Comportamento
 

Por Nathalia Ziemkiewicz


Antes que você entre no modo defensivo ou se afaste desta reportagem avaliando-se incapaz de praticar gaslighting, saiba que: 1) quase todos os pais manipulam psicologicamente os filhos em maior ou menor grau, até com a melhor das intenções; 2) não é sobre o quanto amamos, mas como podemos nos relacionar de forma mais saudável com as nossas crianças; 3) talvez você perceba que foi vítima desse comportamento tóxico na sua própria infância…

Gaslighting é um tipo de abuso emocional insidioso em que uma pessoa procura alterar a percepção da outra, fazendo-a duvidar de sua memória, análise e sanidade mental. Tudo para esconder uma verdade ou obter algum benefício – como estar no controle da situação. As buscas pela expressão na internet tiveram um aumento de 1.740% no site da editora de dicionários Merriam-Webster, famosa por eleger “a palavra do ano”, fazendo com que fosse a escolhida em 2022.

Você manipula seu filho? — Foto: Montagem sobre Getty Images
Você manipula seu filho? — Foto: Montagem sobre Getty Images

Se a fama é recente, a origem do termo remonta uma peça de teatro que virou filme em 1944. Nele, a protagonista de Gaslighting (traduzido em português como “À meia-luz”) é manipulada pelo marido para acreditar que estava enlouquecendo. Ele desligava o gás da casa para que as luzes não funcionassem, mas negava veementemente. Hoje, sabemos que essa dinâmica não se aplica apenas aos relacionamentos românticos, mas também à relação entre filhos e pais.

O gaslighting parental acontece, geralmente, sem que os adultos percebam e nos contextos mais banais – como quando a criança cai e rala o joelho. “Muitos pais dizem que ‘não foi nada’ para diminuir o medo ou o choro do filho, mas para ele aquilo dói e sangra”, diz o neurologista Saul Cypel, professor da Faculdade de Medicina da USP e especialista em desenvolvimento infantil. “Seria melhor reconhecer o machucado, fazer um curativo e avaliar como a situação aconteceu para gerar um aprendizado.” Frases como “Para de drama!” e “Não está doendo” minimizam os sentimentos da criança e minam sua capacidade de perceber os fatos.

Mensagens subliminares

Mas os adultos também recorrem ao gaslighting na tentativa de proteger os filhos de emoções difíceis. “Por exemplo, a criança vê o pai ou a mãe chorando, pergunta o que houve e a resposta é: ‘nada’. Ou nasce o segundo filho e os pais dizem para o primogênito: ‘fica tranquilo, meu amor, nada mudou’. Mentira!”, diz a educadora parental Elisama Santos, especialista em comunicação não violenta e colunista da CRESCER. “Os pequenos sabem que tem algo errado e começam a duvidar de si mesmos”, diz. Afinal, eles não tendem a desconfiar dos pais, suas grandes referências no mundo.

A sobrecarga do dia a dia com crianças pequenas é mais um motivo pelo qual os pais agem “no automático”. A historiadora Amanda Guimarães, 34 anos, vive sendo solicitada para lidar com os desentendimentos entre os filhos Valentina, 7, e João Miguel, 5. Com frequência, eles a procuram para dizer que um bateu no outro. “Eu respondo que ‘foi sem querer’, ‘isso é bobeira’, ‘você é a irmã mais velha’, ‘ele é menor’... Sei que é errado, mas quero encurtar o drama e ter paz”, afirma. A questão é que negar as experiências das crianças e compará-las, mesmo com a melhor das intenções, configura gaslighting.

Outra manipulação psicológica bem comum é oferecer atenção e afeto aos filhos apenas como recompensa: “Se você estudar e for um bom aluno, eu gosto de você; senão, vai ficar de castigo”. Para a educadora parental Telma Abrahão, autora de Pais Que Evoluem (Ed. Literate Books), ao agirmos assim enviamos a mensagem de que ele ou ela só é amado e aceito quando faz as coisas do jeito que queremos, mandamos ou esperamos. “Isso vai desconectando a criança de si mesma – do que pensa, sente e realmente deseja”, afirma.

Mais exemplos de gaslighting: ignorar uma crise de choro, “dar um gelo” por um comportamento que você julgou inadequado, distorcer os fatos para atender aos seus propósitos, rotular (“bagunceiro”, “terrível” etc), praticar bullying, promover a competição entre irmãos e amigos ou competir com a criança, subestimar suas conquistas, duvidar de suas memórias, culpá-la por problemas ou sentimentos seus, acreditar que está sempre certo – e nunca pedir desculpas.

Ao longo de gerações, ouvimos que os filhos manipulam e testam a nossa paciência, portanto, devem ser moldados. Assim, uma criação rígida evitaria que eles se tornassem pequenos tiranos, malcriados e preguiçosos. “Mas a criança nasce com o cérebro imaturo e totalmente dependente”, explica Telma, especialista em neurociência do desenvolvimento infantil. Ou seja, não tem condição cognitiva de armar um plano e pensar de forma lógica como um adulto. “Ela precisa de afeto e orientação para lidar com o que sente, como suas frustrações.”

Além disso, a educação que recebemos de nossos pais também influencia a maneira como educamos nossos filhos – mesmo inconscientemente. Se você vem de uma família em que “criança não tem que querer nada”, talvez tenha mais dificuldade de perceber a prática do gaslighting parental. Para Elisama, este tipo de violência não é visto porque sempre foi chamado de educação. “A norma era o adulto ensinando o que a criança devia querer, sentir e fazer”, diz.

Impactos na autoestima

Você manipula seu filho — Foto: Montagem sobre Getty Images
Você manipula seu filho — Foto: Montagem sobre Getty Images

A curto prazo, uma criança vítima de gaslighting se sente confusa e começa a duvidar da própria percepção. Afinal, se a mãe está dizendo, ela deve mesmo ter feito aquilo de propósito. Segundo os especialistas, isso vai minando a autoestima e a autoconfiança. “A criança constrói valores internos a partir da maneira como é tratada. Ela nunca vai achar que o adulto a está manipulando, mas que ela está errada e merece esse tipo de tratamento”, diz a pedagoga e educadora parental Maya Eigenmann, autora de A raiva não educa. A calma educa (Ed. Astral Cultural).

Em seguida, o pequeno pode ter dificuldade de expressar pensamentos, sentimentos e vivências. Por exemplo, talvez esconda que sofreu bullying na escola ou nem se dê conta do ocorrido. Ele também pode reproduzir a manipulação (“Eu paro, se você comprar esse brinquedo”). Afinal, essa foi a dinâmica que aprendeu como normal para conseguir o que se quer. A médio e longo prazo, casos mais frequentes de gaslighting podem levar à ansiedade, depressão, dificuldades de aprendizagem e relacionamentos abusivos.

É provável que essa criança adote postura agressiva, de controle nas relações; ou passiva, para agradar aos outros. Neste caso, em vez de reconhecer que está sendo tratada de forma inadequada, ela assume que é culpada ou sensível demais. “Isso acontece porque essa pessoa aprendeu a desconfiar da sua voz interior e da bússola que nos diz o que é importante para nós”, diz Elisama.

Como se perceber e agir diferente

Se você se identificou com algumas dessas situações, não precisa sentir culpa. Sempre é tempo de mudar, pelo bem de todos. Para evitar o gaslighting, os entrevistados ouvidos pela CRESCER recomendam que os pais observem o próprio comportamento em relação aos filhos. Você pode se perguntar: “Eu trataria um adulto dessa maneira?”, “Eu entendo que essa criança pode ser diferente de mim e ter outra visão de mundo?”, “Por que estou repetindo com ela o que meus pais fizeram comigo e eu não gostava?”.

Esse exercício de autoconhecimento e conscientização é o primeiro passo para romper com um padrão nocivo na educação. A atriz e empresária Carla Buarque, 36, mãe de Theo, 6, percorreu uma jornada para agir com o filho sem a manipulação que recebeu na infância. “Minha mãe dizia muito ‘não chora, as pessoas estão olhando’. Até hoje tenho dificuldade de entender o que estou sentindo e botar para fora”, conta.

Certa vez, o filho desatou a chorar ao receber um “não” de Carla e um parente tentou distraí-lo apontando para um avião imaginário. No entanto, ela interveio e explicou ao menino que não tinha avião nenhum e que estava tudo bem ele ficar chateado. Quando o choro prossegue mesmo depois do acolhimento, a mãe costuma ficar quieta ao lado de Theo até que ele se regule emocionalmente. E essa é a melhor solução, afinal, ao entrar em contato com as próprias emoções, a criança tem a chance de aprender a se controlar.

Não, quase nunca é fácil. Mas a criação com afeto e a educação positiva são caminhos para uma relação saudável entre filhos e pais. “Não é só um olhar mais respeitoso sobre as crianças, mas também um trabalho para que os adultos se reconheçam emocionalmente – com seus medos, sombras e mecanismos de defesa”, afirma Maya. “Intuição não basta para educar um ser humano.”

6 dicas para evitar o gaslighting parental

  1. Ouça e valide os sentimentos: se a criança está triste, frustrada ou com raiva, não minimize, julgue, zombe ou argumente do tipo “Não precisa ficar assim”. Permita que ela sinta e reflita como você se sente com isso.
  2. Fuja de rótulos: “engraçado”, “atlético”, “sensível” etc. As crianças podem ficar “presas” nesses estereótipos. O papel dos adultos é ajudá-las a desenvolver diversas habilidades.
  3. Evite comparações: ainda que a intenção seja estimular a criança, dizer que “o amigo foi melhor na prova” ou “o irmão já está sem fralda” atingem em cheio a autoestima dela.
  4. Celebre as conquistas: reconheça o esforço e o sucesso do seu filho em vez de dizer algo como “não fez mais que a obrigação” ou “na sua idade eu era melhor que você”.
  5. Incentive a independência e a autonomia: é fundamental que a criança aprenda a se ouvir, tome decisões e consiga resolver problemas sozinha.
  6. Assuma sua responsabilidade: por mais estressado que você esteja, jamais culpe um filho pelos seus problemas. Se cometer um erro com ele, peça desculpas. Lembre que o cérebro maduro da relação é o seu!

Hora de mudar o discurso!

A seguir, 12 frases comuns de gaslighting, para tirar das conversas já

  • Não foi nada. Você é muito sensível...
  • Você está exagerando: para de drama e engole o choro.
  • Isso nunca aconteceu. Lá vem você inventando coisas...
  • Fico triste quando você tira nota baixa.
  • Passar de ano não é mais que a sua obrigação.
  • Seus amigos já tiraram a fralda e você não.
  • Isso não é difícil, você só está dando desculpas.
  • Por sua causa, não consigo voltar a estudar/trabalhar.
  • Era só uma piada. Por que você me leva tão a sério?
  • Não estou discutindo com você! [discutindo com a criança...]
  • Eu falo essas coisas para o seu bem.
  • Todos sabem que sou boa mãe.

E quando outros agem assim com meu filho?

Você manipula seu filho? — Foto: Montagem sobre Getty Images
Você manipula seu filho? — Foto: Montagem sobre Getty Images

Digamos que a criança cai e rala o joelho, e o avô diz que “não foi nada”. A educadora parental Elisama Santos sugere que você acolha o seu filho e, depois, se dirija ao adulto com uma voz infantil: “Vovô, se eu estou falando que está doendo é porque está — e tudo bem chorar”. Outra manipulação clássica é “Me dá um beijo, senão fico triste”. Para a educadora parental Maya Eigenmann, vale olhar nos olhos do pequeno e dizer: “Você pode beijar a hora que sentir vontade. Carinho é bom quando é espontâneo”. Assim você dá o exemplo e a criança se sente protegida. E se você não presenciar o gaslighting? As especialistas recomendam que você siga conversando e fortalecendo a autoestima do seu filho. Mostre que pode confiar e contar com você, para que aprenda a se defender sozinho com o tempo. “A melhor redução de danos é se colocar como um porto seguro para a criança”, afirma Maya.

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