Ciência

Por Marília Marasciulo

A mussarela é muito mais do que apenas uma cobertura de pizza. Um queijo italiano único, a mussarela de búfala da Campânia é reconhecida como uma iguaria e protegida pela legislação da União Europeia há quase 30 anos. Mas o que torna a torna tão especial?

Os ingredientes são simples: leite de búfala, coalho e fermento natural de soro de leite, processado com água doce e salmoura. O segredo está nos micróbios presentes no soro de leite, cruciais para o desenvolvimento da mussarela.

Cientistas italianos fizeram uma análise de DNA desses micróbios em diferentes estágios do processo para entender exatamente como eles trabalham. “Este estudo lança luz sobre as intrincadas interações dos microrganismos ao longo do processo de fabricação e promove uma compreensão mais profunda do artesanato por trás deste estimado queijo italiano”, escreve Alessia Levante, da Universidade de Parma, autora principal do estudo, publicado em agosto de 2023 na Frontiers in Microbiology.

Mussarela sob o microscópio

Para se qualificar ao status de Denominação de Origem Protegida (DOP), a mussarela de búfala deve ser preparada de acordo com uma receita específica. O leite de búfala cru ou pasteurizado é aquecido e inoculado com coalho e soro de leite natural. Isso faz a coalhada acidificar rapidamente, levando-a ao pH certo e tornando-a elástica o suficiente para ser moldada.

A coalhada que se forma amadurece por cerca de quatro horas até atingir o pH correto, quando se torna elástica e pode ser esticada e moldada em água fervente. Essa coalhada é então endurecida em água corrente e salgada. Pequenas variações neste procedimento fazem a diferença entre os produtos de diferentes laticínios.

Para investigar o papel das bactérias, e se isso varia entre as queijarias tradicionais e as mais modernas, Levante e a sua equipe selecionaram duas queijarias que produzem mussarela que se qualifica para o estatuto de DOP: uma maior e que utiliza tecnologia mais moderna, outra menor e que utiliza processo tradicionais. Eles coletaram amostras de leite, soro de leite natural, coalhada de queijo antes do alongamento, salmoura e mussarela.

“Embora ambos os laticínios produzissem mussarela de búfala Campana DOP, variações sutis, como temperatura e duração dos processos, influenciaram a composição microbiana do queijo e potencialmente impactaram as propriedades organolépticas”, explica Levante.

Bactérias ganham uma pedaço da ação

Na anaálise, 19 amostras foram concentradas o suficiente para realizar o sequenciamento de genes usando a técnica 16S rRNA amplicon. Isso funciona sequenciando o DNA de uma amostra e amplificando regiões específicas de um gene altamente variável, usando então esses dados para identificar as espécies de micróbios presentes e as proporções em que aparecem.

A equipe descobriu que o leite pasteurizado usado pelos laticínios mais modernos adicionou menos micróbios e espécies de micróbios no processo do que o leite termizado usado pelos laticínios mais tradicionais, mas que as amostras de salmoura eram tão ricas em espécies quanto as amostras de queijo processado. Durante o processo de coalhada, um pequeno número de espécies se desenvolve e assume o controle.

Ambas as amostras foram dominadas por micróbios dos gêneros Lactobacillus e Streptococcus. O fermento natural de soro de leite dos laticínios mais tradicionais tinha abundância aproximadamente igual de ambos, enquanto os laticínios mais modernos usavam um fermento natural de soro de leite dominado por Streptococcus.

Algumas espécies dentro de cada gênero eram específicas para cada laticínio. Após a coagulação, em ambos os conjuntos de amostras, o Lactobacillus aumentou e o Streptococcus diminuiu, possivelmente porque o estresse térmico causado pelo processo de estiramento foi removido.

A salmoura também oferece uma fonte de diversidade microbiana: ela inocula a camada externa do queijo com novos micróbios à medida que toca a superfície do queijo. No entanto, nem todos os micróbios da salmoura aparecem no queijo. Isso pode ser devido ao fato de não serem adequados para viver do queijo ou porque se desenvolvem mais tarde durante o prazo de validade, após a colheita das amostras do laticínio.

Apesar do grande número de espécies de micróbios disponíveis no leite e na salmoura, parece que a composição microbiana da mussarela é mais influenciada pelo starter natural de soro de leite. “Estamos planejando um projeto maior para investigar mais profundamente o papel do leite cru de búfala na definição da microbiota”, pontua Levante. “O escopo deste estudo foi limitado a duas fazendas leiteiras e um tamanho de amostragem específico. Para fornecer insights mais abrangentes sobre as complexidades microbianas da produção tradicional de alimentos, pesquisas futuras pretendem abranger um maior número de produtores e dias de fabricação.”

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