Julia Quinn: autora da saga que deu origem a série "Bridgerton" participa de evento literário no Brasil (Foto: Divulgação)

Julia Quinn: autora da saga que deu origem a série "Bridgerton" participa de evento literário no Brasil (Foto: Divulgação)

Julia Quinn, a autora dos livros da série Os Bridgerton, teve a ideia de escrever essa trama quando ainda estava na universidade. Era final da década de 90 e ela conta que, entre uma leitura e outra do curso, buscava no gênero do romance histórico uma maneira de se distrair. Anos depois, qual não é a surpresa desta nova-iorquina de 51 anos, que vive em Seattle com a família, ao constatar que a série produzida pela Netflix e baseada em suas obras se tornou a produção mais vista do streaming no mundo até o momento. É curioso notar que, em pleno século 21, é uma narrativa ambientada nas primeiras décadas do longínquo 1800, com duques, príncipe, mães casamenteiras e homens durões que conquistou a atenção de uma audiência bem heterogênea. “Eu acho que a razão pela qual as pessoas ainda se interessam pelo gênero do romance histórico é porque elas querem ver um happy end, um final feliz. Querem se entreter, querem ter um sentimento bom, ver o conto de fadas mesmo que não acreditem nisso”, disse Julia, em entrevista exclusiva à Marie Claire nesta segunda-feira (1/2). A autora é uma das atrações da Semana Amazon de Literatura, que acontece entre os dias 29 de janeiro e 7 de fevereiro, e promove debates e palestras de forma remota, claro. Julia fala ao público brasileiro, de quem é bastante conhecida, nesta quinta (dia 4), às 17h30

O sucesso da série alavancou também a venda das obras da autora. Só nesta semana, há quatro títulos escritos por Julia Quinn entre os dez mais vendidos do Brasil. A saga dos Bridgerton é responsável, sozinha, por cerca de 1 milhão de exemplares vendidos por aqui, onde todos os livros da escritora são publicados pela Editora Sextante. “Eu estou muito agradecida, muito feliz, de verdade. E os fãs brasileiros são tão efusivos!”, afirmou a escritora. Confira mais do bate-papo em que Julia contou como foi quando viu o primeiro episódio de sua saga no streaming e fala de sua relação com os fãs e a vida em plena pandemia.

MARIE CLAIRE Primeiro, gostaria de começar perguntando como você está se sentindo ao saber que a saga de Bridgerton se tornou a série mais vista da história da Netflix? Como foi quando você assistiu ao primeiro episódio com essas alterações na tela?

JULIA QUINN Quando eu vi o primeiro episódio… Quer dizer, foram quatro anos trabalhando desde a ideia de adaptar os livros para virar a série até o momento de vê-la pronta. Ninguém adaptou um romance histórico dessa maneira, de forma tão bem-sucedida. Foi um longo processo até ver os resultados. O primeiro episódio eu quis assistir sozinha, sabe? Sentei diante do computador, estava ávida por isso. Fiquei encantada. Só depois que vi sozinha fui ver outra vez com a minha família. Eu estou muito agradecida, muito feliz, de verdade.

MC Você já comentou que gostou das mudanças de narrativa e de inclusão de diversidade propostas pela Shonda Rhimes e pelo criador da série na Netflix, Chris Van Dusen, nessa adaptação. O que mais curtiu? Trabalhou também no roteiro?
JQ 
Eu atuei como consultora apenas na série, não escrevi nada. Os textos chegavam para mim prontos e praticamente não tinha nenhuma alteração. Eram apenas detalhes aqui e ali. De verdade, estava tudo perfeito. E amo a estrutura que eles montaram para colocar dentro a questão da inclusão, para tornar a história mais diversa. Gostei muito da ideia de trazer a história da rainha Charlotte, que teria tido ascendência africana e há muito material histórico de pesquisa sobre ela. Gostei que partiram de algo real, ao invés de fazer uma fantasia completa. Eles partiram de um ponto que pode ter sido verdadeiro, e na trama, se isso fosse verdade, ela poderia mesmo ter alçado pessoas negras para dentro da aristocracia. Semana passada, fiz um call com Adjoa Andoh, a atriz que interpreta Lady Danbury, e ela é sensacional. É muito difícil agora imaginar outra pessoa qualquer para estar no lugar dela. Eu sou muito agradecida pelo que eles fizeram com a obra. Todos merecem se entreter e agora mais pessoas podem ter esse sentimento.
 

"Há fãs dos livros nos Estados Unidos também, claro, eles também se emocionam, mas no Brasil a diferença é que eles ficam emocionados como grupo. É uma troca intensa de energia""

Julia Quinn

MC Você tem muitos fãs ao redor do mundo por causa da série de livros sobre a família Bridgerton, entre outras publicações, e aqui no Brasil não é diferente. Li que você já chegou a se surpreender com o carinho dos leitores por aqui, mas queria saber como é essa sua relação com esses fãs. Em que eles são diferentes, na sua opinião?
JQ
 Os fãs brasileiros são tão efusivos! Eu fico muito tocada por essa recepção tão calorosa. É muito bom para qualquer escritor deixar seu país, no meu caso, os Estados Unidos, e tirar um tempo para visitar os lugares onde estão sendo feitos os lançamentos de seus livros. Vejo que aí no Brasil as pessoas ficam felizes pelo autor vir de longe, sabe? Certa vez, eu lancei um livro em Manaus e ninguém acreditou que tivesse ido lá porque, bem, quase nenhum escritor faz isso, certo? Mas as pessoas são tão amáveis e ficam realmente felizes em me ver. Há fãs dos livros nos Estados Unidos também, claro, eles também se emocionam, mas no Brasil a diferença é que eles ficam emocionados como grupo. É uma troca intensa de energia, eu tiro foto com cada pessoa que está na fila, isso não aconteceu nos Estados Unidos, por exemplo. É muito mais cansativo, em termos de trabalho, mas fico agradecida. E tanta gente me traz brigadeiros! Acho que é possivelmente o doce que eu mais comi no Brasil [risos]. Ver todas essas pessoas faz você ficar feliz com você mesmo, sabe?

MC A série segue em alta e seus livros voltaram para a lista dos mais vendidos - no Brasil também a procura aumentou muito. Por que você acha que, ainda hoje, o gênero romance histórico faz tanto sucesso?
JQ
Eu acho que a razão pela qual as pessoas ainda se interessam pelo gênero do romance histórico é porque elas querem ver um happy end, um final feliz. Querem se entreter, querem ter um sentimento bom, ver o conto de fadas, mesmo que não acredite nisso.

MC De onde surgiu a ideia para você criar a história da família Bridgerton? Você achava que a saga ia fazer sucesso? Por que decidiu escrevê-la?
JQ
 Sabe que eu não me lembro mais tão bem... Porque faz tempo que eu escrevi sobre a família Bridgerton. Foi em 1998. Comecei a escrever sobre eles porque, para falar a verdade, era o que eu queria ler. Eu estava na universidade na época, tinha que ler vários autores, como Dostoiévski, por exemplo. E nem sempre era divertido. Então, quando eu tinha que ler algo para relaxar, escolhia os romances históricos. Acho que a primeira ideia que tive acerca da história foi a do personagem do Duque de Hastings. Eu conheci uma pessoa que me inspirou a criar esse personagem. E outra que me lembro como me veio à mente foi a Lady Whistledown. Ela foi a personagem que criei para não ter que ficar explicando as informações sobre a vida de todo mundo. Ela é uma colunista de fofocas, então naturalmente ela já sabe sobre isso.

Phoebe Dyneror como Daphne em Bridgerton (Foto: Divulgação)

Phoebe Dyneror como Daphne em Bridgerton (Foto: Divulgação)

MC Outra coisa que chama a atenção na série é que as duas irmãs mais velhas da família Bridgerton - a Daphne e a Eloise - começam a despertar para conceitos que hoje a gente associa ao feminismo, como descobrir que o único destino da mulher, na época da história, era casar; ou ser preparada apenas para cuidar da casa e para a maternidade; não ser ouvida em suas ideias ou demandas... E ainda tem a questão do sexo antes do casamento, que era muito condenado. O que você achou dessas atualizações? Você pensava nisso quando escrevia o destino das personagens femininas nos livros?
JQ
 A maioria das pessoas quer amor em sua vida. Esses bailes, a maneira com que as pessoas se tratavam, as roupas, tudo parecia muito romântico. Ainda que você não acredite, é engraçado de ver, alimenta a imaginação. Agora falando sobre as duas personagens, uma das coisas que eu mais gosto é que elas mostram dois lados diferentes do feminismo, o que prova que não existe uma única maneira de ser feminista. Eloise pode ser mais óbvia em suas ações de ser contra ao que a sociedade a obriga a fazer, em não querer se casar, por exemplo, em buscar ter uma profissão. Mas mesmo Daphne, que quer ter uma vida mais tradicional, quer se casar, ter uma família, filhos, ela também reforça o fato de que é importante a mulher ter o poder, a chance de fazer a própria escolha, seja ela qual for. Eu gosto disso, porque são dois tipos de desejos que são válidos e você não precisa ficar envergonhada com suas escolhas.

MC O sucesso de Bridgerton agora pode fazer você voltar a escrever mais livros da série, já que teremos também uma segunda temporada já confirmada pela Netflix? Sei que já tem oito livros, mas pode haver mais?

JQ Eu já fiz a pré-sequência, que é contar as histórias que levaram os personagens até ali. Não sei, pode ser que sim, pode ser que não. E se eu fizer, tenho que fazer isso muito bem. Quando eu terminei o último livro da série, tive que fazer um break, sabe, porque vivi nesse mundo por oito, nove anos. Meu último livro é uma graphic novel que deve ser lançada no Brasil. Mas, no momento, posso te dizer que não estou escrevendo, estou mais com a minha família e apoiando o meu marido, que trabalha como infectologista e vai todos os dias ao hospital tratar pessoas que estão com Covid.

MC Como a pandemia mudou você como escritora, como ser humano? Você já consegue sentir isso de alguma maneira em si mesma?
JQ
O que eu posso dizer é que sou muito sortuda de não estar, nesse momento, com nenhum problema de insegurança financeira, de não ter tido ninguém da minha família que ficou doente ou foi afetado pela pandemia. Acho que essa é a coisa primordial, sabe? E eu sou muito agradecida por isso. Mas, de fato, as nossas conexões com as pessoas mudaram, aquilo que a gente estava acostumada a fazer, todos os dias, agora não pode mais. Então nada é garantido. Eu, por exemplo, costumava trabalhar de cafés - para ver as pessoas, o movimento, para sentir o buzz no entorno, sabe? Eu não posso mais fazer isso, não tem nem previsão. A maneira de se relacionar com o mundo mudou. Também sinto pelas pessoas que tiveram a família afetada principalmente porque meu marido, que trabalha como infectologista em um hospital de Seattle, tem todo o dia que ir para o hospital. Então nem tem comparação, sabe, a minha situação com a dele, eu acho que o mais importante agora é eu apoiá-lo. É um peso emocional muito grande. Também acho que a pandemia abriu os meus olhos, os nossos olhos, para ver o quanto de compaixão tem no mundo. E como tem pessoas que tem tão pouca compaixão. Eu fico brava quando vejo alguém sem usar a máscara, sabe? É literalmente a menor coisa que você pode fazer pela humanidade agora, neste momento, e a pessoa simplesmente usa. Isso me deixa com muita raiva. E se você fala alguma coisa, essas pessoas te falam coisas horríveis, é muito cansativo. Mas talvez não seja isso que você queira ouvir de mim agora [risos].
 

Cena da série Bridgerton (Foto: Divulgação)