Colunas de Marcelo Trindade

Por Marcelo Trindade

É advogado e professor da PUC-RIO. Foi diretor e presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Rio


A operação padrão iniciada pelos servidores da Comissão de Valores Mobiliários diz muito sobre o Brasil em geral, e o mercado de capitais brasileiro em especial. E revela a necessidade de conciliar ações urgentes de curto prazo com outras que tenham um olhar no futuro, de maneira a evitar a repetição de velhos problemas.

A crise financeira da CVM não é de hoje, mas é surpreendente. Afinal, a CVM é um dos poucos órgãos públicos do Brasil que arrecada muito mais dinheiro do que gasta. E isso mesmo incluindo em seu orçamento a aposentadoria dos seus servidores, que recolheram para a viúva, não para a CVM. Custeia os ativos e os inativos.

Há vinte anos, em dezembro de 2004, depois de décadas esmolando recursos em Brasília – e ao custo de perder na batalha um presidente do quilate de Luiz Leonardo Cantidiano –, a CVM conseguiu ampliar a base de incidência da Taxa de Fiscalização do Mercado de Valores Mobiliários, criada em 1989. A taxa passou a incidir também sobre o patrimônio dos fundos de investimento fiscalizados pela CVM – o que, desde 2001, incluía todos os fundos, e não mais apenas os fundos de ações.

A aprovação daquela medida provisória, que garantiu recursos para a CVM, só foi possível, naquele momento, porque a Anbid – atual Anbima –, associação que reunia os bancos gestores dos grandes fundos de investimento de varejo, encampou a ideia de que, sem fiscalização adequada, o mercado de capitais não se desenvolveria. Com o apoio da entidade empresarial, foram vencidas as resistências no Congresso, e até no governo.

Pouco antes, mas também em 2004, a Natura abriu seu capital no Novo Mercado da Bovespa – hoje B3. Lançado em 2000 para estabelecer um novo padrão mínimo de governança corporativa das companhias brasileiras, o Novo Mercado se transformaria, a partir dali, no principal caminho para aberturas de capital bem-sucedidas no Brasil.

Em 2004, durante as negociações com o Congresso, a Anbid fez apenas um pedido ao governo: que os recursos pagos como taxa pelo mercado ficassem na CVM, sendo efetivamente destinados ao funcionamento adequado do órgão estatal de fiscalização. Os agentes privados estavam convencidos da importância, para o bom funcionamento do mercado, de uma supervisão estatal sólida.

A razão, evidentemente, nada tinha de filantrópica. Os bancos sabiam que a autorregulação, embora importante, não era suficiente para ampliar a confiança dos investidores no funcionamento do mercado brasileiro. Com menos investimento, o financiamento das empresas se reduz, e com ele a própria atividade. Menos riqueza é gerada, tanto para o setor público quanto para o privado.

Não surpreende, assim, que a Anbima e as demais entidades que reúnem as empresas e instituições que atuam no mercado de capitais tenham divulgado, agora, uma nota de apoio às reivindicações dos servidores da CVM. Afinal, quem paga a conta quer receber de volta o serviço, e sabe que sem qualificação e remuneração adequada de quem o presta, não há milagre: ou o serviço não vai ser prestado, ou vai ser mal prestado.

A CVM supervisiona os gestores de mais de R$ 8 trilhões aportados em milhares de fundos de investimento, os administradores e acionistas de companhias com valor de mercado de cerca R$ 4,6 trilhões, e as negociações em bolsa, que giram, em média, mais de R$ 20 bilhões por dia. Mas faz tudo isso com menos de 400 servidores de nível superior, os quais, entre outras desvantagens em relação aos de outros órgãos, não têm sequer plano de saúde – recebem, a esse título, um reembolso de menos de R$ 120 por mês.

Enquanto isso, a Taxa de Fiscalização arrecada mais de R$ 1 bilhão por ano – sem contar as multas aplicadas pela CVM, que não devem mesmo ser destinadas ao custeio da instituição, sob pena de criar um claro, e perigoso, conflito de interesses. Multas e pagamentos feitos em termos de compromisso – os acordos celebrados pela CVM com os acusados – têm que servir apenas para indenizar vítimas de fraudes no mercado.

O problema da CVM não é, portanto, de dinheiro. Nós, como sociedade, é que nos omitimos em cobrar ações do governo. Porque somos nós, que investimos no mercado de capitais – seja em fundos de investimento, ações ou qualquer outra forma de aplicação – que pagamos indiretamente a taxa de fiscalização indevidamente retida pelos governos.

É verdade que o atual governo foi sensível às demandas da CVM, aumentando a proposta de seu orçamento e dando início a um concurso público, depois de muitos anos. Mas é necessário ir além, e conferir aos servidores da CVM o mesmo tratamento dado às outras carreiras similares, atendendo às suas justas reivindicações.

Contudo, além desse passo emergencial, o atual governo não deveria perder a oportunidade de discutir a reorganização dos reguladores de mercado – possivelmente em apenas duas entidades. E, nesse contexto mais amplo, necessariamente rever a estrutura das carreiras de seus servidores e o financiamento de suas atividades. Só atualizando a estrutura dos reguladores garantiremos uma supervisão adequada de todos os mercados.

Outro dia, em cima de um trio elétrico, o governador de São Paulo lançou uma curiosa pergunta para mais de 185 mil pessoas reunidas na Avenida Paulista: “Quem aí usa o Pix”? Buscava o reconhecimento, pela massa, de que o mecanismo gratuito de transferência de dinheiro era obra do governo Bolsonaro – quando, na verdade, foi desenvolvido pelo Banco Central do Brasil, uma autarquia independente, como a CVM.

Quem aí ganhou com ações?” “Quem aí perdeu com bitcoins?” Pessoalmente, prefiro que a atuação da CVM continue ausente dos comícios em praça pública. Mas não custa sonhar com o dia em que nossos governantes eleitos darão a devida atenção aos órgãos estatais de proteção da poupança popular, incluindo sua estrutura, seu financiamento e a organização das carreiras de seus servidores.

Marcelo Trindade — Foto: Arte sobre foto Divulgação
Marcelo Trindade — Foto: Arte sobre foto Divulgação
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