Sociedade

Por Andrew Blum* | The Conversation

O Comitê Norueguês do Nobel deve anunciar o ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 2023 nesta sexta-feira, 6 de outubro, com base em um grupo de 351 indicados.

A ativista ambiental Greta Thunberg e o primeiro-ministro ucraniano Volodymyr Zelensky são supostamente dois dos indicados, entre dissidentes políticos, líderes e ativistas de direitos humanos que concorrem ao prêmio. O vencedor receberá uma medalha, US$ 994 mil e reconhecimento global.

Eu trabalho no campo da construção da paz há mais de 20 anos para apoiar sociedades em seu trabalho de prevenção da violência e pelo fim das guerras. Todos os anos, acho que devo esperar ansiosamente por esse momento, quando um campeão da paz é celebrado no cenário mundial. Mas, dado o histórico do Comitê Norueguês do Nobel, sempre sinto um certo receio antes desse anúncio. O prêmio celebrará um verdadeiro construtor da paz ou um político que simplesmente assinou um acordo de paz? Ele celebrará uma conquista verdadeira e histórica ou o que está sendo publicado nos jornais no momento?

Uma história mista

É certo que o Comitê Norueguês do Nobel – formado por cinco noruegueses, em sua maioria ex-políticos, nomeados pelo parlamento norueguês para um mandato de seis anos – fez algumas ótimas seleções de prêmios da paz ao longo dos anos.

O político sul-africano Nelson Mandela, por exemplo, ganhou o prêmio em 1993 por seu trabalho para ajudar a acabar com o apartheid.

E Leymah Gbowee, ativista que ajudou a trazer a paz para a Libéria, ganhou o prêmio em 2011, ao lado de Ellen Johnson Sirleaf, ex-presidente do país africano, e de Tawakkul Karman, ativista dos direitos das mulheres do Iêmen.

Gbowee uniu mulheres cristãs e muçulmanas para acabar com a devastadora guerra civil de 14 anos na Libéria. Elas usaram táticas criativas, incluindo uma greve de sexo, na qual as mulheres liberianas prometeram não terem relações com seus maridos até que um acordo de paz fosse assinado.

A ganhadora do Prêmio Nobel da Paz, Leymah Gbowee, fala durante uma coletiva de imprensa na Universidade Eastern Mennonite (EUA), em 14 de outubro de 2011 — Foto: Jon Styer/Eastern Mennonite University / Wikimedia Commons
A ganhadora do Prêmio Nobel da Paz, Leymah Gbowee, fala durante uma coletiva de imprensa na Universidade Eastern Mennonite (EUA), em 14 de outubro de 2011 — Foto: Jon Styer/Eastern Mennonite University / Wikimedia Commons

Apesar do histórico misto do prêmio – e apesar dos apelos de alguns para que ele deixe de ser concedido – acho que o Prêmio Nobel da Paz deve continuar. A guerra continua sendo um dos maiores problemas da humanidade, e a paz ainda é uma conquista humana que merece ser celebrada.

O prêmio pode estar fora do padrão

O Comitê do Nobel, na minha opinião, nem sempre concede o prêmio da paz a pessoas que realmente merecem o reconhecimento. E o prêmio não é um precursor para que a paz realmente aconteça ou seja duradoura.

Alguns dos laureados anteriores são surpreendentes, tanto para especialistas em paz quanto para observadores casuais e recebedores. Por exemplo: Barack Obama, ex-presidente dos Estados Unidos, disse que ficou surpreso com o prêmio quando o recebeu em 2009.

O comitê o reconheceu "com base em seus esforços extraordinários para fortalecer a diplomacia internacional e a cooperação entre os povos". No entanto, Obama estava no cargo de presidente há menos de um ano quando foi premiado, o que provavelmente não é tempo suficiente para fazer nenhuma dessas coisas.

Geir Lundestad, ex-secretário do Comitê do Prêmio Nobel da Paz, escreveu em seu livro de memórias de 2019 que esperava que o prêmio "fortalecesse o Sr. Obama" para buscar o desarmamento nuclear; mas, no final, ele disse que se arrependeu de ter dado o prêmio ao político estadunidense.

Outras seleções, como a do primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, se mostraram embaraçosas em retrospectiva.

Apenas um ano depois de ganhar o prêmio em 2019, Abiy ordenou uma ofensiva militar em grande escala contra a Frente Popular de Libertação do Tigré, um partido político controverso que representa a região norte de Tigré, na Etiópia.

A guerra entre os militares etíopes e a Frente Popular de Libertação do Tigré resultou em dezenas de milhares de mortes de civis antes de terminar em novembro de 2022. Uma investigação das Nações Unidas descobriu no ano passado que todos os lados do conflito cometeram crimes de guerra contra civis.

Berit Reiss-Andersen, presidente do comitê de premiação do Nobel, disse posteriormente em 2022 que Ahmed "tem uma responsabilidade especial de encerrar o conflito e contribuir para a paz".

Não é de surpreender que essas declarações de incentivo à paz – juntamente com o próprio Prêmio Nobel – tenham tido pouco efeito sobre como os vencedores do prêmio agem. Os fatores que impulsionam a guerra ou a paz são complexos e é improvável que sejam significativamente influenciados por um prêmio anual concedido na Noruega.

A paz é de longo prazo

Outros comitês de premiação do Nobel parecem entender que é necessário um tempo significativo para julgar se uma conquista realmente merece o prêmio.

Tanto os físicos quanto os economistas esperam, em média, 23 anos para receber um prêmio depois de realizarem seu trabalho premiado.

Em contrapartida, em 1973, o diplomata americano Henry Kissinger ganhou o Prêmio Nobel da Paz por negociar um cessar-fogo no Vietnã naquele mesmo ano. O cessar-fogo começou a vacilar quase imediatamente, e Saigon, a capital do Vietnã do Sul, caiu nas mãos do exército norte-vietnamita em maio de 1975. Então, Kissinger tentou, sem sucesso, devolver o prêmio. Ele observou que "a paz que buscávamos por meio de negociações foi derrubada pela força".

Da mesma forma, o líder palestino Yasser Arafat e os líderes políticos israelenses Shimon Peres e Yitzhak Rabin ganharam o prêmio da paz em 1994, um ano depois de assinarem os Acordos de Oslo, uma série de documentos que estabeleceram o autogoverno palestino para a Cisjordânia e Gaza. Mas, em 2000, os palestinos lançaram a segunda intifada, e a violência generalizada voltou à região.

O comitê do Nobel tende a conceder prêmios àqueles envolvidos em eventos atuais e não concede prêmios muito tempo depois de esses eventos terem acontecido. Mas alguns prêmios resistiram ao teste do tempo; em parte porque foram dados a indivíduos após longas lutas.

Mandela, por exemplo, ganhou o prêmio 53 anos depois de ter sido expulso da universidade por participar de um protesto. Isso deu início a uma carreira de 53 anos de ativismo e política, que incluiu 27 anos de encarceramento como prisioneiro político pelo governo contra o qual ele lutou – e que, mais tarde, liderou como presidente.

O líder palestino Yaser Arafat, à esquerda, o ministro das Relações Exteriores de Israel, Shimon Peres, ao centro, e o primeiro-ministro israelense, Yitzak Rabin, exibem seus prêmios Nobel da Paz em 1994 — Foto: Saar Yaacov, GPO / Wikimedia Commons
O líder palestino Yaser Arafat, à esquerda, o ministro das Relações Exteriores de Israel, Shimon Peres, ao centro, e o primeiro-ministro israelense, Yitzak Rabin, exibem seus prêmios Nobel da Paz em 1994 — Foto: Saar Yaacov, GPO / Wikimedia Commons

É sobre a paz

O cientista sueco Alfred Nobel – o fundador dos prêmios Nobel – disse que o Prêmio Nobel da Paz deveria ir para a pessoa "que fez mais ou fez melhor na promoção da irmandade entre as nações, na abolição ou redução de exércitos permanentes e no estabelecimento e promoção de congressos de paz".

A linguagem é um tanto arcaica, mas a mensagem é clara: o prêmio da paz foi criado para acabar com a guerra e promover a paz.

No entanto, nos últimos 20 anos, o prêmio da paz foi concedido a pessoas que trabalham com uma variedade de questões, incluindo liberdade de expressão, educação infantil e mudanças climáticas.

Todas essas questões são importantes e precisam de mais apoio e reconhecimento, mas não é verdade que a liberdade de expressão ou a adaptação às mudanças climáticas levem diretamente à paz.

Na minha opinião, há problemas e conflitos mortais mais do que suficientes no mundo, e suas soluções merecem a concessão do Prêmio Nobel da Paz como um reflexo de sua intenção original – reconhecer as tentativas de acabar com o flagelo da guerra e de construir uma paz sustentável.

* Andrew Blum é o diretor executivo do Instituto Kroc para Paz e Justiça da Universidade de San Diego, nos Estados Unidos. Anteriormente, no Instituto da Paz dos Estados Unidos em Washington D.C., ele trabalhou em iniciativas de construção da paz em países de todo o mundo, incluindo Sudão, Sudão do Sul, Nigéria, Iraque, Azerbaijão, Cazaquistão e Guiana, bem como perto de casa, em San Diego.

Este texto foi originalmente publicado em inglês no site The Conversation.

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