Folha de S. Paulo


Especialistas em direito questionam vota��o separada do impeachment

Alan Marques - 31.ago.16/Folhapress
BRAS�LIA, DF, BRASIL, 31.08.2016. Ministro Ricardo Lewandowski preside a Sess�o final do Senado Federal para o julgamento do Impeachment da presidente da Rep�blica, Dilma Rousseff. (FOTO Alan Marques/ Folhapress) PODER
O presidente do STF, Ricardo Lewandowski preside a sess�o final do impeachment no Senado

A decis�o do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Ricardo Lewandowski, de separar a vota��o das penas do impeachment de Dilma Rousseff tem sido contestada por advogados e especialistas em direito.

Na quarta (31), durante a sess�o do Senado, Lewandowski atendeu a um pedido do PT para que as penas de cassa��o e de suspens�o dos direitos pol�ticos de Dilma fossem votadas separadamente. Com isso, a ex-presidente acabou cassada, mas manteve a possibilidade de ocupar cargos p�blicos.

Para advogados e especialistas ouvidos pela Folha, a perda do mandato e a inabilita��o para fun��es p�blicas s�o puni��es indissoci�veis.

O senador �lvaro Dias (PV-PR) recorreu ao STF contra a vota��o separada. O PSDB tamb�m estuda entrar com recuso. Nesta quinta (1�), o ministro do STF Gilmar Mendes chamou a decis�o de "bizarra".

"N�o s�o duas penas alternativas. A suspens�o dos direitos pol�ticos est� condicionada diretamente � perda do cargo. O 'com' no texto da Constitui��o deixa isso claro", afirma o advogado criminalista Gustavo Badar�.

O par�grafo �nico do artigo 52 da Constitui��o afirma que a condena��o do presidente da Rep�blica pelo crime de responsabilidade � limitada "� perda do cargo, com inabilita��o, por oito anos, para o exerc�cio de fun��o p�blica".

"Olha o risco que isso causa: anular o efeito de um processo de cassa��o –um processo que serve justamente para proteger a sociedade de um mau governante", diz Badar�.

Conrado Hubner Mendes, professor de direito constitucional da Universidade de S�o Paulo, diz que a decis�o de Lewandowski foi "insustent�vel".

O presidente do STF se baseou no regimento interno do Senado que d� aos partidos o direito de pedir destaques, ou seja, solicitar que um trecho do assunto em quest�o seja votado separadamente.

"Ele equiparou o processo de impeachment com um processo legislativo comum. Essa equipara��o � esp�ria. S� contribuiu para a imagem de que havia algo estranho no ar", diz Mendes.

Pedro Estevam Serrano, professor de direito constitucional da PUC-SP, a quest�o central � a contradi��o dos resultados das duas vota��es.

"A segunda vota��o denuncia a ilegitimidade da primeira. Porque se o Parlamento considerou que a conduta imputada � presidente n�o era grave o suficiente para impedi-la de exercer a vida pol�tica p�blica, com muito mais raz�o, ela n�o � grave o suficiente para impedi-la de exercer o mandato", afirma.

ELEI��ES

A segunda vota��o permitiu, por exemplo, que Dilma concorra na elei��o de 2018, j� que a Lei da Ficha Limpa –que barra candidatos condenados– n�o especifica tal puni��o para quem exerceu o cargo de presidente.

"A Lei da Ficha Limpa n�o regulou a inelegibilidade por cassa��o do presidente de prop�sito, porque a Constitui��o j� o faz", afirma Rafael Mafei, professor da USP, que tamb�m discorda da possibilidade de separar as penas.

Essa prerrogativa, avaliam os especialistas, pode ser evocada no processo de cassa��o do deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que deve ser votado neste m�s.

Mendes afirma que as situa��es de Dilma e Cunha s�o diferentes: uma � crime de responsabilidade regulado pela Constitui��o e aplicado ao chefe do Executivo, a outra � cassa��o de mandato parlamentar por infra��o �tica, que � regida por outras normas.

"Do ponto de vista jur�dico, n�o � um precedente que beneficie o Cunha. Mas n�o se pode menosprezar a imagina��o criativa e fraudadora do Congresso", diz. "N�o acho imposs�vel que isso seja levantado."

Para Rodrigo Pedreira, advogado eleitoral, a vota��o do impeachment pode influenciar, por exemplo, a cassa��o de prefeitos. "Vai haver a discuss�o se a perda de direitos pol�ticos � natural ou n�o da cassa��o."

COLLOR

No impeachment de Fernando Collor, em 1992, o ex-presidente e atual senador renunciou ao cargo pouco antes de seu julgamento.

Os senadores decidiram julg�-lo mesmo assim e suspenderam seus direitos pol�ticos. A decis�o foi questionada por Collor no STF, que manteve a palavra final do Senado.

Segundo Mafei, isso n�o significa que os senadores separaram a pena da cassa��o (inaplic�vel, j� que Collor renunciara) e a pena da inabilita��o pol�tica.

"O STF julgou se um presidente que renuncia momentos antes do julgamento pode, mesmo assim, ser julgado. N�o foi uma decis�o sobre se a pena acess�ria pode ser desmembrada da principal", afirma.

"A separa��o das penas n�o se fundamenta na Constitui��o nem no precedente do STF no caso de Collor. E � ainda mais grave que tenha sido tomada sozinha por Lewandowski", diz Mendes.

A lei que trata do processo de impeachment, de 1950, abre a brecha para a separa��o das penas. Essa legisla��o, por�m, segundo os especialistas, por ser anterior � Constitui��o, teve o entendimento modificado pelo novo texto.

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O QUE DIZ A CONSTITUI��O

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
I - processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da Rep�blica nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Ex�rcito e da Aeron�utica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles
Par�grafo �nico. Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionar� como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condena��o, que somente ser� proferida por dois ter�os dos votos do Senado Federal, � perda do cargo, com inabilita��o, por oito anos, para o exerc�cio de fun��o p�blica, sem preju�zo das demais san��es judiciais cab�veis.

O QUE DIZ A LEI 1.079 DE 1950

Art. 33. No caso de condena��o, o Senado por iniciativa do presidente fixar� o prazo de inabilita��o do condenado para o exerc�cio de qualquer fun��o p�blica; e no caso de haver crime comum deliberar� ainda sobre se o Presidente o dever� submeter � justi�a ordin�ria, independentemente da a��o de qualquer interessado.


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