Um estudo da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) mostra o quanto o desfecho de um paciente com Covid-19 e outras causas de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) está associado ao local de atendimento. Conduzido pela equipe do professor da FMUSP Paulo Saldiva, o trabalho comparou os dados de internações e de óbitos na cidade de São Paulo entre janeiro de 2020 e novembro de 2021. Os dados serão apresentados nesta quinta-feira (17/2) à Câmara dos Vereadores, durante CPI aberta para apurar a atuação da operadora Prevent Senior durante a pandemia.
Os resultados mostram que, de acordo com o local do atendimento, o risco de morte pode ser expressivamente maior. Para fazer o trabalho, foram analisados dados de hospitais de toda a capital paulista, tanto públicos quanto privados.
O grupo de estudo fez alguns recortes. Destacou hospitais considerados de excelência e instituições públicas de referência para o tratamento de Covid-19, como o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e o Hospital São Paulo, ligado à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Analisou, ainda, dados do Hospital Sancta Maggiore, da operadora Prevent Senior, alvo de investigação durante a Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado Federal, realizada no ano passado. Os pesquisadores analisaram separadamente ainda os registros do Hospital Santa Marcelina, que atende tanto planos quanto o Sistema Único de Saúde.
A pesquisa considerou somente dados públicos e sem identificação de pacientes. Ao todo, foram investigadas 252.376 internações. Desse total, 66% eram de pacientes com Covid-19 e 30%, de Síndrome Respiratória Aguda não especificada. Dos analisados, 34% foram para UTI.
Do universo avaliado, 56% dos pacientes foram atendidos no setor privado. Embora o atendimento no setor público tenha sido em menor proporção (44%), ele respondeu pela maior parte das mortes, o equivalente a 53% do total.
Alguns dados do trabalho se destacam. Na faixa entre 60 a 69 anos, por exemplo, o risco de morte de um paciente internado na UTI do Hospital Sancta Maggiore era 13,41 vezes maior do que uma pessoa internada no Hospital Albert Einstein. Entre os internados em quartos não UTI, o risco foi 13,65 vezes maior.
Nas faixas etárias mais altas, a diferença cai de forma expressiva. Mesmo assim, continua sendo considerável. Por exemplo, entre pacientes com 80 a 89 anos, o risco de morte entre internados na UTI do Sancta Maggiore foi 4,09 vezes maior do que os internados no Hospital Albert Einstein.
“Essa é uma análise de probabilidades. Por exemplo, um paciente com menos de 60 anos, internado na UTI do H. S. Maggiore, teve probabilidade de 50% de morrer por SRAG. Um paciente com a mesma idade internado na UTI do Hospital das Clínicas da FMUSP, ou no Hospital São Paulo, ligado à UNIFESP, ou em hospitais públicos, a probabilidade seria de 40%”, explica a médica Fatima Marinho, consultora sênior da Vital Strategies e professora da Universidade Federal de Minas Gerais, que colaborou o trabalho.
Saldiva avalia que a pesquisa tem um papel fundamental para orientar os serviços. A partir da análise dos resultados, é possível fazer um estudo sobre quais problemas poderiam ser evitados, que medidas podem ser tomadas para que, numa eventual emergência de saúde, erros não sejam repetidos. “Os dados podem ser úteis para aprendermos. Melhorarmos”, disse.
O professor observa que, no período mais crítico da pandemia, unidades de serviço foram abertas sem que houvesse um preparo adequado dos profissionais que atenderiam doentes. “O tratamento não estava resolvido com abertura de leitos, oferta de respiradores.” Com o grande aumento das vagas, houve também a chegada de profissionais que, embora bem intencionados, muitas vezes não estavam familiarizados com as técnicas indispensáveis para cuidar dos pacientes. Saldiva observa que a FMUSP realizou cursos a distância para profissionais que atendiam pacientes nas UTIs. E a prática ajudou a reduzir a mortalidade.
O estudo mostrou ainda um outro fator que chamou a atenção. Nos hospitais de São Paulo, dos 40% de óbitos ocorridos por Covid-19 ou outras causas de SRAG não estavam em UTIs. “Um dado que talvez indique que nem todos os pacientes com indicação tiveram oportunidade de ter o tratamento intensivo”, avalia Marinho.
Procurada, a Prevent Senior afirmou que “não teve acesso ao ‘estudo’, apesar de tê-lo solicitado ao pesquisador Paulo Saldiva, sem que recebesse resposta. Mas afirma que os índices dos hospitais da operadora são melhores que a média estadual, conforme já informado às autoridades”.
Os outros hospitais mencionados não responderam até a publicação desta matéria.
Com reportagem de Arthur Guimarães