Criado para ser um guia para setor público e privado implementar as transformações necessárias até 2030 na maneira de produzir, consumir, interagir com o meio ambiente e com as pessoas, o programa de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas não tem conseguido mexer tão rápido o ponteiro de mudanças.
Na sexta-feira passada (28), o Relatório sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 2024 aponta que menos de um quinto das metas (17%) está caminhando na direção correta. Quase metade está em nível de progresso mínimo ou moderado. Na prática, isso significa que o mundo não está conseguindo cumprir a promessa, não há direcionamento de investimentos volumosos para esses objetivos e faltam ações em escala.
"Este relatório destaca a necessidade urgente de uma cooperação internacional mais forte e mais eficaz para maximizar o progresso a partir de agora", disse o secretário-geral da ONU, António Guterres. "Faltando mais de seis anos, não podemos deixar de cumprir a nossa promessa para 2030 de acabar com a pobreza, proteger o planeta e não deixar ninguém para trás."
Dentre os fatores que prejudicaram o progresso estão: impactos persistentes da pandemia da pandemia, a escalada de conflitos, as tensões geopolíticas e o crescente caos climático prejudicaram gravemente o progresso.
No documento, são citados números alarmantes, tais como: entre 2019 e 2022, mais 23 milhões de pessoas foram empurradas para a pobreza extrema e mais de 100 milhões de pessoas com fome; o número de mortes de civis em conflitos armados disparou em 2023; e o mundo sentiu, no ano passado, a temperatura mais quente já registrada, com o planeta se aproximando do limite crítico de 1,5°C.
Ao Prática ESG, o presidente do Pacto Global da ONU no Brasil, Carlo Pereira, comenta que, nesta jornada rumo ao alcance dos ODS, o setor privado é importante. “Este cenário sublinha a necessidade urgente de uma ação mais robusta e coordenada”, diz, se referindo a uma colaboração entre governos, sociedade civil e setor privado é essencial para enfrentar desafios como mudanças climáticas, desigualdade social e desenvolvimento econômico sustentável. “O setor privado desempenha um papel crucial nesse contexto.” Para ele, empresas têm a capacidade de inovar, investir e implementar práticas sustentáveis que podem acelerar o progresso em direção aos ODS.
Além disso, Pereira destaca que o relatório traz a necessidade de investimentos significativos para preencher lacunas de financiamento, especialmente em países em desenvolvimento. Neste ponto, defende, o setor privado também pode contribuir substancialmente, não apenas com recursos financeiros, mas também com expertise técnica e inovação. “Iniciativas como a transição para energias renováveis, a promoção de práticas de consumo e produção sustentáveis, e a melhoria da infraestrutura digital são áreas onde a participação empresarial pode fazer uma diferença significativa”, pontua o CEO do Pacto Global da ONU no Brasil.
Sergio Andrade, mestre em administração pública pela FGV-SP e diretor executivo da Agenda Pública, Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) que atua há 15 anos na mediação de diálogos entre setor privado, sociedade e governos, adiciona que o problema da falta de avanço significado na aplicação dos ODS não é questão técnica, mas política.
“É necessário construir uma agenda positiva que unifique propostas e gere consenso, abordando contradições distributivas e ambientais, e que consiga obter o apoio de setores atualmente com visões bastante distintas”, aponta.
Para Andrade, agendas de desenvolvimento econômico e geração de oportunidades podem ajudar. “Um maior entendimento entre o Parlamento e o Executivo seria o primeiro passo”, diz. Ele cita como exemplo positivo o Plano de Transição Ecológica, lançado pelo Ministério da Fazenda em parceria com outras pastas, que visa trazer desenvolvimento econômico sustentável ao país. “Apesar de não terem metas, dão um norte para o país para geração de renda e empregos, resultando em mais inclusão”, explica.
Outro exemplo de iniciativa pública que pode ajudar no cumprimento dos ODS é a modernização de serviços públicos com transformação digital. “Pode ser uma alternativa para acelerar ganhos de bem-estar, grande desafio dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.”
Onde começou
O termo ODS foi cunhado pela em setembro de 2015, quando os 193 países membros das Nações Unidas adotaram uma nova política global: a chamada “Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”. Por isso, geralmente os ODSs são relacionados à “Agenda 2030”, que se refere ao ano em que as metas definidas precisam ser atingidas, de modo a e modo a elevar o desenvolvimento do mundo e melhorar a qualidade de vida de todas as pessoas.
Ao todo, são 17 proposições e 169 metas que fazem parte da Agenda 2030 e que se propõem a ser um guia para ações efetivas de empresas, governos e sociedade civil. As propostas envolvem prioridades como redução de desigualdades, crescimento econômico inclusivo e padrões sustentáveis de produção.
Avanços e prioridades
O relatório "The Sustainable Development Goals Report 2024" traz alguns avanços e as prioridades mais urgentes, confira:
Avanços:
- Os notáveis avanços recentes na implantação de energia renovável, por exemplo, destacam um caminho claro para uma transição energética justa.
- Na maioria das regiões, meninas alcançaram a paridade e até mesmo passaram à frente dos meninos na conclusão da escolaridade em todos os níveis.
- O aumento do acesso à Internet em cerca de 70% em apenas oito anos também ilustra como é possível uma rápida mudança transformadora.
- Décadas de progresso contra o HIV/AIDS fornecem um modelo para a superação de outras pandemias por meio da solidariedade global e do financiamento de avanços científicos.
Prioridades urgentes:
- Financiamento do desenvolvimento: A lacuna de investimento dos ODS nos países em desenvolvimento agora é de US$ 4 trilhões por ano. Os países em desenvolvimento precisam de mais recursos financeiros e espaço fiscal. A reforma da arquitetura financeira global é fundamental para liberar o volume de financiamento necessário para estimular o desenvolvimento sustentável.
- Paz e segurança: O número de pessoas deslocadas à força atingiu um nível sem precedentes, quase 120 milhões até maio de 2024. As mortes de civis aumentaram em 72% entre 2022 e 2023 em meio à escalada da violência, destacando a necessidade urgente de paz. É essencial resolver os conflitos em andamento por meio do diálogo e da diplomacia.
- Aceleração da implementação: São necessários investimentos maciços e parcerias eficazes para promover transições críticas em alimentos, energia, proteção social, conectividade digital e muito mais.