Curiosidade

Por Maria do Rosario Longo Mortatti* | The Conversation

A expressão “Era uma vez…” convida leitores e ouvintes – crianças, jovens, adultos e idosos – a adentrar o mundo da imaginação. Conhecida e utilizada para introduzir histórias orais e escritas, hoje mais frequentemente as destinadas a crianças, a expressão indica tempo propositalmente vago e impreciso, como forma de marcar o caráter ficcional da narrativa, convidando o leitor/ouvinte a soltar a imaginação.

Em língua francesa, registra-se o uso da expressão, pela primeira vez, pelo escritor e poeta Charles Perrault (1628–1703), no conto Les souhaits ridicules (“Os desejos ridículos”), de 1694, incluído na edição de 1871 de sua obra mais famosa, Histoires ou contes du temps passé, avec des moralités (“Histórias ou contos do tempo passado com moralidades”), conhecidos como Les contes de la mêre l'Oye (“Contos da mamãe Gansa”).

A expressão “era uma vez” e suas variantes, como “houve um tempo”, tornaram-se fórmula e chave mágica também utilizada por outros escritores daquela época, como Madame d'Aulnoy, na França, e do século seguinte, como Jeanne-Marie Leprince de Beaumont, na França, Dorothea Viehmann (1755–1815), na Alemanha – a contadora de histórias que se tornou fonte de referência para os famosos contos dos irmãos Jacob Ludwing Carl Grimm e Wilhelm Carl Grimm – e Hans Christian Andersen, na Dinamarca.

Em língua inglesa, a expressão correspondente Once upon a time e variantes têm origem no século 14, com o poema Sir Ferumbras, da canção de gesta – poema épico medieval francês, celebrando os feitos de heróis e escrito para ser declamado – sobre a época do rei Carlos Magno, e com The Canterbury Tales (“Contos da Cantuária”) do escritor e filósofo inglês Geoffrey Chaucer. Indicam, ainda, que a expressão como a conhecemos existia desde cerca do ano de 1600, tendo sido consolidada pelas narrativas de Perrault, seguido dos irmãos Grimm e de Andersen, alcançando rápida popularidade e tradução em outros países. E há também os que indicam a existência de histórias similares há mais de 6 mil anos.

Assim nasceram os contos de fadas…

Ao reunir e dar forma literária a narrativas orais na primeira edição, de 1697, de Contos da mamãe Gansa, Perrault inaugurou também um novo gênero literário e sua denominação, “contos de fadas” – histórias fantásticas contendo fadas (do latim “fatum”, que significa destino, fatalidade, fado), seres imaginários, geralmente mulheres com poderes sobrenaturais e mágicos –, expandindo seu alcance para outros públicos, além dos salões parisienses onde eram contadas para entretenimento de adultos. Posteriormente se tornaram, junto da expressão “era uma vez”, características de narrativas para crianças.

Por antecedência cronológica, porém, outros estudiosos atribuem à poetisa e tradutora francesa Marie de France as primeiras histórias com fadas, em sua obra “Lais”, coletânea de 12 poemas narrativos, escritos entre 1160 e 1215. Outros, ainda, atribuem a origem da expressão “contos de fadas” à escritora Marie-Catherine Le Jumel de Barneville, Baronesa d'Aulnoy, que, em 1690, inaugurou esse gênero literário na França, usando a expressão contes de fée, no conto L’Île de la Félicité (“Ilha da felicidade”) contido no romance Histoire d’Hypolite, Comte de Duglas.

Nos anos posteriores, aproximadamente 90 contos de fadas foram publicados por escritores e escritoras, como Gabrielle-Suzanne Barbot, na França. Nas décadas finais do século 17, diminuiu consideravelmente a publicação desse gênero literário. Perrault passou a escrever para crianças, amenizando passagens de terror e incluindo mais elementos maravilhosos, como fizeram depois os irmãos Grimm e, de certo modo, Andersen, cujas histórias nem sempre têm entrecho ou final feliz.

A história é antiga e nem sempre são consensuais as reivindicações de paternidades e maternidades, denominações e desdobramentos. No entanto, “era uma vez” e “contos de fadas” se tornaram, mais do que fórmulas/clichês, chaves mágicas de matrizes literárias clássicas, com inumeráveis versões escritas, orais, cinematográficas e em mídias contemporâneas, além de inumeráveis estudos e interpretações, como em Psicanálise dos contos de fadas (1970), do austríaco Bruno Bettelheim, e Morfologia do conto maravilhoso (1928), do russo Vladimir Propp.

E continuam convidando leitores e ouvintes a se deixarem encantar pelo mundo da imaginação, para deleite e satisfação da necessidade humana de fantasia, direito humano básico, nas palavras do crítico literário Antonio Candido.

*Maria do Rosario Longo Mortatti é poeta, escritora e professora titular do Departamento de Didática e Programa de Pós-Graduação em Educação no campus de Marília na Universidade Estadual Paulista (Unesp). Este artigo foi publicado originalmente no site The Conversation.

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