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Por Helio Gurovitz


Pesquisa Datafolha - Votos totais, segundo turno entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad — Foto: Arte/G1

Diante das duas opções que se apresentam na urna, é alto o número de eleitores que pretendem votar nulo, em branco ou evitam escolher candidato: 14% segundo o Datafolha.

Até que ponto o voto nulo é uma opção justificável? Que tipo de efeito ele exerce nos resultados da votação? Faz diferença anular ou votar no vencedor? São perguntas que, mais que nunca, precisam ser respondidas.

As características do sistema de apuração brasileiro deixam o eleitor insatisfeito com todos os candidatos uma gama reduzida de opções. Do ponto de vista prático, não há diferença entre votar nulo, em branco ou deixar de votar.

Isso acontece porque a lei eleitoral considera válido apenas o voto dado a um dos candidatos. Como a vitória é dada àquele que obtém mais de 50% dos votos válidos, as três atitudes (anular, votar branco ou nulo) têm exatamente o mesmo efeito: reduzir em 1 o número de votos válidos.

Quem está na frente continua na frente, quem está atrás continua atrás, exatamente nas mesmas proporções que antes do voto. O voto nulo, branco ou a ausência em nada mudam o resultado. Quer dizer que equivale a votar em quem está no primeiro lugar?

Não. Basta um exemplo simples para entender por quê. Imagine uma eleição com 100 eleitores, em que 99 deles já votaram: 50 escolheram o candidato A; 49, o B. O voto nulo dá vitória a A, com 50 dos 99 votos válidos, ou 50,5%. Votar em A lhe dá 51% dos válidos.

Embora favoreça quem está na frente, o voto nulo tem um peso menor do que um voto nesse candidato. Nesse exemplo, a diferença equivale a meio ponto percentual. É como se um voto nulo, em branco ou ausência correspondesse a meio voto no líder.

E num eleitorado como o brasileiro, com 147 milhões de eleitores? Suponhamos, para facilitar as contas, que haja por volta de 100 milhões de votos válidos. Qual a diferença entre votar no líder e em branco, nulo ou ausentar-se?

Repentido o raciocínio acima, suponha que, de 99.999.999 de votos válidos, 50.000.000 foram no líder, e 49.999.999 no concorrente. Um voto nulo dá a vitória ao líder com 50,00000005% dos votos válidos. Um voto no líder lhe dá a vitória por 50,0000001%. Um voto no concorrente deixa a eleição empatada em 50%.

Nesse caso, a diferença é ínfima, de 0,00000005 ponto percentual. Mesmo assim, o voto no líder tem aproximadamente o dobro da força de um voto nulo, na ampliação da margem de vitória sobre o concorrente.

O correto, portanto, seria dizer que um voto nulo equivale a meio voto em quem está na frente nesse caso, já que seriam necessários dois votos nulos para ele chegar a uma margem parecida, de 50,0000001% (os 50.000.000 seriam divididos por 99.999.998 válidos).

Isso acontece porque o voto válido aumenta em uma unidade tanto o numerador quanto o denominador usados para calcular o percentual de votos. O voto nulo não aumenta nenhum dos dois. Noutras situações, a relação entre a força dos votos não seria exatamente a mesma, mas sempre o voto nulo seria mais fraco que o voto expresso ao candidato na liderança.

De posse desses cálculos, é possível tomar uma decisão mais informada. Quando se está convicto de que uma das opções é mesmo melhor que a outra, deve-se votar nela. Quando uma delas é mesmo pior que a outra, deve-se votar na outra.

Quando se consideram as duas exatamente equivalentes, o voto branco, nulo ou a ausência equivale a meio voto para cada uma. Favorecerá o candidato que estiver na frente, pois não mudará a situação eleitoral. Mas em menor intensidade do que um voto válido nele.

Sistemas eleitorais distintos teriam resultados distintos. Se votos brancos fossem considerados válidos, como foram por muito tempo, uma alta quantidade de brancos levaria a nova eleição. No exemplo acima, votar em branco impediria a vitória do líder, a quem faltaria um para vencer.

Outra ideia em circulação nos meios acadêmicos é seguir uma regra inspirada nos trabalhos do matemático francês Marquês de Condorcet. Em vez de fazer uma eleição em dois turnos, o eleitor escolheria não apenas seu candidato preferido, mas também o segundo, às vezes terceiro lugar. Cada escolha corresponderia a um determinado número de pontos. Venceria quem somasse mais. Condorcet mostrou que nem sempre esse tipo de regra produz um vencedor.

O economista Kenneth Arrow demonstrou ser impossível criar uma regra desse tipo que sempre produza vencedor. Mas é possível cercá-la de cuidados para que essas situações sejam raras (um sistema que anda em voga é conhecido por contagem de Borda). Regras assim costumam ser adotados em várias eleições de âmbito mais restrito pelo mundo.

Métodos baseados nas eleições à Condorcet teriam a qualidade de satisfazer de modo mais equilibrado à vontade da média da população e evitariam situações de polarização como a que vivemos. Dentro do nosso sistema eleitoral, porém, os únicos recursos de que dispõe o eleitor insatisfeito – todos eles equivalentes na prática – são votar nulo, em branco ou ausentar-se.

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