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Por Nívia Passos (@niviapassos)

Não é exagero nenhum dizer que “Barbie” era o filme mais aguardado do ano. Desde o anúncio do live-action com Greta Gerwig na direção, cinéfilos, fãs da boneca mais famosa do mundo e curiosos não falam de outro assunto - ainda mais com todo o marketing ao redor do longa, que fez todo mundo revisitar ou atualizar o guarda-roupa para adicionar o clássico rosa da Barbielândia.

A Glamour já conferiu o filme na cabine de imprensa que aconteceu nesta terça (18.07) e, aqui, COM SPOILERS, conta tudo o que amou (e que também não amou) na produção estrelada por Margot Robbie e Ryan Gosling. Confira:

|| O que mais amamos em 'Barbie' ||

O filme é muito mais do que o trailer entrega

A ansiedade pela estreia do filme ficou ainda maior desde que o primeiro trailer foi divulgado em abril deste ano. Os primeiros segundos dele, com as meninas largando as bonecas que simulavam bebês com a chegada da Barbie, uma Margot Robbie gigante com longas pernas de plástico, é de arrepiar qualquer garota que cresceu nesse universo. E logo depois, em rápidos flashes, a caracterização dos personagens e o cenário já deixaram a expectativa de que a versão em carne e osso dos brinquedos não deixaria nada a desejar.

Mas, ainda que revisitar a infância sob um novo olhar seja interessante por si só, a trama é muito mais do que o teaser e os eventos de divulgação mostram. Quer dizer, para quem conhece o histórico de Greta Gerwig - que estrelou e ajudou a escrever o roteiro de "Frances Ha" e também assinou a direção de “Lady Bird” e “Adoráveis Mulheres” -, já era de se esperar uma história que iria além de uma simples comédia. Mas, para a maior parte do público, a crítica ácida, as sacadas e a mensagem por trás do filme certamente vão surpreender e, no mínimo, causar um incômodo com os questionamentos. Não se deixe enganar pelo tom de comédia.

Barbie — Foto: Reprodução
Barbie — Foto: Reprodução

A inversão dos papéis na Barbielândia

Já imaginou um mundo em que os homens são meros coadjuvantes e as mulheres dominam tudo? Esse é exatamente o universo da Barbie; e, por lá, o Ken não passa de uma sombra que, como ele mesmo diz, “só existe sob o calor do olhar dela”. Nas diferentes versões em que surge, não passa de um cara sem uma personalidade que vá além do fato de gostar da Barbie… e de praia (ainda que não tenha nem habilidade para nadar, como já mostra logo na primeira cena em que aparece). Já as “Barbies”, mesmo “a estereotipada” de Margot Robbie, são independentes, colocam a amizade entre mulheres acima de tudo, são médicas, ganhadoras de Prêmio Nobel, físicas e até presidentes. São elas que decidem tudo na Barbielândia, enquanto os homens não têm pder e nem intelecto para decidir nada.

Quando a Barbie começa a sofrer as interferências de sua dona - que aparecem com o pensamento de morte e a celulite na perna - e precisa ir até o mundo real para consertar tudo, o primeiro choque de realidade é o modo com os homens dominam o universo. Enquanto Barbie se sente violentada com os olhares invasivos para o maiô que usa na praia, Ken enxerga esse mesmo olhar como admiração e gosta de ser notado. A situação vai escalando a partir daí, até o ponto que a boneca percebe que todos os cargos de poder são ocupados por homens - inclusive na Mattel, empresa em que foi criada - e Ken, mesmo sem muita inteligência, nota que aquela situação é favorável e deseja conhecer mais sobre o tal patriarcado que torna tudo isso possível. Qualquer semelhança com a realidade não é (mesmo!) mera coincidência, e esse é um dos maiores trunfos do filme.

Barbie live-action: tudo o que já sabemos sobre o filme com Margot Robbie  — Foto: Getty Images
Barbie live-action: tudo o que já sabemos sobre o filme com Margot Robbie — Foto: Getty Images

A Margot Robbie e o Ryan Gosling

Todo mundo já espera uma boa atuação de Margot Robbie e Ryan Gosling - e arrisco dizer que eles estão ainda melhores que o esperado. Margot, definitivamente, É a Barbie! Não só pela caracterização, mas pelos trejeitos que entregam o caricato quando preciso e a emoção necessária para momentos mais sérios. Já Gosling, que se entregou totalmente ao personagem, entra em um timing cômico tão perfeito que é o responsável pelas melhores risadas do filme. Especialmente quando, junto com os demais bonecos Ken, revive alguns estereótipos de homens que já cansamos de ver por aí: o músico que tenta conquistar te fazendo ouvi-lo tocar violão enquanto te encara por 4 minutos ininterruptos; o cinéfilo mainsplanning (“você não viu Poderoso Chefão? Deixa eu te explicar”, diz um deles); o “rato de academia”, que tem a autoestima garantida pelos músculos, e muitos outros arquétipos que fizeram toda a sala de cinema, especialmente as mulheres, darem boas risadas por (infelizmente) lembrarem que já viveram aquilo.

A metáfora dos pés no chão

Barbie percebe que realmente tem algo errado em seu perfeito mundo cor de rosa quando seus pés, naturalmente levantados para caberem nos saltos, passam a tocar o chão. Na trama, este é um indicativo de um defeito de fábrica que a faz visitar a Barbie Estranha (que genialmente representa as bonecas que foram rabiscadas e tiveram seus cabelos cortados pelas crianças), mas também uma analogia sobre sua chegada no mundo real. Na vida adulta, os sonhos e ideais da infância precisam dar lugar ao que costumamos chamar de uma atitude pé no chão, e esse detalhe que indica um pane no funcionamento do mundo perfeito conduz a um caminho de reflexões para tudo o que vem a seguir.

O olhar para as relações pessoais e o passar do tempo

Além da temática feminista, um dos pontos mais sensíveis do filme é o olhar lançado sobre as relações familiares e o passar do tempo - e não se surpreenda se você acabar soltando alguma lágrima por aí (como foi o meu caso). O destaque vai para a cena em que Barbie está chorando e, ao olhar para o lado, se depara com uma idosa sentada no ponto do ônibus. “Você é linda”, ela diz, ao que a senhora idosa responde com “Eu sei”, seguido por um sorriso. Ali, a boneca que sempre correu atrás da perfeição estética e da juventude se depara com a passagem do tempo e, mesmo entre as imperfeições do mundo real, não o teme porque enxerga beleza nele.

Quando Barbie se depara com a “escolha de Sofia” sobre seguir na Barbielândia ou ir para a vida real, ela é convidada por sua criadora Ruth a refletir sobre tudo o que a espera - e o vislumbre que a boneca tem é sobre as conexões humanas que a esperam ali. Sendo assim, mesmo sabendo que estará longe da perfeição e que o fim da linha é a morte, a boneca não hesita em dizer “sim”. Se eu derramei mais algumas lágrimas aqui? Imagina…

Abertura de discussões para pautas maiores

Para quem já acessa assuntos de feminismo desde o boom das pautas, a temática principal pode soar meio óbvia e didática demais, só que embalada com um humor refinado e que prende a atenção. Porém, a esperança é que as pequenas alfinetadas - como a da cena em que Barbie é chamada de “branca salvadora” pela personagem Sasha, vivida por Ariana Greenblatt - incomodem a ponto de despertar a vontade de uma pesquisa que vai além das quase 2h de filme.

|| O que poderia ser melhor ||

Inserir Barbies fora do padrão não foi suficiente

Responsável por padrões inalcançáveis desde que foi criada em 1959, a releitura da história da Barbie faz uma mea culpa de tudo o que a boneca, ainda que de forma passiva, causou para meninas e mulheres até então. É boa toda a crítica que acompanha o enredo, onde ela é ironizada por achar que salvou toda a geração feminina e chamada de fascista por uma adolescente que deixou de brincar com ela desde os 5 anos. Ao encarar a realidade, Barbie vê que não é amada como imaginava, já que o mundo perfeito da Barbielândia está muito longe de ser parecido com o das mulheres da vida real. Ponto para o filme, que não acompanha alguns discursos que circulam por aí do brinquedo como ícone feminista e símbolo de representatividade por supostamente vender um empoderamento com o discurso de que mulheres podem ser o que quiserem ser.

Barbie — Foto: Reprodução/Instagram @issarae
Barbie — Foto: Reprodução/Instagram @issarae

Mas, ainda que a trama conte com barbies negras - Issa Rae como presidente e Alexandra Ship como uma escritora que ganhou o Prêmio Nobel -, como uma mulher negra que cresceu nos anos 90 não se enxergando na beleza perfeita vendida por uma boneca branca e loira, preciso dizer que foi difícil ignorar o incômodo de não ver esse assunto pautado em tela. Dá para entender que a proposta de Greta não era entrar em pautas raciais - até por ser uma mulher branca e não ter lugar de fala nesse assunto -, e nem sempre se faz necessário resolver a representatividade abordando didaticamente estes assuntos. No entanto, quando estamos falando de um filme onde a proposta é situar a Barbie na realidade, fica difícil ignorar que, entre os discursos sobre sororidade e o papel da mulher, os danos que o “padrão Barbie” causou para mulheres negras, gordas, asiáticas ou de qualquer grupo que fugisse do estereótipo da loira magérrima com cabelo e pele impecável foram "resolvidos" com a inserção de personagens sem muita vida, apesar dos títulos importantes, interpretadas por atrizes diferentes de Margot Robbie.

Ao tentar abraçar várias questões, fica a impressão de que o filme acabou ignorando uma das principais problemáticas da boneca: a busca pela perfeição - que também foi cruel para mulheres brancas, claro - mas ainda mais para as que não conseguiam ver nada da Barbie quando se miravam no espelho. Hoje, assim como no filme, a Mattel percebeu seu erro e se orgulha de mostrar a linha diversa de bonecas Barbie, mas não dá para apagar os complexos que causou em toda uma geração de mulheres que cresceu sem essa correção.

Barbie — Foto: Divulgação
Barbie — Foto: Divulgação

Para que tanta gente de 'Sex Education'?

Nada contra os atores de Sex Education que fazem parte do elenco de Barbie - os ótimos Emma Mackey, Ncuti Gatwa e Connor Swindells -, mas o fato dos três estarem no filme pode causar uma reação involuntário no público que acompanha a série: tirar do universo da Barbielândia para levar para o mundo do colégio Moordale. Em algumas cenas, especialmente as de Swindells, que vive um personagem muito parecido com os trejeitos de Adam Groff, eu me pegava pensando nos plots da do seriado da Netflix em vez de pensar na trama que se desenrolava naquele momento.

Bom ver o trio junto de novo enquanto a nova temporada de Sex Education não chega. Mas, pensando nesse desvio de pensamento, a escolha soou meio curiosa.

A participação da Dua Lipa

Dua Lipa — Foto: Instagram
Dua Lipa — Foto: Instagram

A diva pop Dua Lipa mostrou que "esta Barbie é cantora mesmo", já que entregou uma (não) atuação bem questionável durante as três frases que solta ao longo do filme. Não se dá para esperar tudo de uma artista e está tudo bem Dua não ter o lado atriz, mas o burburinho que surgiu com o anúncio da participação dela não condiz com o que sua versão sereia entrega.

Para finalizar, Barbie foi tudo o que eu esperava? Sim e não. Sim porque, como obra cinematográfica, diverte, emociona, faz pensar e merece todo o burburinho que está tendo. Já o "não" é pelo incômodo que, horas depois de ver o filme, segue aqui. Mas, no fim das contas, a boneca mais perfeita do mundo sempre foi sobre isso mesmo - e, se essa era a intenção da Greta, deixar um sentimento dúbio do mesmo jeito que, em uma das cenas, enfatiza que a Barbie não era para ter uma conclusão, ela teve o olhar que entregou a essência exata.

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