Uma antiga era glacial há cerca de 1,1 milhão de anos pode ter causado a extinção dos primeiros humanos europeus. Esse período foi detalhado em um estudo publicado no último dia 10 de agosto na revista Science.
O clima do sul da Europa esfriou significativamente naquela época, alcançando níveis além do que os humanos arcaicos poderiam tolerar. Isso esvaziou as populações humanas no continente. “Nossa descoberta de um evento de resfriamento glacial extremo há cerca de 1,1 milhão de anos desafia a ideia da ocupação humana precoce contínua da Europa”, avalia o autor sênior do estudo, Chronis Tzedakis, professor da Universidade College London (UCL), em comunicado.
A pesquisa foi liderada por cientistas da UCL Geography e do IBS Centre for Climate Physics, da Universidade Nacional de Pusan, na Coreia do Sul, em parceria com pesquisadores da Universidade de Cambridge, do CSIC Barcelona, do Museu de História Natural de Londres e do Museu Britânico.
Os cientistas analisaram a composição química de microrganismos marinhos e examinaram o conteúdo de pólen em um núcleo de sedimento do fundo do mar recuperado na costa de Portugal. Isso revelou mudanças climáticas abruptas que culminaram em um resfriamento glacial extremo, com temperaturas da superfície do oceano ao largo da atual Lisboa abaixo de 6°C e semidesertos se expandindo no entorno.
“Um resfriamento dessa magnitude teria colocado pequenos bandos de caçadores-coletores sob estresse considerável, especialmente porque os primeiros humanos podem não ter adaptações, como isolamento de gordura suficiente e também os meios para fazer fogo, roupas ou abrigos eficazes”, explica o coautor do estudo, Nick Ashton, do Museu Britânico.
Para avaliar tais consequências nos primeiros humanos europeus, o coautor Axel Timmermann e sua equipe do IBS Center for Climate Physics executaram uma simulação climática em seu supercomputador Aleph. Em seguida, combinaram o resultado com pistas fósseis e arqueológicas da ocupação humana no sudoeste da Eurásia.
Então, a equipe desenvolveu um modelo de habitat humano que prevê o quão adequado o ambiente era para a ocupação inicial. “Os resultados mostraram que há 1,1 milhão de anos o clima ao redor do Mediterrâneo tornou-se muito hostil para os humanos arcaicos”, diz Timmermann.
Segundo o especialista, os dados do núcleo de sedimentos apontam ainda que as temperaturas caíram rapidamente de 5 a 7°C no Atlântico leste há cerca de 1,12 milhão de anos. “Nossa modelagem desse evento sugere que ele teria resultado em um resfriamento generalizado e duradouro da Europa em pelo menos 3°C”, diz ele, em outro comunicado.
Mas os cientistas não sabem ao certo o porquê desse resfriamento. “É possível que isso tenha algo a ver com a configuração particular da órbita da Terra naquele momento", supõe Tzedakis. "De qualquer forma, essa é provavelmente a primeira vez que o ciclo glacial se alonga, levando a mudanças duradouras no clima do planeta.”
Os pesquisadores supõem também que esse resfriamento possa ter sido causado pelo derretimento e a rápida desintegração de uma grande camada de gelo que cobre o Ártico, bem como partes da América do Norte e da Europa.
A equipe concluiu que, diante da era glacial, a Península Ibérica e, mais precisamente, o sul da Europa, foram despovoados durante o Pleistoceno Inferior. Esse hiato duradouro na ocupação europeia é reforçado por uma aparente falta de ferramentas de pedra e restos humanos nos 200 mil anos seguintes.
“De acordo com esse cenário, a Europa pode ter sido recolonizada há cerca de 900 mil anos por humanos mais resilientes com mudanças evolutivas ou comportamentais que permitiram a sobrevivência na crescente intensidade das condições glaciais”, conta Chris Stringer, do Museu de História Natural de Londres.