar, teria contratado modelos, mas eu queria pessoas normais, dançando e se divertindo. É uma realização.

Gkay na Glamour — Foto: Guilherme Nabhan/Glamour Brasil
Gkay na Glamour — Foto: Guilherme Nabhan/Glamour Brasil

E sobre outros empreendimentos, vem algo por aí?

Sim, principalmente em 2023 e 2024. Tenho muitos sonhos, um dos maiores é aprender inglês de forma fluente, estudo bastante para isso. Com os projetos que tenho em mente, sei que preciso aprender um pouco mais.

A última Farofa da Gkay foi um evento que repercutiu muito. A festa foi pensada para viralizar?

Esperava uma repercussão, mas não do tamanho que foi. Não era um plano de negócio, era meu aniversário. Eu não tinha condições, nunca tive uma festa grandiosa. Foi uma satisfação muito mais pessoal do que profissional, mas os dois acabaram se juntando. A Farofa hoje é muito preciosa para mim, estou dentro de tudo, em cada reunião, até na montagem da estrutura.

Depois do sucesso da anterior, o que podemos esperar da próxima edição?

Muitas surpresas, desde a entrega do convite até o line-up, o espaço físico. Porque agora, né? Agora eu posso! Então, vamos com tudo.

Como você cuida da sua saúde mental? Houve algum momento em que ela se desequilibrou?

Sim, tive momentos de burnout muito fortes. Inclusive, compartilhei nas redes. Acho importante, porque também tenho vulnerabilidades e dias ruins. Saí da internet por um mês porque precisava me cuidar e me ouvir, entender o que estava certo e errado. Aprendi a importância da folga, de ficar sozinha, em silêncio, ouvir meu corpo. O tratamento foi fundamental para mim. Faço terapia, o que me ajuda a entender diversas questões.

Gkay na Glamour — Foto: Guilherme Nabhan/Glamour Brasil
Gkay na Glamour — Foto: Guilherme Nabhan/Glamour Brasil

Qual foi a lição mais preciosa que você aprendeu durante todos esses anos de ascensão?

Você precisa ser corajosa. Se você tem coragem, você chega a lugares inacreditáveis. Eu sei que, às vezes, existe o medo, faltam caminhos, mas, se você for valente e decidir enfrentar do jeito que for, isso ajuda. Sei que existem dias difíceis que acabam com a gente, mas, você precisa manter a força que vem do seu interior. Conte com isso para as coisas darem certo.

Qual é o seu recado para as pessoas que julgam o seu trabalho negativamente, sem nem saber sobre a sua história direito?

Sempre haverá julgamentos, as pessoas não conhecem a minha história, normal me julgarem pelo que leem. Não me preocupo. Sei o quanto lutei para estar aqui, a quantidade de percalços e barreiras. Sei de onde vim, da minha história, das condições que eu tinha, do esforço que fiz. Essa é a minha maior satisfação. Ver minha família feliz, com conforto, realizando sonhos... Isso vale muito mais do que quem julga o trabalho de quem elas sequer conhecem. As pessoas que julgam, talvez, falem mais sobre elas mesmas do que sobre mim.

Gkay na Glamour — Foto: Guilherme Nabhan/Glamour Brasil
Gkay na Glamour — Foto: Guilherme Nabhan/Glamour Brasil
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