• Paola Churchill (@paolachurchill)
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Txai Suruí foi a única brasileira a discursas na COP26 (Foto: Reprodução/Gabriel Uchida)

Txai Suruí foi a única brasileira a discursas na COP26 (Foto: Reprodução/Arquivo)

Quando Txai Suruí, 24 anos, falou na abertura da Conferência do Clima da ONU, a COP26, o mundo parou para ouvir o que ela tinha a dizer. Além ter sido a única brasileira a participar da cerimônia, a indígena de Rondônia dividiu o palco com o secretário-geral da ONU, Antonio Guterrez, e o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson.

Determinada e forte, Txai faz parte dos Povos Suruí em Rondônia. Aprendeu desde cedo sobre a luta dos povos indígenas, com sua mãe, Neidinha, que ela considera a “maior guerreira que já conheceu”, e o seu pai, o cacique Almir Suruí, um dos mais importantes líderes conhecido por sua luta contra o desmatamento na Amazônia.

“Eu cresci indo para reunião, indo para protesto com eles. Eu cresci nesse do movimento mesmo. Então, eu vi os meus pais sendo muito guerreiros, sendo muito combatentes. Lutando, sabe? Pela causa, lutando pelo povo indígena, pelo meu povo. E pelo planeta mesmo. Os dois  sempre falaram muito de sustentabilidade,  da importância de manter a sua terra em pé. A gente tem uma visão de harmonia com a natureza”, explicou.

Assim como disse no discurso, o seu pai a ensinou que ela deveria ouvir as estrelas, a lua, o vento, os animais e as árvores. E além de levar esses ensinamentos, Suruí também levou alguns itens de seu povo, para se lembrar pelo que estava lutando.

“O cocar que eu usei no discurso significa de luta para o meu povo. Eles iam para guerra usando e, então, os meus tios fizeram para mim, quando eu viesse para cá. Porque aqui também é um lugar de luta,  um lugar de muita batalha. Batalha não só pelas terras indígenas, mas pelo planeta. Então eles falaram você tem usar o cocar lá porque esse cocarr é um cocar de luta.  E isso que é o significado dele”, acrescentou.

Txai Suruí foi a única brasileira a discursas na COP26 (Foto: Reprodução/Gabriel Uchida)

Txai Suruí foi a única brasileira a discursas na COP26 (Foto: Reprodução/arquivo pessoal)

Voz para ser ouvida

A jovem relembra em entrevista a Vogue Brasil, que foi uma grande responsabilidade discursar no evento, e que nada disso seria possível sem a ajuda de seus colaboradores do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia, criado por ela, e pelo convite da ativista Paloma Costa.

“Na abertura foi muita responsabilidade estar levando nossa realidade, a invasão, porque antes de vir para cá, eu tava na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, e lá vimos uma grande invasão de cabeças de gados lá. Eu queria trazer também [para a conferência] que estamos lutando com as nossas vidas”, acrescentou a ativista.

E em agosto, ela também corria atrás dos direitos, em Brasília, contra o Marco Temporal, que dificultava as demarcações de terras indígenas, e incentivava as atividades dos garimpeiros. “Essa pauta é tão importante, o movimento esteve presente lá nos protestos, nas duas vezes, em Brasília, nos levamos uma comissão para nos representar, levando nossa pauta, mostrando a força da juventude”, explicou.

E toda sua luta, tem um viés positivo, já que as causas dos povos originários estão ganhando mais destaque. “Recebi mensagens de vários indígenas, que mesmo não sendo do meu povo, estavam falando que se sentiram muito representados, que se sentem muito orgulhosos de mim. Todo mundo me mandando mensagem falando que está muito feliz da representatividade aqui na COP26, e que eu fui a primeira e única indígena a falar no dia, então isso traz uma carga muito grande e feliz”, se orgulhou.

Txai Suruí foi a única brasileira a discursas na COP26 (Foto: Reprodução/Gabriel Uchida)

Txai Suruí foi a única brasileira a discursas na COP26 (Foto: Reprodução/Arquivo pessoal)

Mensagens de ódio

Mas, com toda a mídia, teve seu lado ruim, também. Na última quarta-feira (03.11), depois de seu discurso, o presidente Jair Bolsonaro, fez críticas a militante, enquanto fazia uma viagem turística à Itália.

“Estão reclamando que eu não fui para Glasgow. Levaram uma 'índia' para lá, para substituir o [cacique] Raoni, para atacar o Brasil. Alguém viu algum alemão atacando a energia fóssil da Alemanha? Alguém já viu atacando a França porque lá a legislação ambiental não é nada perto da nossa? Ninguém critica o próprio país. Alguém viu o norte-americano criticando as queimadas lá no estado da Califórnia? É só aqui”, disse Bolsonaro para seus apoiadores.

A fala de Jair acendeu uma onda de haters para as redes sociais da indígena, que revelou estar com a saúde mental “um pouco mal”, por conta desses ataques. Mas, além de estar tomando todas as medidas cabíveis contra essas pessoas, Txai também sabe da importância de ter sua voz ouvida, e não irá desistir. 

“Eu estou recebendo muitas mensagens de ódio, muitas fake news na internet, isso é muito difícil, até pra minha cabeça. Mas, temos parceiros, de ativistas que trabalham com os direitos humanos.Seguimos um protocolo, agora que começou esses ataques, vamos seguir um protocolo de segurança digital, porque isso é um ataque a nossas vidas o que estamos sofrendo. E temos que ter todo o cuidado, eu já perdi um grande amigo, meus pais foram ameaçados diversas vezes, e tenho que tomar muito cuidado”, explicou.

Além dos ataques de ódio, Txai tem recebido também mensagens racistas de alguns internautas, que a acusam de não ser indígena: “Teve uma foto que eu estou com meu companheiro no elevador, em Brasília, e a galera comentando que eu não sou indígena porque  estava usando o elevador, como se eu não tivesse direito de ter um celular, ou viajar. Eu trabalho muito, e eu ganho meu próprio dinheiro, e agora tem um monte de gente me atacando, falando que eu não sou indígena, e ainda tem as mensagens que eu não olho, a minha DM tem mais de 100 mensagens, e muitas eu já vi serem ataques e preferi não olhar, pensando na minha saúde mental, racismo nós que nascemos indígena já passamos, mas a quantidade de mensagem de ódio que eu to recebendo ta sendo um pouco difícil de lidar”, desabafou.

Txai Suruí foi a única brasileira a discursas na COP26 (Foto: Reprodução/Gabriel Uchida)

Txai Suruí foi a única brasileira a discursas na COP26 (Foto: Reprodução/Arquivo pessoal)

Próximos passos

Com o fim da conferência, a jovem irá para a Suécia, para tentar falar com o ministro de lá e conseguir mais parceiros para a causa. Em seguida, ela volta para Rondônia para continuar seus trabalhos com as denúncias e com os outros jovens líderes indígenas.

“A gente não tem apoio do governo, tudo que fazemos é com muita luta. Para estarmos aqui, foi com a ajuda dos nossos parceiros, porque do nosso próprio bolso a gente não tem condição de fazer isso, por mais que eu trabalhe, tudo está caro”, acrescentou.

A rondoniense ainda acrescenta da importância das pessoas apoiarem e entenderam a sua luta, já que não é apenas algo para o seu povo, ou para a Amazônia, mas é um problema para o mundo todo.

“A Amazônia é essencial para o equilíbrio climático. Ela que faz o papel para ajustar o clima, de não deixar que o planeta esquente cada vez mais. As pessoas precisam entender a importância disso, porque o problema não é só na Amazônia que está passando pelas mudanças climáticas”, acrescentou.

“Todo mundo vai ser afetado com a questão climática e que os povos indígenas estão na frente da luta e precisam ser apoiados, porque nós estamos denunciando há muito tempo. Eu estava na terra indígena e está em uma destruição enorme, e não só na minha”, finalizou a ativista.