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Feminismo

'A quem interessa o apagamento da história da escravidão no Brasil?'

A deputada estadual Erica Malunguinho (PSOL-SP) escreve sobre como a destruição de documentos históricos do período escravocrata implicou no apagamento e esquecimento dessa história, permitindo a criação dos “salvadores brancos” em detrimento de personagens negros do abolicionismo

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Erica Malunguinho, em colaboração para Marie Claire
Deputada estadual pelo PSOL Erica Malunguinho (Foto: Nego Júnior)

“Ainda bem que acabamos com isto em tempo. Embora queimemos todas as leis, decretos e avisos, não poderemos acabar com os atos particulares, escrituras e inventários, nem apagar a instituição da história, ou até da poesia.” (Machado de Assis, Memorial de Aires, 1888, p.56.)

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É com esse trecho do romance de "Memorial de Aires", de Machado de Assis, que Américo Jacobina Lacombe, inicia a biografia intitulada “Rui Barbosa e a queima dos arquivos”, publicada em 1988.

Esse episódio, uma das grandes polêmicas da história do Brasil, tem diversas interpretações. Cabem aí, desde pessoas que defendem Rui Barbosa, dizendo que ele era um grande abolicionista e que o seu ordenamento de queima dos documentos tinha como objetivo livrar o país do “karma” que foi a escravidão, não deixando nenhum registro da sua história, até outros que afirmam que seu gesto teve o objetivo de excluir documentos que possibilitariam os escravocratas a pedirem indenização pela perda dos seus investimentos.

O estudo dos registros históricos revela que é impossível negar que, de fato, Rui Barbosa era um abolicionista. De toda forma, também é fácil compreender que, sendo ele um homem branco da elite econômica, não estaria disposto a abrir mãos dos seus privilégios e nem de trair o pacto narcísico da branquitude, citando o termo cunhado por Maria Aparecida Bento.

Isso nos remete aos dias de hoje, quando observamos, de forma mais atenta que nunca, diversas pessoas não-negras que ocupam espaços de influência - na TV, na internet até na política - se dizendo antirracistas e, ao mesmo tempo, apoiando iniciativas, aprovando leis e tendo atitudes que prejudicam a população negra em prol do status quo.

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O historiador Robert Slenes, no artigo “O que Rui Barbosa não queimou: novas fontes para o Estudo da Escravidão no século XIX”, aponta para uma grande documentação que ainda permanece nos arquivos, à espera de estudos. Entre estes documentos estão livros de casamentos e batismos de escravizados, arquivos de polícia, e outros tantos.

Vale lembrar, também, que no Brasil, para além de Rui Barbosa, os arquivos e museus sofrem constantes formas de destruição e deterioração. Incêndios e alagamentos causados pela falta de investimentos. Cabe perguntar: a quem interessa o apagamento e o esquecimento da história que ainda não foi escrita? A quem interessa o esquecimento da história da escravidão no Brasil?

A produção de historiadores e historiadoras negras tem se intensificado nos últimos anos, trazendo novos vieses dos acontecimentos e novos protagonismo para a história do Brasil.
A quem interessa manter a imagem da Princesa Isabel como redentora, no lugar de destacar a história potente de abolicionistas negros como Luiz Gama?

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