História

Por Lindsay Middleton* | The Conversation

A English Heritage [agência de preservação natural ou cultural da Inglaterra] agora está vendendo o que chama de “a melhor coisa desde o pão fatiado” em 13 de seus locais – sorvete de pão integral, sobremesa inspirada em uma receita da era georgiana. O anúncio dele menciona vários outros sabores georgianos estranhos testados pela English Heritage antes de chegar ao pão integral, como parmesão e pepino.

A English Heritage não está sozinha em seus esforços para seduzir os visitantes com guloseimas históricas. Em Edimburgo, o National Trust for Scotland's Gladstone's Land possui uma sorveteria ligada à leiteria que existia lá em 1904. A propriedade vende sorvete de flor de sabugueiro e coalhada de limão com base em uma receita de 1770, e os visitantes podem fazer vários passeios turísticos gastronômicos.

Embora o sorvete de pão integral, elogiado por seu sabor de nozes e caramelo, possa ser um sabor mais familiar para os consumidores contemporâneos do que outras ofertas históricas, as delícias geladas consumidas na Grã-Bretanha nos séculos anteriores tinham uma enorme variedade de sabores e formas.

Agnes Marshall, a autoridade em sorvetes no final do século 19, publicou dois livros de receitas especificamente sobre “ices” ["gelos"] (1885) e “fancy ices” ["gelos chiques"] (1894). Eles incluíam sabores de um espinafre gelado "à la crème", que era elaboradamente moldado e colorido, a pequenos sorvetes apimentados servidos em xícaras.

Alguns dos diferentes designs de sorvete feitos por Agnes B. Marshall — Foto: Dominic Winter Auctioneers
Alguns dos diferentes designs de sorvete feitos por Agnes B. Marshall — Foto: Dominic Winter Auctioneers

Este último consistia em um patê de frango temperado com curry em pó e molho inglês, gemas de ovos e anchovas. Ele era misturado com molho de carne, gelatina e chantilly, antes de ser congelado em copos decorativos e servido “para almoço ou segundo prato”.

Textos mais antigos contêm sabores ainda mais estranhos ao lado de ofertas típicas de doces.

L'Art de Bien Faire les Glaces d'Office (1768), do gourmet francês Monsieur Emy, tem receitas de sorvetes de trufas, açafrão e de vários sabores de queijo.

A história do sorvete

Na época em que Marshall estava publicando, o sorvete era muito mais acessível ao público do que nos séculos anteriores. Antes dos anos 1800, o gelo era coletado de cursos de água congelados e armazenado em depósitos congelados subterrâneos, que, em sua maior parte, eram restritos a grandes propriedades com as terras, riquezas e recursos necessários.

A partir da década de 1820, no entanto, o gelo começou a ser para a Grã-Bretanha a partir da Europa continental, depois, foi trazido dos Estados Unidos. Ele era armazenado em poços de gelo e armazéns.

A importação de estoques maiores de gelo reduzia os custos, enquanto inovadores projetavam aparelhos para congelamento mecânico.

Levaria muito tempo até que o gelo fosse facilmente produzido em casa. Mas com ele ficando mais barato, o sorvete se tornava mais prontamente disponível, e os implementos eram concebidos para que sorvetes pudessem ser feitos em casa. Os livros de receitas de Emy e Marshall retratando máquinas de sorvete e o freezer patenteado de Marshall alistavam a mesma técnica de congelamento do Sarbotiere et son Seau (recipiente de congelador e balde) de Emy.

Gelo e sal eram colocados ao redor de um balde, dentro do qual uma mistura de creme ou água era mexida ou girada até congelar. A inovação de Marshall foi a panela rasa, que deu uma maior área de superfície para um congelamento mais rápido. Equipadas com esse tipo de freezer (e talvez com a Ice Cave patenteada por Marshall, para armazenar os sorvetes), as donas de casa de classe média podiam produzir sorvete em suas próprias cozinhas.

Sorvete e lazer

Atualmente, o sorvete é adequado para atrair visitantes em propriedades patrimoniais – não por causa da história de como era produzido em casa, mas devido às suas conotações de férias. Seja um “99” [tipo de casquinha], um “oyster” [sorvete salgado] saboreado na praia ou o jingle de um caminhão de sorvete, o sorvete tem vínculos culturais e emocionais claros com recreação e diversão. Isso também era verdade no passado.

Na Grã-Bretanha do século 19, vendedores ambulantes (muitos deles imigrantes italianos) começaram a vender penny licks [copos para servir sorvete], ou “hokey-pokey”, em barracas ou carrinhos nas ruas. Em contraste com as iguarias imaculadamente moldadas no livro de receitas de Marshall – que exigiam a compra de vários equipamentos –, estes sorvetes podiam ser apreciados em qualquer lugar. Também eram baratos, como está implícito no "penny" [“centavo”] do seu nome.

Os clientes compravam seu sorvete em um copo do tipo “lick”, comiam-no e, depois, devolviam o recipiente ao vendedor para reutilização. Com o crescente número de resorts à beira-mar e a ascensão da indústria do lazer ao longo do século 19, os sorvetes passaram a ser apreciados durante as férias, em excursões diárias e também em eventos públicos, como exposições ou feiras.

Crianças cercam um vendedor de sorvete em 1909 — Foto: Wikimedia Commons
Crianças cercam um vendedor de sorvete em 1909 — Foto: Wikimedia Commons

É a portabilidade do sorvete, bem como o seu apelo culinário, que o levou a ocupar um lugar duradouro no nosso tempo de lazer – uma iguaria deliciosa que pode ser saboreada, com uma só mão, como parte de uma experiência mais vasta. O ato de comer sorvete preparado a partir de uma receita georgiana ou vitoriana [em locais históricos da Inglaterra], portanto, conecta os visitantes de hoje a uma longa tradição de desfrutar de sorvetes de forma recreativa.

Embora seja improvável que as propriedades patrimoniais adotem as formas menos higiênicas de consumo de sorvete, servir receitas históricas dá aos visitantes a chance de saborear uma nova camada sensorial do passado. Esse gosto pode ser ligado a histórias maiores. Do sorvete podemos aprender sobre a evolução tecnológica, a mudança de atitudes em relação ao saneamento, as viagens globais, a disponibilidade de ingredientes ao longo do tempo, as tendências, a moda e os hábitos de lazer.

Mergulhar na história da comida – das latas em nossos armários a uma xícara de chá ou um sorvete na praia – pode trazer uma nova perspectiva tanto para o passado quanto para o presente.

* Lindsay Middleton é Historiadora de Alimentos e Associada de Intercâmbio de Conhecimentos da Universidade de Glasgow, no Reino Unido. Este texto foi originalmente publicado em inglês no site The Conversation.

Mais recente Próxima Revertendo a morte: conheça a história bizarra das técnicas de reanimação
Mais de Galileu

Cientistas observaram região acima da Grande Mancha Vermelha com o telescópio James Webb, revelando arcos escuros e pontos brilhantes na atmosfera superior do planeta

Formas estranhas e brilhantes na atmosfera de Júpiter surpreendem astrônomos

Yoshiharu Watanabe faz polinização cruzada de trevos da espécie "Trifolium repens L." em seu jardim na cidade japonesa de Nasushiobara

Japonês cultiva trevo recorde de 63 folhas e entra para o Guinness

Especialista detalha quais são as desvantagens do IMC e apresenta estudo que defende o BRI como sendo mais eficaz na avaliação de saúde

Devemos abandonar o IMC e adotar o Índice de Redondeza Corporal (BRI)?

Consumidores de cigarro eletrônico apresentam índices de nicotina no organismo equivalentes a fumar 20 cigarros convencionais por dia, alertam cardiologistas

Como o cigarro (inclusive o eletrônico) reduz a expectativa de vida

Artefatos representam as agulhas de pedra mais antigas que se tem registro até hoje. Seu uso para confecção de roupas e tendas para abrigo, no entanto, é contestado

Agulhas de pedra mais antigas da história vêm do Tibete e têm 9 mil anos

Cofundador da Endiatx engoliu durante palestra da TED um aparelho controlado por um controle de PlayStation 5 que exibiu imagens em tempo real de seu esôfago e estômago; assista

Homem ingere robô "engolível" e transmite interior de seu corpo para público

Pesquisadores coletaram amostras do campo hidrotérmico em profundidades de mais de 3 mil metros na Dorsal de Knipovich, na costa do arquipélago de Svalbard

Com mais de 300ºC, campo de fontes hidrotermais é achado no Mar da Noruega

Além de poder acompanhar a trajetória das aves em tempo real, o estudo também identificou as variáveis oceanográficas que podem influenciar na conservação dessas espécies

6 mil km: projeto acompanha migração de pinguim "Messi" da Patagônia até o Brasil

Estudo é passo inicial para que enzimas produzidas pelo Trichoderma harzianum sejam usadas para degradar biofilmes orais

Substância secretada por fungos tem potencial para combater causa da cárie dental

Lista traz seleção de seis modelos do clássico brinquedo, em diferentes tipos de formatos, cores e preços; valores partem de R$ 29, mas podem chegar a R$ 182

Ioiô: 5 modelos profissionais para resgatar a brincadeira retrô