Você deve ter acompanhado nos últimos dias, pela imprensa e também por uma série de vídeos de celebridades nas redes sociais, notícias sobre a exploração e abuso sexual infantil que acontece na Ilha do Marajó, no Pará. O interesse no assunto, no entanto, foi motivado depois que a música "Evangelho de Fariseus", da cantora gospel Aymeê, viralizou na web e não por haver alguma novidade sobre a violação de direitos humanos, que já acontece na região há tempos.
![Criança contra exploração e abuso sexual infantil — Foto: Getty Images](https://cdn.statically.io/img/s2-crescer.glbimg.com/TnHpFrApmZSmXA4WpGeuFa5jMmg=/0x0:6000x4000/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_19863d4200d245c3a2ff5b383f548bb6/internal_photos/bs/2024/B/R/setgjdRTC4wMCwOmgksQ/gettyimages-1299998439.jpg)
A visibilidade da exploração sexual das crianças naquela região, no entanto, trouxe junto uma série de especulações, informações desencontradas e polêmicas. Há poucos dias, a ONG Observatório do Marajó se pronunciou por meio de uma nota pública chamada "Não acredite em tudo o que vês na internet". O primeiro item diz: "Redes criminosas de exploração sexual de crianças e adolescentes e de tráfico internacional de pessoas, órgãos, animais, madeira, biotecnologia/pirataria operam no Marajó, na Amazônia e em todas as regiões do país. Elas agem se disfarçando e ocupando instituições e cargos públicos, redes sociais, igrejas, veículos de comunicação e outros espaços onde possam manipular a atenção das pessoas enquanto continuam agindo e operando seus crimes". E finaliza: "Muito precisa ser feito para garantir dignidade às crianças marajoaras e brasileiras em todos os estados. Em todos os níveis, e de sul a norte do país, precisamos de políticas públicas baseadas em evidências, boas práticas, saberes tradicionais, valores do bem viver - não mentiras, distorções, manipulações, pânico moral, racismo, nem de qualquer outra forma de violência" [veja nota na íntegra].
Mas como o Brasil luta contra a exploração sexual das crianças?
O relatório Out of the Shadows (OOSI, na sigla em inglês), publicado pela revista britânica The Economist, compara como 60 países (lar de aproximadamente 85% da população infantil global) estão prevenindo e respondendo à exploração e abuso sexual infantil (EASI). O índice 2023 do Informativo regional para a América Latina e Caribe mostra que o Brasil segue na 11o posição no ranking global, com 65,7 pontos (numa escala de 100 pontos), com destaques para as leis de proteção às crianças, o envolvimento do setor privado, da sociedade civil e da mídia. Os três países do topo são Reino Unido, França e Suécia, respectivamente.
Assim como em outras partes do mundo, a exploração e abuso sexual infantil é um fenômeno complexo e multifatorial. Segundo o OOSI, sete dos nove países incluídos no relatório regional (Brasil, México, Guatemala, Colômbia, Jamaica, El Salvador, Peru, Venezuela e Argentina) são definidos pelo Banco Mundial como países de renda média-alta, porém a desigualdade econômica marca a maior parte da América Latina. "Normas sociais e culturais influenciam a EASI e as crianças correm risco na esfera privada, em suas comunidades e em redes criminosas nacionais, regionais e transnacionais", diz o relatório.
Pilares de proteção e resposta contra a exploração e abuso sexual infantil
Os indicadores do Out of the Shadows incluem três quesitos fundamentais no pilar de prevenção aos direitos das crianças: legislação de proteção (avalia o grau no qual um país fornece proteções legais ou regulatórias contra a EASI); políticas e programas (analisa iniciativas governamentais e programas da sociedade civil) e capacidade e compromisso nacionais (comprometimento do governo em resolver o problema).
No quesito legislação de proteção, o Brasil ocupou o penúltimo lugar no ranking regional (América Latina e Caribe), cujo maior pontuação ficou para a Colômbia. Em políticas e programas, ficou em 4o lugar e em capacidade e compromisso nacionais, alcançou a segunda posição.
Para o pilar de resposta, que incluem os serviços de apoio e recuperação (serviços de saúde e de apoio médico, saúde mental e reabilitação) e o processo da justiça (capacidade do sistema judiciário na condução e resolução do problema), Brasil ocupa o 1o. lugar de melhor desempenho regional, ficando em 5o. lugar no ranking global.
![Maos dadas adulto e criança — Foto: Freepik](https://cdn.statically.io/img/s2-crescer.glbimg.com/o8nkTE2InwxBQndz23-knGt0EP4=/0x0:7008x4672/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_19863d4200d245c3a2ff5b383f548bb6/internal_photos/bs/2024/J/3/MrDfTDQC2WJpL7eknyMg/hands-holding-each-other-support.jpg)
Onde o Brasil precisa melhorar?
Segundo o Índice 2023 do relatório OOSI regional, "o Brasil é o único país da região que exige que juízes, promotores e todo o pessoal relacionado do sistema judiciário tenham treinamento especial sobre intervenções adequadas para crianças, casos de abuso sexual e abordagens informadas sobre trauma. No entanto, o Brasil não se classifica entre os 10 melhores na classificação geral, devido à sua fraca estrutura de legislação protetiva. Seu estatuto de limitações, baixa idade de consentimento e falta de isenções por idade próxima (close-in-age exemptions), juntamente com leis fracas para proteger vítimas-sobreviventes de exploração, são os fatores determinantes por trás dessa lacuna no desempenho".
Apesar de muitos pontos positivos do Brasil em relação à proteção das crianças contra a exploração e abuso sexual infantil, o relatório afirma que "qualquer ponto fraco rebaixa o sistema de proteção infantil em geral. Portanto, por mais que um país tenha um bom desempenho em certos indicadores, é importante trabalhar simultaneamente no fortalecimento de todas".
Onde denunciar contra a exploração e abuso sexual infantil?
- Polícia militar: 190
- Polícia federal: 194
- Polícia civil: 197
- Direitos humanos: 100
- Polícia rodoviária federal: 191