Jornada de beleza
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Por Laura Bergamo*

“Minha alopecia aconteceu quando eu tinha 8 meses, então, não foi uma coisa que descobri adulta. Tive um quadro de infecção urinária e catapora ao mesmo tempo e, para combater essas doenças, tomei altas doses de antibiótico. Nunca foi algo 100% explicado, mas os médicos acham que eu desenvolvi um quadro de estresse que me fez perder todos os pelos do corpo, inclusive sobrancelhas e cílios. Até os 5 anos, eu não tinha absolutamente nada de pelos e cabelos. Depois, os pelos voltaram e os cabelos até nasceram na parte de trás da cabeça, mas caíam em seguida.

Na adolescência, fui a um tricologista – dermatologista especializado na saúde do couro cabeludo e dos cabelos – e o que ele me explicou é que o bulbo de um fio normal é como uma agulha, mas os meus são diferentes. Então, por mais que os fios nasçam, não têm força pra se fixar na cabeça. Eu nunca me vi com cabelo. Muitas das mulheres que passaram a me acompanhar falam que perderam cabelo com 20 e poucos anos e eu entendo que é um processo mais duro, porque algum dia elas se viram com cabelo. E eu praticamente nasci assim; não sei me ver de outro jeito sem ser careca.

A jornalista Lara Bergamo dá o seu depoimento para o "Jornada da Beleza" — Foto: Bianca Inglesis
A jornalista Lara Bergamo dá o seu depoimento para o "Jornada da Beleza" — Foto: Bianca Inglesis

Tratamentos longos e bullying

Na escola, a diferença era visível entre mim e meus colegas. As crianças talvez não entendessem o que era alopecia, mas era aquilo, ‘minha amiga não tem cabelo e tá tudo bem’. Então, nessa bolha, na qual estive inserida até os 16 anos, todos estavam acostumados comigo. Mas fora de lá, na rua, crianças tinham aquela essa coisa de apontar, falar: ‘olha, um ET’, coisas que crianças falam para machucar. Era o bullying que existia e me afetava, claro.

Durante essas fases, me submeti a muitos tratamentos: aos 14 anos, fiz laser no couro cabeludo, ionização, usava shampoos supercaros. Tomei um remédio horrível chamado Viviscal. Foram quase dois anos assim e não via diferença nenhuma, então, eu desisti. Era um processo desgastante e frustrante. Ao longo da minha vida, percebi que era muito mais uma vontade do outro de me ver com cabelo do que a minha mesma. Tem pessoas da minha família que até hoje não se conformam muito que eu não tenho cabelo.

Laura Bergamo quando era bebê, já sem cabelo — Foto: Arquivo pessoal
Laura Bergamo quando era bebê, já sem cabelo — Foto: Arquivo pessoal

Fora dos padrões... e linda!

Minha mãe faleceu quando eu tinha 5 anos e eu moro desde então com meus tios. Foi a minha tia quem me fez entender que sou perfeita assim. Ela dizia ‘você só não tem cabelo, é simplesmente um detalhe. Você é inteligente, bonita, alegre, nunca deixem te convencer do contrário’. Eu acho que eu nunca me odiei ou me achei feia por ser do jeito que eu sou. Mas, claro, foi um trabalho muito grande, porque existe um padrão construído pra você ser aceita. Preciso por uma peruca pra ser aceita? E se alguém for me amar, vai me amar sem cabelo.

Quando a gente é adolescente, vemos o padrão de beleza dos filmes americanos, da TV, do cabelo, do corpo, e eu não me via como uma pessoa atraente. Eu até tinha meus amigos que diziam, ‘ah, você é bonita’, mas não achava que era a pessoa com quem eles ficariam. A construção desse tipo de autoestima só veio na faculdade. Eu fiz jornalismo e então descobri um mundo tão novo, pude ver pessoas diferentes, fiquei com a cabeça mais aberta. Foi quando comecei a me perceber bonita.

Peruca, não!

Eu já provei peruca, mas não tem nada a ver comigo, eu não me reconheço, acho incômodo. Algumas vezes, já adulta, eu me sentia, talvez, um pouco acuada, essa é a palavra. As meninas falavam pra gente sair e iam todas maquiadas, com o cabelo escovado.Ouvia: ‘por que você não põe um lenço pra estar bem?’ É dentro desse padrão mais ou menos parecido. Quando eu era novinha eu até colocava, mas me sentia incomodada, não era eu. Então eu acho que demorou até pra eu falar, ‘vou sair assim, não vou amarrar um lenço na cabeça e pronto’.

O que eu diria para quem tem alopecia é: respeite o seu ritmo, porque as pessoas são únicas e a gente não pode esquecer quem somos. Cada um sabe o que é estar na própria pele todos os dias. Você pode ter alegria, amor, autoconfiança e, em seguida, estar triste. Peça ajuda! Ninguém que está perdendo cabelo agora é obrigada a ser feliz. Se você quiser ir atrás de uma ajuda profissional, vá, porque é um processo de aceitação, como qualquer outra coisa. A pessoa tem que se olhar e se reconhecer. Estou feliz assim? Se não, vou procurar ajuda. E sempre terá alguém pra dar a mão pra gente.”

Sobre o Jornada da Beleza

O Jornada da Beleza é o nosso confessionário, um espaço livre e acolhedor. Aqui, você lê relatos pessoais sobre como outras mulheres estão passando por questões que envolvem autoconfiança, amor-próprio e identidade. Qual é a sua história?

*Em depoimento à produtora de conteúdo de lifestyle, Laís Rissato (@laisrissato).

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