Membros do Comitê Consultivo para Africanos Libertados da ilha de Santa Helena, um território britânico no Oceano Atlântico, estão pedindo para que o governo local devolva os restos mortais de centenas de africanos escravizados para as nações de origem dessas pessoas.
O governo de Santa Helena está sob o risco de enfrentar ações legais caso não faça a repatriação dos resquícios humanos, conforme divulgado pelo jornal The Guardian nesta quarta-feira (27).
No passado, a ilha de Santa Helena foi extremamente relevante para o tráfico negreiro devido à sua posição geográfica: ela fica entre a América do Sul e a África, como explica a organização St Helena National Trust. Hoje, a região é associada aos “vestígios físicos mais significativos do comércio transatlântico de escravizados existentes na Terra”, sobretudo por causa do Vale de Rupert, onde há cemitérios de escravizados.
Em 2008, durante trabalhos de construção relacionados ao Aeroporto de Santa Helena, 325 restos humanos do Vale de Rupert foram desenterrados. Eles permaneceram por mais de uma década aguardando um novo sepultamento – que só ocorreu em agosto de 2022.
Diante desse cenário, o Comitê Consultivo para Africanos Libertados fez um projeto para assegurar um enterro digno aos escravizados em suas nações e proteger os mais de 10 mil remanescentes que ainda estão no Vale de Rupert.
O governo da ilha de Santa Helena concordou com o plano. Mas, de acordo com Annina van Neel e Peggy King Jorde, coautoras do projeto, o combinado não foi cumprido adequadamente. Não há, por exemplo, um memorial indicando onde os mais de 300 resquícios foram novamente enterrados. Além disso, não foi criada uma área de conservação nacional para proteger o local em que estavam os sepultamentos originais.
Por isso, van Neel solicitou a ajuda do Estado da Diáspora Africana (Soad, na sigla em inglês) para repatriar os 325 restos mortais de africanos escravizados. “Eu sempre dizia que não queria tornar isso político. Mas aí eu penso que, com o novo enterro, eu percebi quão político realmente é: quem está encarregado da herança desse local sagrado e quem alegou estar encarregado?”, comenta ela, ao The Guardian.
A repatriação se apoia em diretrizes como a da Unesco, cuja convenção aborda meios de proibição e prevenção da importação, exportação e transferência ilícitas de propriedade de bens culturais. Se a decisão não for acatada, a intenção é levar o caso a cortes internacionais.
Um porta-voz do governo de Santa Helena afirmou que o pedido de repatriação do Soad está sendo considerado, mas que um “progresso significativo” tem sido feito para cumprir o projeto idealizado por Annina van Neel e Peggy King Jorde, descrito como “um documento ‘vivo’ que contém múltiplas fases de entrega”.
O que acontecia com os escravizados na ilha de Santa Helena?
Em geral, os africanos "libertados” eram enviados de volta à África ou a outros países – sendo que alguns passaram a trabalhar para a coroa britânica.
Entre 1840 e 1872, mais de 25 mil indivíduos desembarcaram na ilha de Santa Helena. A maioria deles ficava no Vale de Rupert, onde havia uma série de tendas e cabanas de madeira destinadas a eles.
Os africanos chegavam ao local após autoridades britânicas capturarem navios negreiros, em uma tentativa de acabar com o comércio transatlântico de escravizados – que era considerado prejudicial à economia do Reino Unido.