O Brasil passa por uma transição importante, com o setor público reduzindo significativamente a sua presença na economia. Essa mudança, que parece duradoura, deve levar a um equilíbrio marcado por juros bem mais baixos. Um novo ciclo de corte da Selic, aliás, tende a começar no segundo semestre, possivelmente já na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), a ser realizada no fim de julho. A combinação de economia fraca e inflação baixa abre espaço para a queda da taxa, segundo boa parte dos analistas.
O economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato, diz que o Brasil vive uma mudança expressiva na política fiscal, iniciada, segundo ele, com o teto de gastos – o mecanismo que limita o crescimento dos gastos não financeiros do governo federal à inflação do ano anterior.
Em relatório, ele lembra que essas despesas cresceram em média 6% acima da inflação entre 1998 a 2015. Na média de 2016 a 2019, a expectativa do Bradesco é que elas encolham 0,2% em termos reais (descontada a inflação).
Segundo Honorato, “desde o começo desse processo, vários economistas chamaram a atenção para o fim do efeito 'crowding-out', a situação em que o governo ‘expulsa’ o setor privado da economia ao ser o principal tomador de crédito”.
Para dar uma ideia do tamanho do espaço ocupado pelo setor público brasileiro, ele cita números do Banco das Compensações Internacionais (BIS na sigla em inglês, uma espécie de banco central dos bancos centrais).
“Enquanto o crédito concedido ao governo nos países emergentes é de 48% do PIB, no Brasil ele é de 65%”, diz ele, referindo-se aos recursos bancários e do mercado de capitais. “A contrapartida desse excesso de dívida do governo é um crédito ao setor privado muito reduzido no Brasil: cerca de 70% do PIB contra 135% do PIB nos emergentes.” Os números são de dezembro de 2018.
A mudança na atuação de um setor público que aumentava gastos com voracidade e com grande peso na economia teve um impacto forte sobre a atividade, mais importante do que muitos imaginavam. No caso brasileiro, esperava-se que, “quando a política fiscal revertesse sua trajetória de expansão, as quedas dos juros e do risco país mais do que compensariam a saída de cena do gasto público”, diz Honorato. “Mas não é o que temos observado até o momento.”
Público X Privado
Honorato lembra que o consumo do governo equivale a cerca de 20% do PIB, mas observa que “as interações entre os setores público e privado no Brasil se expandiram muito além daquilo que o peso do governo no PIB indica”.
Os bancos públicos foram responsáveis por um pouco mais de 55% do crédito bancário há alguns anos – hoje, essas instituição respondem pela metade. “O setor de óleo e gás tem enorme presença estatal, assim como o de energia elétrica. Setores como o de construção residencial tiveram grande influência do programa Minha Casa Minha Vida”, diz ele.
Na educação, programas como o Financiamento Estudantil (Fies) tiveram influência importante na demanda das instituições de ensino, destaca Honorato. “No âmbito dos investimentos, sem recursos para gastar, governos locais e o próprio governo federal levam a uma paralisia nas obras de infraestrutura.”
Com a perda de força da economia ao longo dos últimos meses, “a constatação óbvia é a de que o ‘fiscal drag’ [a contração fiscal] tem sido muito maior no Brasil do que imaginávamos, explicando uma parcela importante da frustração com o crescimento”, aponta Honorato.
O economista diz que não há espaço para a volta do gasto público, num cenário marcado por grandes déficits e pela trajetória crescente da dívida pública. “O excesso de gastos nos últimos anos gerou má alocação de capital, dívida crescente e está por trás da recessão que vivemos, com a piora de risco e confiança.”
Para Honorato, a identificação do forte peso negativo da contração fiscal sobre a economia “tem implicações em três dimensões”. A primeira se refere à expectativa de aceleração do crescimento. “Tudo indica que a resposta será lenta, como foi nos países desenvolvidos nas crises de 2008 e 2011. Disso também decorre que os riscos para a inflação são limitados.”
Reformas urgentes
Outro ponto é que reformas para melhorar o ambiente de negócios e reduzir a incerteza política e econômica “passam a ser ainda mais vitais e urgentes para criar as condições para o setor privado investir e, assim, compensar a demanda deixada para trás pelo governo”. Segundo ele, as privatizações também são bem-vindas, porque podem ajudar a criar alguma demanda.
A terceira implicação é quanto aos juros de equilíbrio. “Quando o governo sai de cena, a variável que se ajusta para estimular a demanda privada é a taxa de juros. Foi assim no mundo durante a consolidação fiscal dos últimos anos (...) e será assim no Brasil, enquanto a ociosidade permitir projeções de inflação abaixo do centro da meta”, escreve Honorato.
“Os juros cairão até produzir o estímulo econômico necessário para a inflação ficar no centro da meta. Esse processo já está em curso nas taxas de mercado e tem tudo para chegar à taxa básica nos próximos meses.”
Se não houver um revés grave no andamento da reforma da Previdência, tudo indica que o Banco Central (BC) cortará os juros no segundo semestre. O Bradesco vê a Selic, hoje em 6,5% ao ano, em 5,75% em dezembro.
Mas há quem projete reduções mais expressivas ao longo do ano – o Itaú Unibanco, por exemplo, espera que os juros básicos atinjam 5% no fim de 2019. A mudança na atuação do setor público, desse modo, deverá levar a um cenário de juros estruturalmente mais baixos.