Gostaria de começar primeira coluna de 2024 com uma retrospectiva sobre alguns acontecimentos do ano passado, que demonstram como a disciplina de alocação e a escolha de um portfólio adequado podem fazer toda a diferença no retorno obtido pelo investidor no longo prazo.
O ano de 2023 terminou com um bom ganho em várias classes de ativos e, quem olha o resultado final, talvez não perceba a volatilidade ao longo do ano.
A principal fonte de incerteza de 2023 veio da insegurança sobre a trajetória da inflação e o subsequente impacto nas taxas de juros globais, levando os ativos de risco a mostrarem grande oscilação. No Brasil, houve forte impacto na bolsa e na taxa de câmbio, principalmente. Além disso, tivemos uma nova guerra, risco de crise financeira nos EUA, decepção com a economia chinesa, temor de recessão global e cautela com o fiscal no Brasil.
O cenário previsto desde o início de 2023, de desinflação nos EUA acompanhada por atividade econômica resiliente, foi precificado pelos investidores nos últimos dois meses do ano, com o mercado alterando sua expectativa para cortes na taxa de juros americana já na primeira metade de 2024. Desta forma, a partir do final de outubro, vimos um rali dos ativos globais, que se intensificou conforme os investidores começaram a precificar um cenário de “pouso suave”.
Os ativos locais seguiram o movimento e uma parte relevante do desempenho da renda variável, por exemplo, ocorreu no último bimestre do ano. O Ibovespa subiu 19% em novembro e dezembro, o que representou cerca de 85% da alta de 22% registrada no ano. Na renda fixa, por outro lado, os ganhos foram mais distribuídos ao longo do ano, mas ainda assim cerca de 1/3 do rendimento do ano ocorreu no último bimestre.
Assim, ao final de dezembro, uma carteira bem alocada entre renda fixa e renda variável conseguiu trazer bons retornos para o investidor. Dentro das nossas recomendações, por exemplo, um perfil de alocação moderado rendeu 14,8% em 2023, ao passo que um perfil arrojado, com maior exposição à bolsa e títulos mais longos atrelados à inflação, entregou retorno de 15,2%; e o mais conservador, com maior exposição à renda fixa, 14,1% no ano passado.
Isso reforça a importância do investidor manter a disciplina com carteira de investimentos ao longo do tempo. De acordo com nossas análises, cerca de 80% a 90% do retorno de um portfólio no longo prazo vem da alocação estratégica, aquela escolhida de acordo com o perfil de risco do investidor. Mas manter a cabeça fria nem sempre é fácil, e por isso queria comentar alguns erros que os investidores cometem com certa frequência.
O primeiro deles chamamos de perfil retrovisor, ou seja, olhar para o passado e escolher suas alocações com base nos rendimentos ocorridos no período anterior. Uma análise de dados ao longo de quase duas décadas mostra que o investidor que ajustou o perfil de risco de seu portfólio de acordo com o retorno das classes de ativos no ano anterior (ou seja, adotando um perfil mais agressivo quando ativos de risco performaram melhor no ano anterior, e vice-versa) obteve um retorno inferior ao de qualquer uma de nossas carteiras recomendadas, desde a mais conservadora até a mais arrojada. Não há como acertar qual será a alocação “campeã” do ano, e a escolha de uma carteira diversificada é a melhor forma de suavizar as oscilações dos mercados, além de garantir alocação em ativos que estão expostos a diferentes eventos econômicos, criando um importante efeito de descorrelação, que reduz o risco total da carteira.
Adicionalmente, ficar mudando muito de posição pode trazer custos transacionais adicionais e aumenta o risco de perder grandes movimentos no mercado. Nossos estudos mostram que, nos últimos quinze anos, aqueles investidores que ficaram de fora dos 10 melhores dias do Ibovespa obtiveram pouco mais de um quarto do retorno dos investidores que ficaram alocados durante todo o período. Estes dias de retornos expressivos dificilmente podem ser previstos por investidores e tendem a ocorrer com poucos sinais antecipatórios, o que reforça a importância de manter uma alocação estratégica de longo prazo.
Existe também o que chamamos ‘viés de confirmação’, que é uma tendência das pessoas interpretarem informações de forma a confirmarem suas próprias crenças ou hipóteses iniciais. Ou seja, o investidor só utiliza (ou dá mais peso) para opiniões, fatos ou notícias que confirmem sua visão, ignorando informações e dados que vão contra suas crenças. Isso é muito comum em períodos mais tensos em termos políticos ou de crise econômica. O ano de 2023 foi particularmente complicado em termos geopolíticos e com grande incerteza nas economias globais. Assim, sempre procure confrontar suas conclusões com novas informações e aconselho que procure profissionais de investimento para auxílio.
Finalmente, temos o ‘comportamento de manada’, quando os investidores tomam decisões de compra ou venda baseados em especulações e em comportamentos coletivos. Caso muito comum quando temos exageros/ bolhas na precificação de ativos ou excesso de pessimismo/pânico. Warren Buffet, famoso investidor de bolsa nos Estados Unidos, sempre repete: “seja cauteloso quando todos são ambiciosos e ambicioso quando todos são cautelosos”. Assim, não tenha receio de desafiar o senso comum.
Concluindo, 2023 foi um ano desafiador para os investidores, mas que comprovou o valor de manter a disciplina de investimentos e se ater a seu portfólio de longo prazo. Para o ano que se inicia, acredito que seguirão os cortes dos juros mundiais, o que deve levar ao bom desempenho dos ativos de risco. Assim, uma carteira bem alocada de acordo com o perfil de risco adequado, com investimentos bem distribuídos entre bolsa e títulos de renda fixa, deve adicionar valor ao londo de 2024. Como sempre, será necessário evitar tomar decisões emocionais. Não importa o retorno passado (seja de alta ou de queda), atente-se sempre aos fundamentos. Tenha muito cuidado com os pensamentos coletivos e discuta sempre suas ideias com profissionais dedicados a investimentos.
Nicholas McCarthy é Diretor de Estratégia de Investimentos no Itaú Unibanco
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