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Nelson Rocha e Bruno Sobral

O paradoxo da economia fluminense

Estado do Rio não se alinha aos indicadores nacionais, sejam bons ou ruins

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Nelson Rocha

Secretário de estado de Fazenda do Rio de Janeiro

Bruno Sobral

Subsecretário de Política Fiscal do estado do Rio de Janeiro

O estado do Rio de Janeiro mimetiza uma espécie de síndrome de Sísifo em seu endividamento crônico. As sucessivas rolagens da dívida pública —hoje em R$ 172 bilhões— produzem o paradoxo de se negociar soluções para retorno ao ponto de partida anos depois. Ou, pior, retroceder a estágio ainda mais grave. Atribuir esse fenômeno a eventuais erros de gestão ou à má-fé de governantes é explicação precária. Mitos precisam ser desfeitos, e novas abordagens lançadas ao debate.

A nossa crise fiscal não é consequência apenas de gastos excessivos. Cortes já ocorreram e outros devem ser feitos. Na área de pessoal, principal despesa, por exemplo, houve redução real de 7,4% de 2018 para 2020, enquanto o crescimento mediano nacional, no mesmo período, foi de 2,83%. Mais: entre 2013 e 2016 ocorreu queda real de 17,4% nas despesas gerais. Os números mostram evolução, mas insuficientes ao equilíbrio por causa das receitas desfavoráveis.

Ao ampliar o diagnóstico, identificamos uma especificidade em nosso estado: a tendência ao que podemos chamar, ilustrativamente, de estrutura produtiva oca. Como um dos epicentros da desindustrialização nacional, o cerne do problema é superar desafios estruturais: economias regionais não consolidadas nem integradas, rede urbana ainda limitada e complexos logístico-produtivos não desenvolvidos.

Esse cenário de fragilidade emerge em indicadores nacionais: entre 2002 e 2014, ou seja, antes da crise fluminense, o estado não conseguiu ampliar a participação no PIB do Brasil, oscilando entre 11,6% e 12,4%. Some-se a isso o desemprego bem maior nos anos mais recentes. De 2014 a 2019, a variação negativa de empregos formais foi quase três vezes superior à média nacional: respectivamente, -13,05% e -4,1%. Esse quadro indica um padrão de vulnerabilidade sistêmica: quando o Brasil vai bem, o estado do Rio vai menos bem. Quando o Brasil vai mal, trilhamos piores caminhos.

A solução rigorosa para superar essa estrutura produtiva oca rumo a uma sólida estrutura é clara: combinar ajustes com atos que fortaleçam as missões da administração estadual somados às políticas de emprego e de renda em território fértil à geração de riquezas. Apostar em receitas a partir de encadeamento produtivo deve ser prioridade. Coesão econômica entre as regiões, aportes de projetos efetivos e resgate de um banco de dados de vanguarda. Enfim, atualização do planejamento estratégico ancorado na análise microeconômica e na contabilidade social que permita conhecer os reais fluxos de bens e serviços.

Não basta tratar a gestão de crise estadual como a administração de passivos. É preciso um plano integrado que considere as perspectivas setorial e espacial e em condições de criar real adensamento produtivo. Investir em ilhas de geração de emprego e renda sem interação entre si, nunca mais. É hora de mudar a lente por meio da qual se vê o estado do Rio, saindo da visão microscópica de olhar potenciais isolados de vocações econômicas.

O alívio de caixa após o início do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), em 2017, não pode ser visto como fim em si mesmo sem mudanças na origem dessa debilidade estrutural. Com a adesão ao novo RRF, a prioridade deve ser conciliar ajustes fiscais e investimentos orgânicos. De nada adiantará ter prestações menores da dívida durante uma década sem vislumbrar algum crescimento no horizonte. Reforçar a arrecadação, em consequência, mostra-se urgente ao analisarmos o ICMS dos últimos anos. Em valores reais, o total recolhido caiu de R$ 44,7 bilhões, em 2013, para R$ 38,6 bilhões, no ano passado. O imposto responde por cerca de 73% da arrecadação tributária.

O estado do Rio já sacrificou demais o seu futuro. O desafio agora é expurgar esse erro enquanto busca acertar as contas do passado, ao mesmo tempo em que recupera a economia. O novo RRF, desde que ancorado nessa visão inovadora, abrirá a janela de oportunidade para colocarmos a imensa pedra do endividamento em lugar seguro. A imagem do castigo de Sísifo, então, poderá ser definitivamente superada.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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