Por Denise Fraga

Denise Fraga é atriz, casada com o diretor Luiz Villaça e mã... ver mais

Denise Fraga: Babás e a intimidade vestida de branco

Toda vez que vejo na praça uma babá de branco fico me questionando o porquê desse figurino hospitalar


Minha babá usava um shortinho curto no calor do Rio de Janeiro. Lembro da quentura de suas coxas. Brincava muito com a gente. Inventava histórias que eu, mesmo pequenina, já desconfiava da veracidade. Dizia que tínhamos uma vela acesa dentro da cabeça. Que não podíamos ficar no vento, porque a vela apagaria e a gente morreria. Na dúvida, eu não ficava no vento.

No Carnaval, saía na ala das baianas da Império Serrano. Subia a ladeira para pegar o ônibus, carregando a gente embaixo da sua saia aramada. Acho que me lembro mesmo da quentura de suas coxas por causa dessa divertida cabana andante. Me fez provar um cigarro com 8 anos. Tossi. Nunca fumei.

"Uma babá de branco para nos proteger do quê? Para dizer para quem que ela não é a mãe?" — Foto: Thinkstock

Ela não era exatamente a babá que eu contrataria para os meus filhos. Minha mãe talvez até a tivesse despedido se soubesse da história do cigarro, mas eu iria adorar se meus filhos tivessem tido a Alzira na vida deles.

Meus pequenos tiveram babás vestidas de branco, devo confessar. Depois de algum tempo, olhei para aquela “enfermeira” no meio da nossa sala e tudo me pareceu absurdo. Que mundo é esse em que profissionalizamos tanto? Que assepsia é essa que queremos? Sugeri que ela trabalhasse vestindo o que desejasse e fiquei chocada quando ela me respondeu que preferia usar branco. Mais fácil de lavar na água sanitária. Hoje, eu faria um esforço muito maior pra mudar seu figurino “fácil de lavar”.

Precisamos trabalhar. Precisamos de babás”
— Denise Fraga

Toda vez que vejo na praça uma babá de branco fico me questionando o porquê desse figurino hospitalar. Para termos certeza de que ela está limpa? Porque a roupa branca é mesmo mais fácil de lavar? Ou para que ela, que se mistura tão intimamente com a nossa família, que vai com nossos pequenos para todo lugar, exiba em sua roupa branca a assepsia que desejaríamos ter nessa relação tão complexa, impossível de ser asséptica? Uma babá de branco para nos proteger do quê? Para dizer para quem que ela não é a mãe? Para dizer que não é íntima aquela que vive em nossa intimidade?

Saio para caminhar e vejo na praça as babás com seus bebês e seus celulares. Imagens cotidianas do absurdo que fomos inventando como vida. Na praça, em pleno oásis de natureza, a babá de roupa branca e sua criaturinha de olhos em suas respectivas telas. Mundo doido. E já asséptico. Sem precisar de roupa branca ou água sanitária.

Vou a um almoço e vejo chegar um casal novo, com seu primeiro bebê, já acompanhado da sua babá de roupa branca, rodeado por vinte colos sedentos de avós e tias ansiosas pela oportunidade de experimentar a oportunidade que seria destinada àquela babá, que preferia estar em casa dando colo aos seus. Não deixo de estranhar.

Não sei como escapamos dos absurdos que criamos. Mas precisamos pensar e repensar as relações e os símbolos que já não sustentam sua origem, e se tornam ofensivos num mundo que se transforma numa velocidade alucinante. Não sei a saída. Precisamos trabalhar. Precisamos de babás. Podemos substituir a roupa branca, mas de nada adiantará se não olharmos para ela e quisermos saber a sua história, de onde vem seu nome, o que fez no fim de semana, sobre seu filho... Comprometer-se verdadeiramente com uma relação que nega a assepsia, porque é íntima em si, sem escapatória.

Denise Fraga é atriz, casada com o diretor Luiz Villaça e mãe de Nino, 23 anos, e Pedro, 21 — Foto: Cauê Moreno/Editora Globo

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