Biologia

Por Redação Galileu

Um novo estudo lança luz sobre o declínio de cães já extintos, que foram domesticados por comunidades indígenas Coast Salish no Noroeste do Pacífico por milênios. A pesquisa foi publicada nesta quinta-feira (14) na revista Science.

Extintos no início do século 20, os cachorros Salish Wool (Canis lupus familiaris) eram tosquiados pelos indígenas como ovelhas. A lã dos cães era usada para confeccionar cobertores, cestos e outros itens para vários propósitos cerimoniais e espirituais, já que esses animais tinham significado espiritual e muitas vezes eram tratados como membros queridos da família.

Até meados do século 19, essa tradição de tecelagem de lã de cães estava em declínio. No final da década de 1850, o naturalista e etnógrafo George Gibbs cuidou de um cão Salish Wool chamado Mutton. Após a morte do cachorro, Gibbs enviou sua pele para o então recém-criado Instituto Smithsonian, nos EUA, onde a lã permaneceu desde então.

Poucos sabiam da existência da pele até que ela foi redescoberta no início dos anos 2000. A bióloga molecular evolutiva Audrey Lin ficou sabendo sobre Mutton em 2021 e ficou surpresa ao descobrir que praticamente nenhum trabalho havia sido feito sobre a genética dos cães Salish Wool.

Reconstrução forense de um cão Salish Wool com base em uma pele de 160 anos da coleção do Smithsonian, bem como em vestígios arqueológicos — Foto: Karen Carr
Reconstrução forense de um cão Salish Wool com base em uma pele de 160 anos da coleção do Smithsonian, bem como em vestígios arqueológicos — Foto: Karen Carr

"Quando vi Mutton pessoalmente pela primeira vez, fiquei simplesmente empolgada", disse Lin, que é pesquisadora pós-doutorada no Museu Americano de História Natural, em comunicado. "Ouvi de algumas pessoas que ele estava um pouco desgrenhado, mas achei que ele era lindo."

Encantada, a pesquisadora se uniu ao antropólogo Logan Kistler e eles entraram em contato com várias comunidades Coast Salish para avaliar o interesse delas em trabalhar juntas em um possível projeto de pesquisa sobre os cachorros Salish Wool.

A pele de 160 anos do cachorro Mutton na coleção do Smithsonian — Foto: Brittany M. Hance, Smithsonian
A pele de 160 anos do cachorro Mutton na coleção do Smithsonian — Foto: Brittany M. Hance, Smithsonian

"Ficamos muito animados em participar de um estudo que abraça a ciência ocidental mais sofisticada com o conhecimento tradicional mais estabelecido", disse Michael Pavel, um Ancião da comunidade Coast Salish Skokomish/Twana em Washington, que se lembra de ouvir falar sobre esses cães extintos no início de sua infância.

Além de entrevistarem membros da comunidade indígena da Colúmbia Britânica, no Canadá, e de Washington, nos Estados Unidos, os pesquisadores sequenciaram o genoma de Mutton e o compararam com o de raças antigas e modernas de cães.

Um cobertor Coast Salish de estilo clássico, que inclui uma mistura de lã de cachorro e cabra — Foto: Smithsonian
Um cobertor Coast Salish de estilo clássico, que inclui uma mistura de lã de cachorro e cabra — Foto: Smithsonian

Os especialistas identificaram certas assinaturas químicas chamadas isótopos na pele de Mutton para determinar a dieta do cão e se juntaram à ilustradora renomada de história natural Karen Carr para criar uma reconstrução realista de como o cachorro era na década de 1850. O trabalho é o primeiro desse tipo de um cão da raça extinta em quase três décadas.

Dieta e ancestralidade

Em artigo publicado no site The Conversation, Lin, Kistler e seu colega de pesquisa, Chris Stantis, relatam que as entrevistas com anciões indígenas confirmaram que a dieta dos cães Salish Wool era muito diferente dos cachorros de aldeia: eles comiam alimentos especiais que os mantinham saudáveis e com pelo brilhante, como salmão, carne de alce e certas plantas locais.

Valores isotópicos estáveis ​​da pelagem de Mutton sugeriram que ele vinha consumindo milho por um tempo, mas cada vez menos até o momento de sua morte. "Embora Gibbs tenha observado em seu diário que Mutton estava doente antes de morrer, não havia evidências isotópicas que corroborassem uma doença crônica; Mutton pode ter adoecido rapidamente", dizem os pesquisadores.

Os dados genéticos sugerem ainda que os cachorros Salish Wool divergiram de outras raças há no máximo 5 mil anos. Mutton era geneticamente semelhante a cães pré-coloniais de Newfoundland e Colúmbia Britânica, com cerca de 85% de sua ancestralidade podendo estar ligada à dos cachorros pré-coloniais.

Essa ancestralidade antiga é surpreendente porque Mutton viveu décadas após a introdução de raças de cães europeias. Isso torna provável que as comunidades Coast Salish continuaram a manter a composição genética única dos cães dessa raça até pouco antes de sua extinção.

No entanto, a genética de Mutton pouco pôde dizer aos pesquisadores sobre o que causou o declínio desses cães. Tradicionalmente, estudiosos especulavam que a chegada de cobertores feitos à máquina à região no início do século 19 tornou os cães Salish Wool dispensáveis.

Mas o novo estudo sugere que, em vez disso, os cães se extinguiram afetados pelos mesmos fatores que aniquilaram os indígenas após a chegada dos europeus: doenças, genocídio cultural, deslocamento e assimilação forçada provavelmente impediram que as comunidades Coast Salish mantivessem seus cães. "Foram milhares de anos de cuidadosa manutenção perdidos em algumas gerações", lamenta Lin.

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