• Denise Fraga
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Sonhei que eu paria. Deitada na cama de lado, com uma camisola antiga de rendas, eu via aquele aguaceiro molhar os lençóis. O quarto estava cheio de gente, um vozerio. Eu falava:

– Só preciso de ajuda com o cordão. 

Eu suava, fazia força, sozinha. A certa altura, do meio das minhas coxas, banhada nas minhas águas, vinha uma menina rosada, robusta, e eu ficava tremendamente feliz por ser uma mulher. Apertava o cordão umbilical com a unha, pedindo ajuda. 

Denise Fraga, atriz e colunista da CRESCER (Foto: @cacafotografia)

Denise Fraga, atriz e colunista da CRESCER (Foto: @cacafotografia)

– Só preciso que me ajudem com o cordão!

Ninguém me ouvia. Todos seguiam em seus celulares, mostrando vídeos uns para os outros. E eu, então, pensava que ia precisar muito dela. Daquela que estava nascendo e que agora não podia me ajudar com seu próprio cordão, porque sequer sabia de sua força fora de mim. Ainda.

Tenho sentido falta de uma mulher. Nunca lamentei exatamente não ter tido uma menina. Vivi uma vaidade qualquer em ser a única mulher da casa, uma espécie de reinado arrogante disfarçado de complacência. Ou vice-versa. É um lugar que recruta a sua porção masculina, a sua medição de forças num embate sutil, cuja maior arma talvez seja, paradoxalmente, o constante cultivo do mistério feminino da intuição, aquilo que eles, confusos, só fingem entender. Entretanto, não sei se é o tempo biológico, a maturidade que chega para anunciar que é assim mesmo, que você jamais se fará entender, se a velhice progressiva de minha mãe, ou talvez só mesmo o resto de minha esperança de ser finalmente compreendida, alguma coisa tem feito que eu deseje profundamente a presença de uma irmã, uma filha, uma mulher de todo dia. 
 

"Tenho sentido falta de uma mulher”"

Denise Fraga

Meus filhos têm trazido suas namoradas em casa, e eu tenho que me controlar para não jogar em cima delas uma amizade antecipada. Um perigo.

Mas esta semana, voltei a sonhar. Um sonho simbólico e revelador. Eu fazia um ultrassom de rotina e a médica dizia:

– Mas tem outro coração!

– Jura?

Eu olhava para o meu ventre maduro e por baixo da minha pele eu via levantar, abaixo do meu umbigo, uma pequena menininha, assim, de uns 10 centímetros, como uma boneca Polly. Ela se punha de pé e acenava, vestida por minha pele, ainda dentro de mim. Um sonho surreal! Eu falava para a médica:

– É a minha filhinha!

Tenho vontade de chorar. Sei de quem eu estou falando. Sei quem eu estou gestando. Sei que mulher eu estou parindo. Uma mulher que só teve um irmão, que reinou nesta casa de homens, mas muitas vezes se deixou de lado. É ela que tem me rondado, solicitando amizade. Que me venham todas as filhas, todas as amigas, todas as mães, irmãs, sogras, cunhadas, noras e tias para, juntas, me ajudarem com o cordão do meu parto de mim.

Denise Fraga é atriz, casada com o diretor Luiz Villaça e mãe de Nino, 23 anos, e Pedro, 21 (Foto: Cauê Moreno/Editora Globo)

Denise Fraga é atriz, casada com o diretor Luiz Villaça e mãe de Nino, 23 anos, e Pedro, 21 (Foto: Cauê Moreno/Editora Globo)