O mercado de capitais funciona como um canal que liga quem tem recursos sobrando a quem precisa de recursos para investimentos. Quanto mais largo esse canal (ou o diâmetro da tubulação), maior o volume de recursos, mas rápido o país se desenvolverá e, portanto, mais barato será o custo de capital, induzindo um ciclo virtuoso de desenvolvimento.
O papel do mercado de capitais é muito mal compreendido, inclusive pela elite que se beneficia dele. O papel de canalizador de recursos geralmente não é enfatizado, e prevalece aquela a imagem de especulação, como se essa fosse a única face da moeda ou como se fosse efetivamente nociva, mesmo sendo o contrário.
Os países desenvolvidos sempre oferecem um mercado de capitais desenvolvido, pois o papel especulativo do mercado acaba sendo secundário frente a seu papel principal de ofertante de recursos para investimentos a custos menores.
Governos mais responsáveis geram confiança nos agentes que investem e que procuram financiar-se por meio desses mercados. Um governo que tem contas equilibradas pode tomar emprestado do mercado a taxas mais baixas e permanecer solvente. Ao mesmo tempo, as taxas mais baixas sinalizam um custo de capital menor e estimulam investimentos arriscados, favorecendo o desenvolvimento econômico.
Um Estado que gasta muito reduz o diâmetro de canalização de recursos à medida que sinaliza aumento de taxa de juros e insolvência futura. A relação dívida/PIB precisa ser compatível com o grau de desenvolvimento do país. Por isso, promessas de gastos sem fonte e sem prazo de vencimento, sob os pretextos mais nobres, acabarão por gerar um Estado insolvente, inflação, aumento da dívida ou aumento da carga tributária.
A insolvência é pior, pois o calote da dívida basicamente desestrutura a sociedade e pode gerar retração econômica por muitos anos. O retorno à normalidade requer esforços hercúleos e um pacto social no sentido “correto” muito difícil de alcançar a partir de vinculações ideológicas tão diversos como em nossa sociedade.
A inflação é análoga a uma doença crônica como diabetes. Não mata, em geral, mas distorce a percepção dos agentes na medida em que os preços relativos sofrem oscilações bruscas e incertas; basicamente o risco aumenta, e os agentes preferem-se arriscar menos numa economia cujo governo sinaliza um desequilíbrio permanente das contas públicas. O efeito é encolher ainda mais o diâmetro da canalização de recursos, a favor de um governo que promete pagar mais juros para o poupador em detrimento de quem não tem recursos sobrando, especialmente a população mais vulnerável. E os agentes preferirão títulos públicos, protegidos da inflação e, esses sim, sem contrapartida na economia real.
O mercado funciona a partir de expectativas. Expectativas positivas estimulam investimentos mais arriscados, as taxas de retorno requeridas reduzem-se, a economia floresce. A ideia de um Estado ineficiente, e sem responsabilidade fiscal, gera expectativas desfavoráveis que se refletem no preço dos ativos transacionados no mercado de capitais. Quando o preço de um ativo cai, o retorno precisa ser maior, resultando num custo de capital maior e, consequentemente, gerando menos propensão a investir.
Há mais de 20 anos a carga tributária do Estado brasileiro é superior a 30% do PIB. Esse índice é consistente com a arrecadação de países desenvolvidos. Hoje a arrecadação está próxima dos 40% do PIB, além dos gastos caracterizados pelo déficit público. O Estado não provê a contento saúde, educação e segurança, mesmo com o avanço tecnológico que vivenciamos. O Estado é eficiente na arrecadação e no gasto sem propósito. Não é preciso de estudos científicos para perceber que aumento de arrecadação não é solução, pois ela aumentou e nada resolveu, ao mesmo tempo que concentrou ainda mais a renda.
A população mais vulnerável pode até querer mais Estado, vez que pode não perceber bem essa evidência, nem tem a quem recorrer em última análise. Mas é a elite que precisa entender que ela mesma limita a perspectiva de seus filhos apoiando políticas que restringem o desenvolvimento pleno do mercado de capitais ou políticos cujo programa de governo é antimercado.
Em resumo, o grande problema que se vem repetindo ao longo deste século são as expectativas desfavoráveis, especialmente quando se promete quebrar o teto de gastos, rever a reforma trabalhista que gerou empregos e modernizou as relações de trabalho, evitar uma reforma administrativa que limite os privilégios, escamotear uma reforma tributária e eleger setores vencedores que concentram mais renda numa sociedade de renda já concentrada. Que evidência mais é necessária para entender que esse caminho não funciona?
A realidade acaba por se impor gradualmente, mas parece que não se sente a gravidade da situação. Nada deste texto é novidade, mas seus mantras não fazem eco. Ao Estado cabe-lhe o papel regulador e de monitoramento das falhas de mercado; cabe-lhe o papel de indutor do desenvolvimento por meio do mercado de capitais. Os agentes dos mercados falham fragorosamente em mostrar isso para a sociedade.
Rodrigo De Losso é PhD pela Universidade de Chicago e professor titular da FEA-USP.
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