Saúde

Por Karina Ninni | Agência FAPESP

Causado pela exposição ao amianto (asbesto), o mesotelioma pleural maligno é um tipo de câncer raro, mas muito agressivo, com prognóstico de sobrevida de seis a 18 meses, o que torna necessária a identificação de novos marcadores preditivos e prognósticos para a doença.

Em trabalho publicado no periódico Frontiers in Immunology, patologistas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) sugerem que a expressão de uma molécula chamada mesotelina (uma proteína sintetizada por células tumorais do mesotelioma) ajuda a prever a evolução clínica do paciente. E, ainda, que a proteína seria um potencial alvo terapêutico.

“Existem vários outros alvos terapêuticos, mas essa proteína tem sido um candidato muito promissor, a ‘menina dos olhos’, tanto como marcador prognóstico quanto preditivo da doença, mas não é só isso. Ao inibi-la, vimos que é possível diminuir a proliferação celular e conter o crescimento tumoral”, revela Vera Luiza Capelozzi, uma das autoras do artigo.

Ela explica que a exposição às fibras do asbesto destrói as células mesoteliais normais da pleura, membrana que reveste o pulmão. A doença se desenvolve a partir do efeito combinado entre as células da pleura e os macrófagos (células de defesa) que fagocitam as fibras do asbesto

“O asbesto é um silicato que tem a estrutura semelhante à de um cristal. Quando a fibra de asbesto é inalada, o macrófago, nossa principal célula de defesa, fagocita essa fibra, mas não consegue destruí-la. Com o tempo, ocorrem reações inflamatórias recorrentes. Ao redor desse macrófago estão as células normais da pleura. Com o passar dos anos, as células mesoteliais que tiveram contato com esse macrófago portador da fibra podem se proliferar sem controle e, em uma dessas divisões, podem se transformar em células neoplásicas.”

A doença fica latente por um período e costuma aparecer após os 50 anos. Acomete mais homens do que mulheres, principalmente trabalhadores ou ex-funcionários de empresas que empregavam ou empregam asbesto em materiais como caixas d’água, telhas, forros, pisos e divisórias. A Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu alertas sobre o amianto, classificado como reconhecidamente cancerígeno e banido em diversos países, incluindo o Brasil, que só o proibiu em 2017, depois de anos de pressão das vítimas de doenças causadas pelo material, entre elas o mesotelioma pleural. Desde então, muitas vezes reunidos em associações, os afetados vêm processando empregadores.

“Esse tumor tem várias implicações e uma delas é jurídica. Ao assinar um laudo de mesotelioma maligno, abre-se uma fronteira para ajudar o oncologista, o cirurgião, mas também para embasar processos trabalhistas. É um terreno no qual é preciso ser muito firme”, comenta a pesquisadora.

Microambiente favorável

A equipe confirmou a importância da mesotelina – como biomarcador e como alvo promissor no tratamento do mesotelioma – e ainda examinou sua relação com o sistema imunológico no cenário do microambiente tumoral.

“Nossa ideia desde o início foi avaliar o microambiente tumoral e não a expressão gênica. Porque, se o microambiente tumoral não for favorável, a célula tumoral não progride. Esse cenário é importante para a célula se movimentar, invadir e se implantar em outros órgãos.”

Na busca de um tratamento promissor para a doença, os cientistas investigaram a expressão proteica da mesotelina e do fator programmed cell death ligant 1 (PD-L1), uma proteína de ponto de controle (checkpoint) imunológico que regula a resposta de defesa e previne a autoimunidade (o ataque a tecidos saudáveis).

“O PD-L1 é nosso sentinela imunológico, ele controla a produção de autoanticorpos pelo organismo. A expressão de PD-L1 e mesotelina pelo tumor cria uma barreira funcional contra as células malignas, inibindo sua migração e restaurando o cenário imunológico”, afirma Capelozzi.

A equipe de cientistas mostrou que a mesotelina remodela a matriz imunológica do microambiente tumoral, recrutando diferentes tipos de células do sistema imune e aumentando o colágeno tipo I, o que contribui para o estabelecimento de uma barreira mecânica antitumoral, mitigando o risco de morte.

Os cientistas confirmaram, também, o potencial da mesotelina como biomarcador, pois demonstraram que o risco de morte foi três vezes maior entre os pacientes não operados com baixa expressão de mesotelina nas células tumorais, altos níveis de PD-L1 e baixa infiltração de células linfoides T CD4+ (envolvidas em diversas respostas imunológicas) no microambiente tumoral.

Protocolo promissor

Para selecionar a amostragem, foi feito um levantamento retrospectivo utilizando amostras cirúrgicas e biópsias de pacientes com mesotelioma obtidas em parceria com o Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas (Laboratório de Anatomia Patológica), Instituto do Câncer de São Paulo (Icesp) e Hospital das Clínicas da FM-USP. O trabalho teve apoio da FAPESP por meio de três projetos (18/20403-6, 22/06510-0 e 23/02755-0).

Dos 246 casos inicialmente selecionados, 82 amostras foram incluídas no estudo. Dados dos pacientes, incluindo sexo, idade, histórico de exposição ao amianto, histologia, tratamentos realizados e tempo de sobrevivência, foram coletados.

Os cientistas construíram microarranjos (microarrays) de tecidos das 82 amostras em lâminas e conduziram ensaios de imuno-histoquímica e imunofluorescência. “Usando a mesotelina e o PD-L1, fizemos a reação antígeno-anticorpo no tecido tumoral para detectar a expressão dos biomarcadores. Quando adicionado um fluorógeno [substância fluorescente], a mesotelina assume uma coloração acastanhada”, conta a cientista.

As lâminas preparadas pelos pesquisadores também foram digitalizadas em um scanner especial. Para quantificar a expressão de diferentes marcadores, as lâminas digitalizadas foram analisadas usando um software chamado QuPath. De acordo com a intensidade da coloração assumida pela mesotelina, foi possível saber se ela está hiperexpressa, hipoexpressa ou se é negativa.

“Com esse trabalho, conseguimos demonstrar que a mesotelina é importante no microambiente tumoral e que, alinhada ao PD-L1, pode representar um protocolo terapêutico promissor. Estamos progredindo com os estudos para analisar a relação da mesotelina e do PD-L1 com o microambiente, avaliando colágeno e fibra elástica, componentes fibrilares da matriz extracelular que possibilitam à célula migrar por aí e ultrapassar as barreiras mecânicas que o organismo cria para evitar que a célula tumoral caia na circulação e se implante em outros locais, causando a metástase”, resume Capelozzi.

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