Sociedade

Por The Conversation/Pablo Nunes*

As autoridades da Justiça brasileira finalmente estão prontas para fazer a pergunta que ecoou por tanto tempo em todo o país: quem ordenou o assassinato da vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco?

O símbolo dos direitos humanos e do feminismo no Brasil foi brutalmente assassinado há seis anos. No domingo, 24 de março, líderes conhecidos da política local no estado do Rio, Domingos Brazão e Chiquinho Brazão, bem como o ex-chefe de polícia do estado, Rivado Barbosa, foram presos sob acusação de serem os mentores por trás do assassinato.

Não é que a sociedade brasileira esteja acostumada a saber quem são os perpetradores das mortes violentas no país. De cada três homicídios no Brasil, apenas um é solucionado, o que torna a falta de respostas a norma. Todos os anos, pelo menos 40.000 novas famílias se juntam às fileiras de parentes de vítimas da violência. Um grupo enorme que, na maioria das vezes, permanece oculto.

Sob intervenção federal

Marielle morreu em 14 de março de 2018. Foi um ano atípico no Brasil: a segurança pública no Rio de Janeiro estava nas mãos de generais de alta patente do Exército Brasileiro, nomeados pelo então presidente Michel Temer para "resolver" a questão da segurança pública no estado, devido a um aumento da violência. Era a chamada "Intervenção Federal", liderada pelo então popular General Walter Braga Netto.

Mas sua atuação à frente dessa missão falhou miseravelmente. Rapidamente, o uso da força militar no combate à violência urbana, combinado com a falta de transparência nas ações do general e de seus comandantes nas ruas da capital do estado e cidades vizinhas, gerou desconfiança em todos os segmentos da sociedade civil.

Por isso, no início de março daquele ano, o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), do qual faço parte, lançou o Observatório da Intervenção, uma iniciativa que monitorava as ações da polícia e das forças armadas em relação à segurança pública do estado diariamente, publicava dados relacionados às operações policiais e reunia a sociedade civil para debater a direção do combate ao crime no Rio de Janeiro.

Marielle Franco participou do evento inaugural do observatório e estava disposta a colaborar com o projeto de qualquer forma que pudesse. Uma semana depois, ela foi brutalmente assassinada.

Homenagem à Marielle Franco — Foto: Fotos públicas
Homenagem à Marielle Franco — Foto: Fotos públicas

A morte de Marielle dilacerou os corações de sua família, amigos e colegas e colocou toda uma parte da população em alerta. Mulheres, negros, moradores de áreas mais pobres e pessoas LGBTIA+ que tinham ela como sua representante e inspiração agora se encontram em meio a uma violência difusa e perigosa. Mas o assassinato de Marielle levou a enormes manifestações em todo o Brasil e no mundo. Todo 14 de março era um dia para celebrar a vida dela, mas também era um dia para exigir justiça.

Houve longos meses de espera. No primeiro ano, o nome de Domingos Brazão foi apontado como suspeito de envolvimento. O assessor do tribunal de contas do estado tem uma longa história nos bancos das casas legislativas. Ele foi deputado estadual por quatro mandatos e fez parte do "grupo de cúpula do PMDB", um grupo que ficou conhecido por dominar a política no estado do Rio de Janeiro por mais de uma década.

Degradação das instituições

No Brasil, famílias como os Brazões são poderosas e consideradas por muitos como tendo um nível de impunidade. Mas a prisão do ex-chefe de polícia civil, Rivaldo Barbosa, por supostamente tentar obstruir as investigações do caso Marielle, chocou as pessoas.

Rivaldo aparecia regularmente na mídia para pedir que o público confiasse no trabalho da polícia, mantendo que resolveria o assassinato de Marielle. Ele visitou a mãe da vítima alguns dias após o assassinato e fez discursos emocionais, sempre parecendo indignado com o crime e prometendo justiça.

Mas agora um relatório da Polícia Federal que levou à sua prisão alega que ele não apenas garantiu a impunidade de um grupo criminoso por trás da morte de Marielle, mas também participou do planejamento da execução.

No Brasil, policiais e ex-policiais são os principais assassinos contratados. Eles têm conhecimento interno das estruturas corporativas e conhecem as técnicas para garantir que as evidências de um crime sejam apagadas.

Prisões de chefes de polícia

Nos últimos anos, quatro ex-chefes de polícia civil foram presos no Rio de Janeiro. A menos que haja uma mudança institucional, Rivaldo não será o último.

As alegações feitas pela Polícia Federal não dissipam as dúvidas que permanecem sobre o caso. Acima de tudo, o relatório que levou à prisão de Domingos e Chiquinho Brazão, bem como de Rivaldo Barbosa, representa apenas o início do caminho rumo à justiça.

Mas uma coisa é certa: não foi o relatório da Polícia Federal que levou as coisas a este ponto. Foram a família, os amigos e a sociedade civil que exigiram incansavelmente respostas. Essas respostas agora podem começar a chegar.

*Pablo Nunes é Doutor em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ) e coordenador no Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC). Este artigo foi publicado originalmente em inglês no site The Conversation.

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