• Maria Clara Vaiano*
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Gerty Cori, a primeira mulher a ganhar um Nobel de Medicina ou Fisiologia (Foto: Wikimedia Commons)

Gerty Cori, a primeira mulher a ganhar um Nobel de Medicina ou Fisiologia (Foto: Wikimedia Commons)

Criado a partir de um desejo póstumo do inventor e químico sueco Alfred Nobel, o famoso prêmio Nobel concedeu a primeira láurea em 1901. Algumas das categorias da premiação mais importante da ciência já estavam pré-estabelecidas no testamento de seu criador: Medicina, Química, Física, Literatura e Paz. Desde então, mais de 900 pessoas já foram reconhecidas pelo prêmio, sendo 224 delas na categoria de Medicina ou Fisiologia. Só que, dessas, apenas 12 (ou 5,4%) são mulheres.

Essa disparidade intrigou as pesquisadoras Fernanda Wengrover, de 25 anos, e Anna Maria Garcia Cardoso, de 30 anos. Wengrover cursa o sexto ano de medicina na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), e Cardoso é médica residente em Cirurgia Geral na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Após lerem um artigo sobre a gastroenterologista brasileira Angelita Habr-Gama — reconhecida pela Universidade Stanford, nos EUA, por estar entre os 2% de cientistas com maior destaque mundial —, Fernanda e Anna decidiram pesquisar sobre as vencedoras do Nobel de Medicina.

Embora Marie Curie seja uma das mais notáveis vencedoras do prêmio — ela levou o Nobel de Física em 1903 e o de Química em 1911 —, as brasileiras queriam descobrir quais outras mulheres se destacaram na premiação. E os achados são frustrantes. “Não tem nenhum artigo científico falando sobre as ganhadoras do prêmio Nobel de Medicina ou Fisiologia. Simplesmente não existe", lamenta Anna Cardoso. “Ao contrário de Marie Curie, que tem muito conteúdo e até filme na Netflix.”

A pesquisadora norte-americana Barbara McClintock (Foto: Wikimedia Commons)

A pesquisadora norte-americana Barbara McClintock (Foto: Wikimedia Commons)

O estudo The 12 women who won the Nobel Prize in Medicine or Physiology foi publicado em dezembro de 2021 na revista científica Scientia Medica. Orientadas pelo médico cirurgião Marcelo Garcia de Toneto, professor da Escola de Medicina da PUCRS, elas investigaram quem foram essas mulheres e que destaque tiveram por seus feitos. Para isso, consultaram o site do Prêmio Nobel e os livros Mulheres que Ganharam o Prêmio Nobel em Ciências (Marco Zero, 2008), de Sharon Bertshc McGrayne, e Nobel: o Prêmio e o Homem - Prêmios Nobel de Fisiologia e Medicina (JSN, 1999), de João J. Noro. “Esperamos que essa pesquisa inspire meninas que sonham em seguir carreiras científicas”, afirma Anna Cardoso.

Reconhecimento desigual

A primeira mulher a ganhar um Nobel em Medicina ou Fisiologia foi laureada apenas 46 anos após a criação do prêmio. Em 1947, a bioquímica estadunidense Gerty Cori foi a primeira mulher a ser reconhecida na categoria, dividindo a honraria com mais dois homens. Um deles era seu marido, Carl Ferdinand Cori, com quem desenvolveu pesquisas sobre o curso da conversão catalítica do glicogênio, que foi essencial para uma melhor compreensão do diabetes.

Já a primeira – e única – mulher a conquistar a láurea sem compartilhar com outros cientistas nesta categoria foi premiada apenas 36 anos depois de Cori. Em 1983, Barbara McClintock foi reconhecida por seus estudos sobre elementos genéticos móveis chamados de transposão, genes “saltadores” que transitam no genoma e são capazes de se mover e replicar em segmentos do DNA.

Quem foram as outras vencedoras?

A neurologista italiana Rita Levi-Montalcini levou a láurea em 1986 (Foto: Wikimedia Commons)

A neurologista italiana Rita Levi-Montalcini levou a láurea em 1986 (Foto: Wikimedia Commons)

Entre Cori (1947) e McClintock (1983), apenas uma outra mulher foi premiada. Em 1977, Rosalyn Yalow, física e médica norte-americana, conquistou o prêmio junto a Roger Guillemin e Andrew Schally. Yalow foi responsável por desenvolver uma técnica usada para determinar concentrações de hormônios chamada de radioimunoensaio.

Após McClintock, nove mulheres ganharam o Prêmio Nobel em Medicina ou Fisiologia. A neurologista italiana Rita Levi-Montalcini levou a láurea em 1986 por suas descobertas sobre fatores de crescimento. Dois anos depois, em 1988, Gertrude B. Elion ganhou por seu estudo sobre princípios importantes para o tratamento contra as drogas. Em 1995, foi a vez de Christiane Nüsslein-Volhard ser laureada por suas descobertas sobre o controle genético do desenvolvimento embrionário.

Após a virada do século, a primeira mulher premiada foi Linda B. Buck. Em 2004, ela ganhou o Nobel por sua pesquisa na área de receptores odoríferos e a organização do sistema olfativo. Quatro anos depois, em 2008, a virologista francesa Françoise Barré-Sinoussi recebeu a honraria por conta da sua contribuição na descoberta do vírus da imunodeficiência humana (HIV).

Até hoje, o ano de 2009 foi o único em que duas mulheres ganharam a láurea na categoria. As escolhidas foram as biólogas Carol W. Greider e Elizabeth H. Blackburn, pela descoberta conjunta da enzima telomerase e de como os cromossomos são protegidos por telômeros  Em 2014, a psicóloga norueguesa May-Britt Moser recebeu o prêmio por suas descobertas sobre de células que constituem um sistema posicionado no cérebro. A última mulher a ser premiada foi a farmacologista chinesa Tu Youyou. Em 2015, ela foi reconhecida por seus achados sobre um novo tratamento contra a malária.

A última mulher a ser premiada com um Nobel de Medicina ou Fisiologia foi a farmacologista chinesa Tu Youyou. (Foto: Wikimedia Commons)

A última mulher a ser premiada com um Nobel de Medicina ou Fisiologia foi a farmacologista chinesa Tu Youyou. (Foto: Wikimedia Commons)

Múltiplas jornadas

Um fato que chamou atenção durante o estudo é a quantidade de laureadas que tiveram filhos. Das 12 premiadas, seis não foram mães. A alemã Christiane Nüsslein-Volhard, laureada em 1995 e graduada em biologia pela Universidade de Frankfurt, faz parte das laureadas que não tiveram filhos.

Mesmo não sendo mãe, em 2004, ela criou uma fundação que leva seu nome e é voltada justamente para dar suporte às mães pesquisadoras, que têm uma jornada dupla: a do trabalho e a da maternidade. A chinesa Tou YouYou, por exemplo, teve de abrir mão da criação de seus dois filhos para conseguir terminar sua pesquisa. Para as autoras, mais estudos são necessários para investigar o impacto da maternidade na produção científica de mulheres.

*Com supervisão e edição de Luiza Monteiro e Larissa Lopes.