• Redação Galileu
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Atlas de pulmões infectados pelo Sars-CoV-2 explica por que o vírus é tão letal (Foto: Benjamin Izar/Columbia University Vagelos College of Physicians and Surgeons)

À esquerda, um pulmão saudável. À direita, um pulmão de um paciente com Covid-19, em que as células ficam presas em um estado (indicado pela cor verde) que as impede de reparar danos (Foto: Benjamin Izar/Columbia University Vagelos College of Physicians and Surgeons)

Apesar das falhas respiratórias serem uma das principais causas de óbito em pacientes com quadros graves de Covid-19, pouco se sabe sobre a resposta dos tecidos dos pulmões à infecção. Buscando preencher esse vácuo, cientistas da Universidade de Columbia e do Herbert Irving Comprehensive Cancer Center, nos Estados Unidos, realizaram uma análise minuciosa da ação do Sars-CoV-2 no órgão respiratório.

Publicada no periódico Nature nesta quinta-feira (29), a pesquisa revela os mecanismos que contribuem para a letalidade da doença, oferece possíveis explicações para as sequelas prolongadas e apresenta diferenças entre a Covid-19 e outras infecções.

Só foi possível desenvolver esse tipo de estudo graças à decisão do Departamento de Patologia e Biologia Celular de Columbia que, nos primeiros meses da pandemia, congelou vários tecidos de pacientes mortos pela Covid-19, assim preservando o estado molecular das células.

Com os materiais disponíveis, o laboratório de Benjamin Izar, professor de medicina, contou com um grupo de mais de 40 pesquisadores para fazer um trabalho que geralmente demora anos, mas foi completado em meses: analisar célula por célula dos tecidos congelados, identificando cada uma e a sua respectiva atividade.

O atlas de células de pulmões infectados pelo Sars-Cov-2 foi elaborado com base em 19 pacientes. No estudo, os pesquisadores compararam esses dados com os pulmões de pessoas que não tiveram a Covid-19 e com os pulmões de indivíduos que têm outras doenças respiratórias.

Prejuízo triplo

Os resultados indicam que os pacientes que morreram em decorrência do novo coronavírus enfrentaram pelo menos três situações durante a infecção: inflamação descontrolada, destruição direta e regeneração prejudicada de células e cicatrização pulmonar acelerada.

“Na Covid-19, nós vimos uma expansão e uma ativação descontrolada de macrófagos”, constata, em nota, Benjamin Izar. Essas células de defesa costumam combater os patógenos (causadores de doenças) e regular a intensidade da inflamação. Mas, com um nível tão desequilibrado de macrófagos, a inflamação cresce sem moderação. “Isso resulta em um ciclo vicioso em que mais células de defesa surgem e causam mais inflamação, o que danifica o tecido do pulmão”, explica o professor de medicina.

Os pesquisadores conseguiram identificar ainda uma citocina inflamatória produzida em grande escala pelos macrófagos: a IL-1beta. Na comparação com outras infecções virais ou bacterianas, a presença da proteína IL-1ß é maior em pacientes com Covid-19. “Isso é importante porque existem drogas capazes de reduzir os efeitos da IL-1ß”, afirma Izar.

Atlas de pulmões infectados pelo Sars-CoV-2 explica por que o vírus é tão letal (Foto: Benjamin Izar/Columbia University Vagelos College of Physicians and Surgeons)

Os pulmões de pessoas com Covid-19 têm mais IL-1beta do que os pulmões de indivíduos com outras doenças respiratórias (Foto: Benjamin Izar/Columbia University Vagelos College of Physicians and Surgeons)

Outra descoberta diz respeito à destruição de células importantes para as trocas gasosas. O Sars-CoV-2 não apenas contribui para essa perda, como também compromete a habilidade de regeneração do pulmão. Isso acontece porque as células de pacientes com Covid-19 mais grave ficam presas em um estado que as impede de consertar o estrago causado pela infecção.

“A IL-1ß aparentemente é uma das culpadas por induzir e manter as células nessa situação”, diz Izar. Assim, ter a IL-1ß como alvo em medicamentos pode ajudar as células na reparação do pulmão, além de auxiliar a reduzir a inflamação.

O terceiro fator relevante encontrado na pesquisa é a rápida cicatrização em pulmões afetados pelo vírus. Esse processo é impulsionado pelo alto número de células chamadas fibroblastos patológicos, que enchem o órgão com tecido cicatricial e deixam menos espaço para células envolvidas em trocas gasosas. Assim, o pulmão fica permanentemente danificado.

Analisando as células que atuam na fibrose, os pesquisadores conseguiram identificar moléculas que podem ser alvo de medicamentos já existentes, ajudando a combater a Covid-19. “É uma doença devastadora, mas o diagnóstico que estamos fazendo do pulmão é o primeiro passo para desenvolver terapias que podem romper esses ciclos viciosos”, avalia Benjamin Izar.

Ele diz ainda que, especialmente no caso das células responsáveis pela fibrose pulmonar, há uma boa oportunidade de criar mecanismos que amenizem as complicações prolongadas vivenciadas por algumas pessoas que contraíram Covid-19.  “Nossa esperança é que, ao compartilhar essas informações, pesquisadores e empresas farmacêuticas comecem a testar e expandir essas ideias”, conclui Izar.