Trending
Publicidade

Por Olívia Silveira


Lembra do filme "Dormindo com o Inimigo", com a Julia Roberts? (Foto: Divulgação) — Foto: Glamour
Lembra do filme "Dormindo com o Inimigo", com a Julia Roberts? (Foto: Divulgação) — Foto: Glamour

Não se falou de outra coisa no dia seguinte ao Enem, o Exame Nacional do Ensino Médio: o tema da redação, que foi "A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira". Aí os mais desavisados e inocentes falam: “legal, é bom pôr esse assunto pros jovens entenderem e discutirem mesmo”. Só que não foi bem assim. O que se viu foi um festival de adolescentes falando mal do tema, dizendo que isso era coisa de feminista raivosa. Agora deem uma olhadinha básica nos últimos dados sobre a violência contra a mulher e depois diz se o assunto merece atenção ou não.

Os números do Mapa da Violência contra mulheres de 2015, que acaba de sair, não são motivo de orgulho. Ao contrário dos homens, elas são mortas na maioria das vezes por parentes, companheiros e ex-companheiros. E quase um terço dos homicídios acontece dentro da casa da vítima, um lugar em que elas deveriam se sentir protegidas. Outro estudo recente, do Senado Federal, apontou que 49% da violência doméstica é cometida pelo marido. Mas por que, se por um lado a discussão sobre a discriminação de gênero está tão quente, por outro parece que a gente não deu nenhum passo em direção à igualdade? A resposta vem em grande parte dessa reação dos estudantes à redação do Enem. Não está se ensinando pras crianças que homem e mulher têm os mesmos direitos. Seja em casa, na escola ou na mídia, a mulher aqui no Brasil continua sendo vista como um ser inferior que, se não seguir as regras masculinas, merece ser punida. “A violência contra as mulheres, também chamada de violência de gênero, ocorre nesse contexto de relação de poder e dominação do homem sobre a mulher. Para prevenir, é preciso cultivar a igualdade de gênero em todos os meios sociais e educar os meninos para valorizarem as mulheres e meninas como seres humanos iguais a eles”, acredita Giane Boselli, coordenadora técnica do projeto Municípios Seguros e Livres de Violência contra as Mulheres.


De todo tipo
Quando a gente fala em homicídio, o problema é mais dramático, mas podemos falar também sobre a violência psicológica, que não é menos violenta por não chegar às vias de fato. As mulheres vêm sofrendo cada vez mais com esse tipo de violência dentro de casa. Foi de 38% em 2013 pra 48% em 2015, de acordo com a pesquisa do Senado. No topo dos atendimentos feitos pelos SUS, depois da violência física e da psicológica, vem a sexual, que é sofrida mais por crianças e adolescentes. “Infelizmente, cada vez que o estado avança nas políticas públicas e legislações, o machismo dá respostas mais bárbaras. Mas é preciso que continuemos na elaboração e incentivo de políticas públicas e mecanismos para que estas mulheres em situação de violência consigam superar este problema”, diz Ane Cruz, coordenadora geral da Central de Atendimento à Mulher Ligue 180.


Denúncia e punição
Apesar de termos a impressão de que as mulheres guardam pra si as agressões, apenas 21% não procuram algum tipo de ajuda. Os dados do Senado mostram que 20% buscaram apoio da família, 17% formalizaram denúncia em delegacia comum e 11% denunciaram em delegacias da mulher. Essas que não fazem nada têm motivos justificáveis, como medo de vingança, dependência financeira e vínculo emocional. A denúncia é fundamental, mas só é feita quando se acredita que vai haver punição. “É preciso crer na eficiência dos serviços, acreditar que a denúncia não será em vão e que os órgãos públicos irão dar respostas”, afirma Ane. Toda a rede de apoio também precisa funcionar bem. Pra começar, família e sociedade não pode colocar a culpa na vítima, como acontece bem mais do que a gente imagina. Depois, delegacias com profissionais capacitados, casas de abrigo, justiça e apoio psicológico têm que estar à disposição dessas mulheres.


É inacreditável, mas até 2006, ou seja, há menos de dez anos, a punição contra os agressores era insignificante. Só com a Lei Maria da Penha é que essa situação começou a mudar. “A pena era apenas o pagamento de uma cesta básica para os casos de violência física sem extrema gravidade, ameaça e violência psicológica. Os agressores riam da justiça e das mulheres”, lembra Giane. A lei proibiu esse tipo de penalidade, além de propor a instituição dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar. Os principais tipos penais relacionados à violência doméstica deixaram de ser considerados crimes de menor potencial ofensivo e passaram a ser julgados nesses Juizados ou na Justiça Comum. “No entanto, particularmente, ainda acho as penas muito brandas no Brasil. Raramente um homem que agride a companheira vai preso ou passa um tempo considerável na prisão. Nos Estados Unidos, vemos casos em que um episódio de violência doméstica física contra a parceira gera uma pena de sete anos de prisão”, analisa Giane. O Brasil avançou, mas ainda engatinha quando se compara com países desenvolvidos.


Reeducação dos agressores
Um caminho polêmico vem ganhando espaço em vários pontos do Brasil. Em vez de apenas punir os agressores, iniciativas oficiais e ONGs vêm investindo em reeducá-los. Através de acompanhamento psicológico, os agressores percebem que o que fizeram (ou faziam) é errado, diminuindo o número de reincidência. Um exemplo desse trabalho é a ONG Coletivo Feminista, de São Paulo, que há 30 anos atua em direitos das mulheres. “Enquanto o Brasil não se conscientizar que o caminho da prevenção é trabalhar com meninos e homens, a violência contra as mulheres continuará com índices alarmantes”, profetiza Giane.

Mais recente Próxima Mulher diz que amamentar é "coisa de pobre" em post no Facebook
Mais de Glamour