Num momento em que o Brasil tem na Presidência da República um entusiasta da ditadura militar, convém repetir o óbvio: o regime que se iniciou em 1964 e terminou em 1985 merece não elogios, mas a repulsa de todo cidadão minimamente informado sobre o período.
Aqueles foram anos de violência geral contra a população, proibida até de exercer o simples direito ao autogoverno. Também foram anos de violência específica contra os opositores, perseguidos e não raro seviciados por denunciarem o abuso instalado no país.
Violência, por fim, praticada contra agentes de Estado e meros apoiadores do governo selecionados como alvo de militantes dispostos a pegar em armas para defender o seu modelo de sociedade.
Uma espiral crescente que encontrou seu auge entre 1969 e 1974, quando se intensificou o cerco à guerrilha. Nesse lustro evidenciou-se, mais do que nunca, a assimetria das forças em combate e das responsabilidades pelo clima de guerra que se implantou.
A maior parcela de culpa recai sobre os ombros de quem lançou o país nas sombras do autoritarismo; os crimes mais graves foram cometidos pelos que integraram a máquina de repressão e transformaram o tormento em política clandestina de Estado.
Quando a mão de ferro enfim começou a se abrir, os principais setores da sociedade se movimentavam num tabuleiro complicado. Embora buscassem a punição dos agentes do Estado envolvidos em crimes políticos, logo perceberam que seria mais célere e menos doloroso aceitar uma anistia irrestrita.
Editada em 1979 —ainda na ditadura, portanto—, a lei beneficiou não só os guerrilheiros que recorreram à luta armada mas também os militares que sequestraram, torturaram e mataram.
Nas quatro décadas que se seguiram, nunca faltaram críticos àquele acordo. E, de fato, pela ótica humanitária, a solução encontrada passou longe de ser a melhor. Mas foi a solução possível.
Solução referendada posteriormente pelo Congresso constituinte que produziu a Carta em vigor desde 1988 e reafirmada pelo Supremo Tribunal Federal em 2010.
Passou da hora de cessarem os questionamentos à Lei da Anistia. Se não pelo reconhecimento de que órgãos democráticos já reiteraram sua validade, ao menos porque foi esse acordo que permitiu à sociedade retomar a confiança na solução pacífica das divergências.
A anistia irrestrita é um dos pilares da nossa democracia. Impõe-se mantê-lo de pé, sobretudo quando ganham terreno forças abjetas interessadas em contaminar o espaço público, fomentar o desrespeito às regras comuns e retomar a violência como meio de impor ideias.
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