Dia #28 – Barcelona – Sexta, 10 de abril. Cena: Ay ay ay, mamá.
Nada como um fim de semana de Páscoa com novas e incríveis aventuras (lembrei agora dos anúncios de filmes da Sessão da Tarde —velhotes da geração xennial como eu entenderão).
Cosmicamente sincronizado com o anúncio de liberação de ajuda econômica do Eurogrupo, que acaba de destinar fundos de mais de 500 bilhões de euros (cerca de R$ 2,9 trilhões) para resgate de países do bloco, o governo espanhol determinou a volta às atividades econômicas "não essenciais" na próxima segunda-feira.
![](https://f.i.uol.com.br/fotografia/2020/04/10/15865411155e90b23bc661e_1586541115_3x2_md.jpg)
Até o momento, a Espanha seguia à risca a determinação de manter apenas as atividades consideradas vitais durante a crise, relacionadas principalmente a saúde, segurança e produção e distribuição de bens essenciais.
Em miúdos, a partir de segunda poderão retomar suas atividades empresas e setores produtivos que permanecem parados há 15 dias, desde a primeira prorrogação do estado de alarme, em 30 de março. O período de paralisação total coincidiu com os dias mais dramáticos da epidemia no país.
A nova medida foi tomada à revelia do conselho de especialistas da crise e trepida sem muita harmonia com a afirmação desta sexta (10) do ministro da Saúde, Salvador Illa, em entrevista coletiva no Palácio de Moncloa, em Madri: "Não estamos na fase de desescalada, seguimos em fase de confinamento, em uma fase muito dura da enfermidade".
Essa turminha do barulho está armando uma tremenda confusão.
Pra começar, em minha casa. No sofá, hora do almoço, vendo o 3.487° noticiário do dia (a gente tenta circular por diferentes fontes): "Ei, isso quer dizer que eu volto a trabalhar?". "E os dentistas?" "E eu, sou não essencial?"
Segundo Illa, os dados oficiais mostram uma diminuição na evolução dos contágios. De 38% em média até 22 de março, passaram a 9% nos primeiros dez dias de abril.
Mas, afirmou, a epidemia continua numa fase crítica, e o confinamento é essencial. "Podemos sair à rua para trabalhar, adquirir alimentos ou medicamentos —e nada mais", disse. "É absolutamente necessário que seja assim, e falta muito esforço adicional para os próximos dias."
O ministério vai distribuir um guia de "boas práticas" à população ao longo do fim de semana de Páscoa. É uma das primeiras ações preparatórias para o que Illa mesmo denominou de "nova normalidade".
(Pressinto o nascimento iminente de uma nova família de hashtags.)
Entre as recomendações, além das medidas de higiene, muita ênfase no distanciamento social em transportes públicos e locais de trabalho, sugestões de escalonamento de turnos e conselhos para os que apresentem sintomas.
Máscaras descartáveis começarão a ser distribuídas a partir de segunda-feira em lugares de circulação massiva de gente, como estações de metrô e ônibus. Não se especificou quantas nem onde.
Na prática, a retomada gradual de algumas atividades econômicas responde a anseios de diferentes setores, políticos e sociais, e significa a volta ao estado de alarme em seu primeiro momento —nada mais. Não inclui escolas, comércio ou ócio, e segue privilegiando, sempre que possível, o trabalho remoto.
Segundo especialistas, os impactos das mudanças serão refletidos estatisticamente em aproximadamente duas semanas.
Diferentes fontes concordam que o início do fim do confinamento pode estar próximo, em meados de maio (ainda assim, vejam bem, estamos falando de um total de dois meses de confinamento restrito da população). Já a tal Volta à Normalidade, porém, poderia acontecer dentro de até um ano.
Já imagino a gente indo ao Primavera Sound (um dos principais festivais de música da Europa, que costuma acontecer em Barcelona em junho e foi adiado para agosto —por enquanto): multidões fantasmagóricas com máscaras e guardando distância de 1,5 metro. Um revival do "Another Brick In the Wall", do Pink Floyd, em que os rostos estão cobertos, e o mundo coletivo é uma distopia árida, ordenada e supervigiada. Etcetera. Vai ser uma aventura da pesada, ou de outro mundo. O Novo Normalizado Mundo Pós-Vírus.
“Músicas para Quarentenas” podem ser escutadas aqui.
DIÁRIO DE CONFINAMENTO
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Dia 1: 'Não estamos de férias, mas em estado de alarme'
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Dia 2: 'Teste, só para pacientes internados'
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Dia 3: 'A vida vista de cima'
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Dia 4: 'Panelaço contra o rei'
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Dia 5: 'O perigo mora em casa'
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Dia 6: 'Solidariedade em tempos de vírus'
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Dia 7: 'O lado utópico da crise'
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Dia 8: 'O canto dos pássaros urbanos'
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Dia 9: 'Os de baixo ficam sem banquete'
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Dia 10: 'Essa desproteção vai cobrar fatura'
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Dia 11: 'Se não estamos no pico, estamos muito próximos'
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Dia 12: 'Tensão cresce em diferentes setores'
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Dia 13: 'Único tratamento agora é a disciplina'
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Dia 14: 'Os domingos são como segundas, e as segundas como domingos'
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Dia 15: 'Cada incursão ao exterior é uma operação de guerra'
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Dia 16: 'Começam a proliferar os vigilantes da lei entre os cidadãos'
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Dia 17: 'Tem chovido muito nestes dias em Barcelona'
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Dia 18: 'Tem chovido muito nestes dias em Barcelona'
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Dia 19: 'A vida vai registrando uma sucessão de recordes negativos'
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Dia 20: 'Come chocolates, pequena'
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Dia 21: 'Com avanço da crise, aumentam a tensão e as divergências'
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Dia 22: 'Separados por confinamento, casais marcam encontro no supermercado'
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Dia 23: 'Independentemente da duração, todos sabemos o que é uma quarentena'
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Dia 24: 'A manhã começou com um tutorial japonês maravilhoso sobre tofu'
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Dia 25: 'Espanha testará 30 mil famílias'
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Dia 26: 'Hoje deu vontade de ver o mar'
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Dia 27: 'Perspectiva é de que quarentena tenha prorrogação-da-prorrogação'
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Dia 28: 'E eu, sou não-essencial?'
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Dia 29: 'Qual é a importância das pequenas coisas?'
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Dia 30: 'Após um mês, os espanhóis (alguns) voltam às ruas'
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Dia 31: 'Não há ninguém para colher cerejas'
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Dia 32: 'Queremos pedir que você busque outra casa'
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Dia 33: 'Sobre política e pardais'
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Dia 34: 'As mandíbulas de Salvador Dalí'
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Dia 35: 'Escola, só no ano que vem'
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Dia 36: 'A Nova Normalidade'
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Dia 37: 'A dor é temporária; o orgulho é para sempre'
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Dia 38: 'O início da reconstrução'
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Dia 39: 'O elaborado ritual do passeio em família'
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Dia 40: 'A cidade mascarada'
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Dia 41: 'Um Dia dos Namorados diferente'
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Dia 42: 'Sair, sim, mas com separação de brinquedos'
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Dia 43: 'Tínhamos que tomar decisões duras e rápidas'
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Dia 44: 'A cidade das crianças'
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Dia 45: 'Isso não acabou'
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Dia 46: 'Quatro etapas para o verão'
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Dia 47: 'As piedras no caminho'
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Dia 48: 'O jeito luso'
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Dia 49: 'As novas regras do rolê'
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Dia 50: 'Sobre crânios e crises'
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Dia 51: 'Um dia inesquecível'
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Dia 52: 'Começa o descofinamento'
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Dia 53: 'O comandante e as ovelhas'
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Dia 54: 'Confinados por um fio'
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Dia 55: 'O calor e o jogo do contente'
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Dia 56: 'A Barcelona de mil caras'
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Dia 57: 'Redescobrindo o amor'
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Dia 58: 'Espanha avança pela metade'
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Dia 59: 'O voo da discórdia'
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Dia 60: 'O ano que não houve'
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Dia 61: 'Passando de fase'
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Dia 62: 'Sobre manifestações e cabeleireiros'
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Dia 63: 'San Isidro com flores e máscaras'
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Dia 64: 'Dá medo, medinho, medaço'
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Dia 65: 'Máscaras e luvas jogadas na rua'
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Dia 66: 'Quentinhas de luxo'
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Dia 67: 'Brasil para espanhol ver'
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Dia 68: 'Parecia Copacabana'
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Dia 69: 'O passinho do lagarto'
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Dia 70: 'As pessoas meio que gritam entre si'
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Dia 71: 'O augúrio chinês'
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Dia 72: 'Estamos enlouquecendo?'
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Dia 73: 'Nazaré confusa e fila pra cerveja'
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Dia 74: 'Enquanto julho não vem'
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Dia 75: 'Contemplemos, meditemos, recordemos'
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Dia 76: 'A fábula do terrorista e da marquesa'
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Dia 77: 'O informe da discórdia'
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Dia 78: 'Lições da cólera em tempos de coronavírus'
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Dia 79: 'Nos deram um pouco de liberdade e agimos como se o vírus não existisse'
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Dia 80: 'Sem pressa, mas sem pausa'
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Dia 81: 'Botellones, a nova discoteca pós-Covid'
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Dia 82: 'Pandemia, crise e racismo'
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Dia 83: 'Sair da UTI para ver o mar'
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Dia 84: 'A senhora deu positivo e deve se isolar imediatamente'
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Dia 85: 'A verdade é que é uma incerteza para todos'
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Dia 86: 'A cultura de bar na Espanha é expressiva'
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Dia 87: 'Todo cuidado é pouco e, inclusive, pode não ser suficiente'
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Dia 88: 'O vírus segue sendo uma ameaça'
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Dia 89: 'O fogo que nunca se apaga'
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Dia 90: 'Uma bolha, uma família'
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Dia 91: 'Músicos do mundinho, uni-vos'
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Dia 92: 'Como um clube de jazz dos anos 1930'
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Dia 93: 'Dinheiro pode estar com os dias contados no pós-pandemia espanhol'
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Dia 94: 'Uma vida de mil e uma regrinhas'
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Dia 95: 'Cada dia, ao chegar em casa, me isolava da minha família'
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Dia 96: 'Abraços, mesmo que de plástico'
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Dia 97: 'Em casa com o agressor'
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Dia 98: 'Já vivemos como podemos, e não há mais'
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Dia 99: 'O ídolo pop e as amêndoas'
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