• Yirga Gelaw Woldeyes, Professor de Direitos Humanos, Curtin University*
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Sarcófagos no Museu Britânico. (Foto: Wikimedia Commons)

Sarcófagos no Museu Britânico. (Foto: Wikimedia Commons)

Sabe-se que um grande número de artefatos mantidos em museus e bibliotecas ocidentais foi apropriado ao longo dos tempos por meio da conquista e do colonialismo. A pilhagem de objetos africanos ocorreu tanto na guerra quanto em tempos de paz. Foi justificado como um ato de benevolência; como salvar o conhecimento que está morrendo.

Alguns museus começaram a tentar reconhecer que suas coleções têm histórias desconfortáveis ​​ligadas à violência colonial. No entanto, a política de longa data do Reino Unido não é de cessar a propriedade sobre seus tesouros saqueados. Como o então primeiro-ministro David Cameron disse sobre os mármores Elgin, da Grécia, e o diamante Koh-i-Noor, da Índia: "Não, eu certamente não acredito em 'retorno', por assim dizer. Eu não acho que isso seja sensato".

A defesa contra a “devolução” é a mesma justificativa que os museus dão à sua existência: eles são guardiões e conservadores dos tesouros culturais e naturais da humanidade. Isso pode parecer uma causa válida. Mas, essencialmente, significa que os etíopes, ou os povos da Índia e da Grécia, não são confiáveis ​​para preservar sua própria herança cultural. É por isso que os pedidos de repatriação aumentam a cada dia.

Um problema mais sério é que as coleções retêm e perpetuam as narrativas estereotipadas que os europeus tinham — e ainda têm — sobre os africanos.

Os milhares de artigos coletados na maioria dos museus não são acompanhados de sua história original. Os itens exibidos são selecionados, organizados e recebem tags ou identificações de europeus. O poder de selecionar, nomear e decidir o significado desses objetos faz dos europeus os autores da história africana.

Legados
O Conselho Internacional de Museus celebra as instituições a cada 18 de maio, afirmando que eles são: "um importante meio de intercâmbio cultural, enriquecimento de culturas e desenvolvimento de compreensão mútua, cooperação e paz entre os povos. Museus e bibliotecas preservam artefatos e manuscritos em nome da preservação cultural, para que as gerações futuras possam apreciá-los."

Mas isso nem sempre é o caso. A verdade é que existem artefatos em exibição nos museus ocidentais que não conseguem atender a essas ideias grandiosas.

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Esse artefatos variam de animais e objetos culturais a coleções de restos humanos. Os fósseis incluem milhares de crânios africanos. Essas coleções são lembranças do racismo científico e da criação de zoológicos humanos, que ocorreram em 1958, quando pessoas do Congo foram expostas em um evento mundial.

Quadro retrata a presença de tropas de Napoleão Bonaparte no Egito (Foto: Reprodução)

Quadro retrata a presença de tropas de Napoleão Bonaparte no Egito (Foto: Reprodução)

Eles não expressam a história ou a cultura da África, nem oferecem qualquer meio de "intercâmbio cultural ou compreensão mútua", como sugere o Conselho Internacional de Museus. São parte do legado de homens europeus que viajaram para terras distantes e trouxeram itens de interesse que fascinaram seu público no que era, então conhecidos como o "gabinetes da curiosidade", uma maneira popular de representar lugares e vidas desconhecidos.

Os "gabinetes de curiosidade" evoluíram para museus modernos. Hoje existem algumas tentativas de tornar as exibições africanas mais sensíveis culturalmente. Por exemplo, o Museu da África belga foi reformado com o objetivo de remover sua narrativa racista e neocolonial.

Mas essas mudanças não equivalem à inversão da narrativa colonial. Elas simplesmente fazem os museus parecerem progressistas e relevantes para a sociedade atual.

Outra tática usada por museus e bibliotecas é afirmar que eles estão disponibilizando textos para a humanidade digitalizando manuscritos e documentos. Mas esses livros só são acessíveis a pessoas que falam o idioma europeu no qual são catalogados e aqueles que têm conexão com a internet. Se os livros não forem digitalizados, a única maneira de acessá-los é viajar para a biblioteca e obter uma permissão de leitor ou pesquisador — [o que está] claramente além dos meios daqueles que poderiam usá-los para sua finalidade original.

Em vários museus etnológicos ocidentais, onde os itens coloniais ainda são mantidos, os africanos continuam a ser descritos como tribos guerreiras, com crenças supersticiosas e culturas homogêneas e imutáveis. Mesmo quando os museus tentam oferecer uma visão do propósito original ou significado de certos artefatos, eles inevitavelmente vêm de uma perspectiva europeia.

Justificando a repatriação
A repatriação parece ser a única maneira de abordar a injustiça histórica que os museus causaram. Isso é crucial para restaurar a agência dos africanos como produtores de sua própria história.

A preservação não é a única resposta para a questão do que fazer com a vasta riqueza de itens naturais, culturais e intelectuais, incluindo restos humanos, mantidos em museus ocidentais. Após a repatriação, os africanos devem determinar o valor e o local dessas coleções. Nem todos os artefatos precisam ser preservados e colocados em exibição. Eles são fontes vivas de conhecimento, objetos de adoração e expressões de vida.

Por exemplo, os restos humanos, incluindo os crânios de ancestrais africanos, podem ser enterrados seguindo as tradições locais. Os artefatos culturais podem se tornar fontes de conhecimento e contar histórias.

Atrocidades cometidas pela Bélgica no Congo (Foto: Reprodução)

Atrocidades cometidas pela Bélgica no Congo (Foto: Reprodução)

Um bom exemplo é o grande volume de manuscritos de Geez, levados por tropas britânicas junto com mais de 15 Tabots — réplicas sagradas da Arca da Aliança — durante a Batalha de Maqdala, em 1868. Os Tabot são objetos religiosos sagrados usados ao redor do mundo ​​por todas as Igrejas Ortodoxas Tewahido da Etiópia. Apenas padres podem tocá-los e não podem ser exibidos como objetos de curiosidade ou relíquias.

Os manuscritos etíopes não são artefatos. Eles são documentos importantes que poderiam ser usados ​​como livros didáticos em milhares de escolas tradicionais na Etiópia.

Despojando as pessoas de seus artefatos culturais, livros e importantes relíquias religiosas e culturais, você as expulsa de seus conhecimentos, história e filosofia. Isso tem implicações concretas no mundo real. No Dia Internacional dos Museus deste ano, museus e bibliotecas que abrigam vastas coleções de recursos culturais africanos devem encarar o fato de continuarem com um legado de expropriação semelhante ao de seus antepassados ​​coloniais.

*Este artigo foi publicado originalmente em inglês no The Conversation.

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