Conexão Pet

Por Por Sabina Scardua


Ansiedade de separação acontece quando os pets acreditam que não conseguem viver sem o tutor — Foto: ( Pexels/ @maria-3563033/ CreativeCommons)
Ansiedade de separação acontece quando os pets acreditam que não conseguem viver sem o tutor — Foto: ( Pexels/ @maria-3563033/ CreativeCommons)

Seu Pet te ama muito e sua ausência não é certamente a melhor hora do dia para ele. No entanto, existe uma escala de apego para animais, que vai desde “o amor é brasa que aquece o coração”, que seria o vínculo saudável, até “a paixão é fogo que queima e arde” - o super apego ou hipervinculação, que pode levar o animal ao desespero, angústia e aflição. A construção do vínculo afetivo entre humanos e animais é um processo lindo, mas complexo, e muita coisa pode dar errado no meio do caminho, levando aos transtornos de ansiedade e a outros desafios para os bichos.

Ansiedade de separação em animais é considerado o mal do século, um dos distúrbios mais pesquisados nos últimos 40 anos. Apesar do nome autoexplicativo, o diagnóstico não é tão simples. Entender os principais aspectos que diferenciam a ansiedade de separação do fato do animal estar com medo faz toda a diferença, porque as formas de ajudá-lo não são as mesmas.

A ansiedade de separação envolve uma vinculação distorcida, na qual o animal tem como realidade que só dá para viver na presença do tutor. Vários fatores influenciam, não só a criação, o estilo de vida, a genética do animal, mas também a personalidade e o estado emocional do tutor.

Ao longo do tempo, percebo cada vez mais o diagnóstico precipitado da condição do animal como ansiedade de separação, com os sinais de vocalização excessiva, destruição de móveis e objetos, xixi e cocô fora do lugar, quando está sozinho em casa. Podem ter os mesmos comportamentos os animais entediados, os muito jovens que não foram educados, hiperativos, ansiosos de uma forma geral, compulsivos, os que estão com dor ou desconforto e os que têm medo de ficar sozinhos, sem ninguém por perto, não necessariamente o tutor.

Os sinais comuns da ansiedade de separação são a vocalização excessiva, destruição de móveis e objetos, xixi e cocô fora do lugar, quando o pet está sozinho em casa — Foto: ( Unsplash/ Mikhail Vasilyev/ CreativeCommons)
Os sinais comuns da ansiedade de separação são a vocalização excessiva, destruição de móveis e objetos, xixi e cocô fora do lugar, quando o pet está sozinho em casa — Foto: ( Unsplash/ Mikhail Vasilyev/ CreativeCommons)

Alguns animais têm medo de ficar sozinhos porque realmente estão ameaçados energeticamente na casa, que muitas vezes possui muita flutuação energética ou energias mais hostis, como impregnação de raiva e remorso. É preciso olhar a situação como um todo, antes de focar no animal. A casa e a família, como estão?

O medo de ficar sozinho pode vir do pânico atávico, comum aos cães que são muito sociais, também da simples vulnerabilidade, onde há muito barulho no corredor ou na rua, por exemplo. Ainda tem o medo de não ter recursos ou não saber o que fazer, de não ter ajuda quando precisar, de não conseguir se defender de uma possível ameaça, e até mesmo o medo por você, sem saber se você está bem. As emoções mais comumente presentes nos animais que sofrem sozinhos em casa são aflição, preocupação, vazio interno, angústia e frustração por não poder ajudar ou proteger o tutor.

Duas causas muito comuns hoje, em animais que estão apresentando medo na ausência do tutor: 1) aprendeu isso com você, que, por causa da pandemia, teve ou ainda tem medo de sair de casa, então o animal fica com medo “por você”, e, quando você sai de casa, entra em desespero sem saber como ajudar o tutor que está com medo e desprotegido na rua. Neste caso, converse com o pet, trabalhe o seu próprio medo, mostre que está bem e protegida (o). 2) você chega em casa péssima (o), um “caco”, o animal aprende que você sofre demais na rua e, então, quando você se arruma para sair, ele já entra em desespero. Antes de entrar em casa, respire fundo, erga-se, alegre-se mesmo que brevemente, alguém que te ama, talvez o ser que mais te ama neste planeta, está te aguardando. Tente por um minuto, apenas quando entrar, depois pode começar a reclamar. Para o animal, que faz associações muito rápidas, vai ajudar.

Sabina Scardua indica que o tutor respire fundo e alegre-se antes de chegar em casa para o pet que o esperou o dia inteiro — Foto: ( Pexels/ Karolina Grabowska/ CreativeCommons)
Sabina Scardua indica que o tutor respire fundo e alegre-se antes de chegar em casa para o pet que o esperou o dia inteiro — Foto: ( Pexels/ Karolina Grabowska/ CreativeCommons)

Com os animais adquiridos filhotes na pandemia, é comum que não reajam bem à saída do tutor, pois não conheceram outra vida e então se sentirão vulneráveis sozinhos, por puro efeito novidade.

Para os cães, você pode fazer a versão simplificada de um teste, que trará pistas sobre a participação da hiper vinculação e do medo no sofrimento dele sozinho.
Para este teste você vai precisar de:

1. Uma pessoa fora do ciclo familiar do animal, pode ser o porteiro, o vizinho, um amigo, veterinário ou petsitter.

2. Brinquedos novos.

3. Um cômodo fechado.

Como fazer: A pessoa diferente entra em um cômodo da sua casa ou clínica e espalha pelo chão brinquedos novos e diferentes. Caso seja permitido ao animal, também pode espalhar petiscos. Esta pessoa fica de pé no canto oposto ao da porta. A) Você entra com o pet, fecha a porta e deixa ele à vontade enquanto conversa com a pessoa. B) Depois você sai, deixando o pet com a pessoa estranha no cômodo, a pessoa não deve interagir com o animal. C) A pessoa sai e deixa o animal sozinho. D) O estranho volta, faz festinha para o animal, cumprimenta e chama para brincar. E) Você entra no cômodo fazendo da mesma forma quando chega em casa. Cada sessão de A a E dura no máximo um minuto.

Interpretação:

Animal com predisposição a ansiedade de separação: vai ignorar completamente a pessoa e os brinquedos quando o tutor não estiver presente. Ficará olhando para a porta até o tutor voltar. A reação ao tutor na fase E é exagerada.

Animal saudável: cheira ou interage com os brinquedos nas fases B e C, e com o estranho na fase D. A reação na fase E é normal.

Animal que tem medo de ficar sozinho: Não cheira ou interage com os brinquedos, ou o faz brevemente apenas. Olha com frequência para a pessoa participante ou se aproxima dela na fase B e D. A reação na fase E é normal.

Este teste é uma variação do Teste de Situação Estranha (Strange Situation Test) usado no mundo inteiro para testar o vínculo afetivo de crianças de 0 a 5 anos, em caso de tutela, por exemplo. Foi adaptado para cães durante o estudo dos padrões de apego entre cães e tutores, como parte da minha tese de doutorado, e depois foi sendo refinado ao longo de centenas de atendimentos em domicílio. Não tente prever ou adivinhar a reação do pet, faça o teste e veja. A maioria dos tutores se surpreende.

Quando o animal tem predisposição a ansiedade de separação, acaba não interagindo com nada e ninguém sem a presença do tutor — Foto: ( Pexels/ @sam-lion/ CreativeCommons)
Quando o animal tem predisposição a ansiedade de separação, acaba não interagindo com nada e ninguém sem a presença do tutor — Foto: ( Pexels/ @sam-lion/ CreativeCommons)

Alguns animais são mais sensíveis que outros, e simplesmente não toleram estar sozinhos. O que não chega a ser um distúrbio comportamental do animal e sim um problema para o tutor. Neste caso, não pode deixar o pet sozinho em casa. Infelizmente, estamos presos ao paradigma de “é só um animal”, que, portanto, pode ficar sozinho em casa, diferente da criança. A verdade é que o animal não é muito diferente da criança do ponto de vista emocional, e, portanto, deveria haver a mesma preocupação na ausência, ao menos para alguns deles. Estudos mostram que o período emocionalmente seguro para o cão ficar sozinho em casa é de 4 horas.

Para o animal com predisposição a ansiedade de separação, nada mais importa: outras pessoas, outros animais, brinquedos, comida, passeios, uma borboleta que entra voando. Nada. O tutor precisa estar próximo para ele interagir com o ambiente. O animal que tem medo de ficar sozinho aceita estímulos, mesmo que menos entusiasmado. Ele se sente mais protegido com outra pessoa, e consegue dormir, comer. Não estar superfeliz na ausência do tutor é natural. Não viver na ausência do tutor, não. E isso não significa que amam demais somente, significa que algo não foi processado de forma saudável neste relacionamento.

São graus variados destas ocorrências, tanto a ansiedade de separação, quanto o medo de ficar sozinho. Não espere seu animal desenvolver os sinais clássicos, em um grau alarmante, que os vizinhos ou o sofá irão mostrar. Observe, questione, reflita. Instale uma câmera. Animais que não latem e não destroem nada não significa que não estão sofrendo sozinhos.

Para animais que sofrem com ansiedade de separação, é indicado procurar terapia comportamental e deixar o bicho na companhia de alguém durante o dia ou em uma creche — Foto: ( Pexels/ @introspectivedsgn/ CreativeCommons)
Para animais que sofrem com ansiedade de separação, é indicado procurar terapia comportamental e deixar o bicho na companhia de alguém durante o dia ou em uma creche — Foto: ( Pexels/ @introspectivedsgn/ CreativeCommons)

Prevenir ou tratar algo que está mais brando é sempre muito mais fácil que tratar algo avançado, onde muitas vezes já deflagrou um estado de estresse crônico tão exacerbado que o animal já apresenta algumas questões físicas, como alergias, colites, gastrites, dermatites, otites e por aí vai, um monte de ‘ites’ que vêm das cascatas fisiológicas e imunológicas superativadas. Daí o foco fica no físico e as questões mais profundas nunca são olhadas.

Outro animal para ele não ficar sozinho resolve? Na maioria das vezes não. Confinar o animal em um cômodo da casa resolve? Só para você, se o foco está nos móveis e não no animal. Um brinquedo para morder resolve? Só isso geralmente não. A abordagem deve ser completa. É preciso terapia comportamental para treinar a independência, com cuidado e respeito para manter o vínculo ainda forte. Para o medo de estar sozinho, a creche ou uma tarde na casa da avó ou de um amigo podem ajudar bastante.

Certifique-se de que o emocional, o mental e o energético estão sendo contemplados. Se o caso for sério, não hesite em buscar um profissional preparado. Respeitar, acolher e então partir para a cura do animal e da situação. É um estado do animal, com sofrimento, que precisa de ajuda. Não vamos simplificar os animais, são seres complexos, mas que devem estar equilibrados para serem quem realmente são e vibrarem na potência do amor, força, alegria, sabedoria, calma ou delicadeza, dependendo de cada ser.

Se você sente que seu pet não fica bem em casa, não se sinta culpada (o), peça ajuda. Se tem dúvida, investigue. Movimente-se a favor dele. Ele merece.

A médica-veterinária Sabina Scardua é colunista do Vida de Bicho — Foto: ( Arquivo pessoal/ Sabina Scardua)
A médica-veterinária Sabina Scardua é colunista do Vida de Bicho — Foto: ( Arquivo pessoal/ Sabina Scardua)

Sabina Scardua é médica-veterinária com doutorado em comportamento animal. Atua com Reiki em animais desde 2016 e está à frente do Reiki Pet Rio (@reikipetrio).

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