Saúde
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Foi no final de 2020 que a atriz e criadora de conteúdo, Isa Paoli, de 22 anos, decidiu fumar um cigarro eletrônico pela primeira vez. Embora já tivesse o hábito de consumir tabaco, ela encontrou nos chamados "pods" ou "vapes" um escape para controlar a ansiedade com a facilidade de um dispositivo que não deixava cheiro, tinha um gosto adocicado e que ainda poderia ser usado em qualquer ambiente.

"Eu lembro que ficava muito ansiosa nas casas de gravação", conta Isa em entrevista à Glamour. O espaço, idealizado por agências de marketing de influência, reunia diversos influenciadores, em sua maioria TikTokers, para que fizessem um "intensivão" de conteúdos para as redes sociais. Durante um mês, ela consumiu o dispositivo de um colega de profissão diversas vezes ao longo do dia e quando voltou para casa se viu dependente do cigarro eletrônico da hora que acordava até o momento que fosse dormir.

Apesar de comuns nas mãos de adolescentes e adultos, os dispositivos eletrônicos para fumar são proibidos pela Anvisa desde 2009. À época, um grupo técnico se manifestou contrário à liberação no País; entretanto, a proibição não impediu sua fácil comercialização e uso tão popular no Brasil.

O relatório Covitel (Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas não Transmissíveis em Tempos de Pandemia), divulgado em abril de 2022, fez um levantamento inédito sobre uso de cigarros eletrônicos no País. Pelo menos um a cada cinco jovens entre 18 e 24 anos usava vapes ou similares no Brasil. No ano seguinte, o cenário não pareceu ter grandes mudanças.

Há pouco menos de um mês, entretanto, um movimento batizado de #SemNicotina começou a chamar atenção nas redes sociais. O projeto visa documentar os desafios do "desmame" dos cigarros eletrônicos e influenciar outros jovens dependentes a também pararem de fumar.

O primeiro a compartilhar abertamente sobre a decisão de parar de fumar foi Gustavo Foganoli, influenciador de 23 anos, que acumula mais de 1,5 milhões de seguidores no Instagram. Em um vídeo publicado em seu Instagram, o criador de conteúdo explicou que já fumava há 9 anos e migrou do cigarro branco para o vape. "O pod virou uma parte do meu corpo e eu não consigo mais ficar 30 minutos sem fumar (...) meu corpo se acordava de madrugada para fumar", conta na publicação.

Coincidentemente, Isa vivia a mesma relação com o cigarro eletrônico e há cerca de um mês também decidiu encerrar a dependência e compartilhar seu "diário de ex-fumante" aos mais de 3 milhões de seguidores no TikTok. "Para falar a verdade, eu sentia um pouco de falta de ar à noite, mas falava que era coisa da minha cabeça", lembra em entrevista.

"Começaram a sair muitas reportagens de jovens que estavam morrendo por causa do uso do vape, mas a gente nunca acha que vai acontecer com a gente. Eu achava que se eu parasse, minha depressão iria piorar, mas foi só quando eu vi que não conseguiria evoluir nos meus treinos de corrida que eu decidi parar de fumar de vez", explica Isa.

Em abril deste ano, a Anvisa decidiu manter a proibição da comercialização, fabricação e importação, transporte, armazenamento e propaganda dos cigarros eletrônicos, ficando proibido, inclusive, o transporte na bagagem de mão de viajantes.

"O movimento da hashtag 'sem nicotina' me deu mais coragem em continuar sem o cigarro. Os primeiros dias são horríveis, mas percebi que poderia motivar outras pessoas. Quando fiquei bem resolvida comigo mesma, decidi compartilhar na internet. Fumar é muito normalizado entre os influenciadores jovens, então fiquei feliz em saber que isso está mudando e estamos incentivando outras pessoas a pararem também", conclui Isa.

Entenda os malefícios do uso dos dispositivos eletrônicos para fumar

A médica pneumologista, Danielle Bedin, especialista e Doutora em Pneumologia, esclarece as principais dúvidas sobre o tema a seguir:

Quando os cigarros eletrônicos se tornaram populares no Brasil, pouco se sabia sobre os efeitos do uso a longo prazo no corpo. A ciência já conseguiu mapear as consequências?
O cigarro eletrônico contém, além do Sal de Nicotina, diversas outras substâncias que inaladas se tornam tóxicas ao pulmão. Vários casos de doença pulmonar aguda decorrente do uso do cigarro eletrônico já foram descritas na literatura sendo a mais conhecida a EVALI em que ocorre um processo inflamatório agudo grave nos alvéolos levando a um quadro de insuficiência respiratória aguda e necessidade de ventilação mecânica. Ainda é muito cedo para descrição dos efeitos a longo prazo do uso dos dispositivos pois a popularização de seu uso é relativamente recente. Fazendo uma comparação com o cigarro convencional, após décadas de seu uso foi possível mostrar a associação com doenças cardiológicas como o infarto, doenças pulmonares como o enfisema e a doença pulmonar obstrutiva crônica e casos de câncer, como o câncer de pulmão.

Os jovens têm sido os mais afetados pelo uso dos cigarros eletrônicos?
Os jovens são os maiores usuários dos dispositivos eletrônicos e muitos vêm ao consultório relatando que é muito difícil conseguir largar o vício. Isso ocorre pela facilidade de uso em qualquer ambiente, uma vez que não tem cheiro e alguns ainda tem liberação mínima de fumaça.

O sal de nicotina presente nesses dispositivos eletrônicos tem maior capacidade de causar vício comparado com a nicotina do cigarro convencional. Além disso, a quantidade dessa substância é ainda maior. Em um exemplo simples: Um pod com 5% de sal de nicotina contém 50mg de nicotina por mL do líquido e em média são 12mL por cigarro eletrônico totalizando 600mg de sal de nicotina. Um cigarro convencional contém 1mg de nicotina, totalizando 20mg de nicotina em um maço de 20 cigarros. Sendo assim, 1 cigarro eletrônico pode equivaler a 30 maços do cigarro convencional. Ou seja, um cigarro eletrônico pode gerar ainda mais dependência.

Como pode ser feito o tratamento para parar o uso do cigarro eletrônico?
O tratamento para parar de usar o cigarro eletrônico consiste em orientações quanto aos malefícios de seu uso, mudanças de hábitos (como exercício físico) e auxílio medicamentoso. Em relação a reposição de nicotina inicial para reduzir a chance de abstinência podemos usar o adesivo de nicotina e a goma de mascar de nicotina. O tratamento sempre deve ser orientado por um médico para auxiliar na estratégia do tratamento.

É possível reverter os efeitos do cigarro eletrônico no corpo caso seu uso seja interrompido?
Isso depende de qual foi o dano ao pulmão. Nos casos em que os efeitos são leves como tosse e inflamação dos brônquios, a suspensão imediata do cigarro eletrônico e tratamento específico podem ter melhora. Em casos mais graves com comprometimento severo nos pulmões a reversão pode ser mais lenta.

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