Funcionária da Folha por 4 décadas, Maria Antonia ficou 'viciada' em encontrar erros no jornal
Hoje aposentada, ex-funcionária passou por funções que já não existem mais e viveu enormes mudanças no jornal
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Filha de pai potiguar e de mãe paulistana, quando jovem Maria Antonia de Araujo, 66, dividia com a irmã a leitura da Folha. “Meu pai comprava e trazia, todos os dias, o jornal para casa.”
Depois de mudar da casa onde morou por décadas, no bairro da Penha, em São Paulo, para o atual apartamento no Tatuapé, Maria Antonia lembra quando sua mãe disse: “Sabe, hoje me deu uma saudade de lavar o quintal? Mas já passou”. Não foi a única experiência de mudança e de saudade vivenciada por Maria Antonia, ex-funcionária que trabalhou de 1973 a 2015 na Folha.
Ela esteve presente em várias mudanças pelas quais o jornal passou, como as reformas gráficas, além de testemunhar o ingresso da Folha no mundo digital, com o nascimento da versão online do jornal e do CTG-F (Centro Tecnológico Gráfico-Folha), que em dezembro de 2019 completou 24 anos de existência.
Sobre a saudade, ela é taxativa: “Sinto bastante porque nunca há um dia igual ao outro no jornal, e isso te anima”.
Houve outro trabalho antes da Folha. Na sua carteira profissional, aparece um registro de 1972, de outro empregador, a loja de departamentos Eletroradiobraz. “Ah, mas esse nem considero, fiquei só durante um Natal, como vendedora.”
O ingresso dela na Folha se deu por meio de um curso de treinamento para datilógrafos, que os ensinava também a trabalhar como perfuradores nas fotocompositoras, máquinas então utilizadas na produção do jornal.
“Lembra a máquina de telex? Agora, pensa em uma versão bem mais antiga. Era uma máquina elétrica, em que digitávamos as laudas que vinham da Redação”, conta Maria Antonia que, após 20 dias de curso, foi aprovada e registrada em março de 1973 como funcionária do jornal.
Nessa época, o prédio do jornal, na alameda Barão de Limeira, passava por uma grande reforma: “A Folha foi o primeiro jornal da América Latina a implantar a fotocomposição [tecnologia que permitiu compor eletronicamente as linhas de textos, antes montadas letra a letra com tipos metálicos], e o prédio ainda estava em obras para abrigar as máquinas novas e as pessoas dos novos departamentos. Tinha tapume para tudo o que era lado”.
Maria Antonia recebia os textos “descidos” pelos tubos que interligavam o quarto andar (a Redação) com o terceiro (onde trabalhava) e tinha de digitá-los, sem erros, além de fazê-lo o mais rápido possível.
Foi sob essa condição, durante a ditadura militar, que um de seus colegas de trabalho errou e foi parar na Polícia Federal. “Na pressa, ele digitou: ‘Almirante de esquerda’, em vez de ‘Almirante de esquadra’. Foi chamado para se explicar na Polícia Federal, mas tudo foi esclarecido, após ele afirmar que tinha sido um erro de digitação.”
De funcionária em treinamento, tornou-se, em 1987, treinadora, integrando o time que atuava na Redação, “Virei coordenadora de treinamento durante a implantação do novo sistema com computadores. Treinávamos os jornalistas”, recorda-se ela, que enfrentou forte resistência de muitos profissionais naquele período. Alguns jornalistas pediram demissão, negando-se a abandonar as tradicionais máquinas de escrever.
Após a implantação dos computadores, Maria Antonia passou a trabalhar no suporte de Redação, antes de ser convocada para exercer a função de subchefe da fotocomposição, em 1991. Foi promovida a chefe da fotocomposição dois anos depois.
Em 1997, ela já respondia como gerente industrial do jornal, fazendo o meio de campo entre a Redação e a fotocomposição, antes de se mudar para o CTG-F (Centro Tecnológico Gráfico-Folha), em Santana de Parnaíba, cidade da Grande São Paulo. Lá, em 2012, ela se aposentou, mas continuou a trabalhar por mais três anos, totalizando 42 anos como funcionária da Folha.
Ao longo desse período, viu desaparecer, além de sua primeira função, a do revisor e do paste-up, entre outras. No entanto, não desapareceu de sua memória a cobertura da Folha da morte de Tancredo Neves (1910-1985) e da Guerra do Golfo (1990-1991), além da certeza de que foi no jornal que adquiriu o que chama de seu único “vício”.
“Sempre gostei muito de ler, mas depois que trabalhei na Folha meus olhos ficaram viciados em procurar erros. Hoje não consigo ler sem achar um”, disse Maria Antonia.
Este texto faz parte do projeto Humanos da Folha, que apresenta perfis de profissionais que fizeram história no jornal.
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