• Amanda Oliveira
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Saber que seu filho tem uma doença rara causa um aperto no coração dos pais, principalmente quando o tratamento é caro e de difícil acesso. Mãe de duas crianças, Valentin, 4 anos, e Elizabeth, 1 mês, a paulista Natália Negrini Heymich, de 37 anos, está enfrentando essa situação com seu primogênito. Em 2019, o menino foi diagnosticado com Distrofia Muscular de Duchenne, uma doença genética caracterizada pela degeneração e fraqueza progressivas dos músculos esqueléticos, em decorrência da ausência da distrofina, uma proteína que mantém a estabilidade da fibra muscular durante o processo de contração e relaxamento. Com esse quadro, Valentin tem dificuldade para se locomover. 

Após receber o diagnóstico do filho, a administradora paulista, que atualmente mora em Serfaus, na Áustria, decidiu recorrer a uma terapia genética para reparar a musculatura de Valentin. O tratamento será feito com o apoio de uma organização sem fins lucrativos, a Cure Rare Disease, de Boston (EUA). No entanto, para arcar com os gastos do procedimento, a família precisa arrecadar cerca de US$ 2,5 milhões — aproximadamente R$ 12 milhões, pela cotação atual. Por isso, Natália criou uma vaquinha online para levantar o montante. 

Em depoimento à CRESCER, a mãe conta como encarou o diagnóstico de Valentin e fala sobre a importância de acompanhar de perto o desenvolvimento das crianças. Confira!

Valentin foi diagnosticado com  (Foto: Distrofia muscular )

Valentin foi diagnosticado com Distrofia Muscular de Duchenne em 2019  (Foto: Arquivo pessoal)

A gravidez do meu filho não foi planejada. Descobri que estava com um cisto no ovário um tempo antes [da gestação], então minha médica me aconselhou a parar com a pílula anticoncepcional. Quando me mudei para a Áustria, em 2017, me senti um pouco estranha e decidi fazer um teste de gravidez, em meio à mudança, e deu positivo. Apesar de não ser planejada, assim que descobrimos ficamos muito felizes.

O início da minha gestação foi tranquilo. No entanto, quando eu estava na 23ª semana, fui internada com pré-eclampsia. Tentamos no hospital segurar o máximo possível e o Valentin  nasceu por meio de uma cesárea com 25 semanas, no dia 24 de janeiro de 2018. Foi uma cirurgia de risco, bem tensa. No dia, eu estava com a pressão bem alta e como ele era muito pequeno, não chorou e eu não pude vê-lo. Nem sabia se ele tinha sobrevivido! Foi bem angustiante, porque o tiraram [da sala de parto] e eu não vi meu filho. Fui levada para a sala de recuperação.

Apenas após algumas horas que me informaram que ele estava vivo. Só consegui vê-lo na incubadora depois de um tempo. Mas não pude encostar, nem pegá-lo no colo, nem nada! Foi bem difícil o dia do parto.

A vida do Valentin começou assim, nascido de 25 semanas. Foram mais de 100 dias de hospital. Ele lutou muito para viver. Meu filho teve várias complicações. Foi operado quatro vezes, teve perfuração no instestino, septicemias (sepse) e uma cirurgia entre o coração e o pulmão. Ele foi um prematuro extremo com muitas complicações. Foi uma época de muita luta para ele sobreviver!

Na ocasião, como não podia pegá-lo no colo, comecei a contar para ele as razões por que a vida vale a pena. Todo dia, chegava ao hospital e falava: “Filho, a vida vale a pena porque você terá amigos”, nós vamos tomar um banho de mar... E tomei nota dessas 158 razões sobre o porquê a vida valia a pena. Depois desses 158 dias, fomos para a casa e ele foi se recuperando. Foi respirando sem ajuda de aparelhos. Mas, como ele era prematuro extremo, nós sempre controlamos de perto a saúde dele.

Meses depois, os médicos começaram a fazer algumas medições e perceberam uma presença alta da proteína CK, que indica a distrofia de Duchenne. Diante dessa situação, a médica pediu um exame genético. 

Valentin busca fazer tratamento no exterior  (Foto: Arquivo Pessoal )

Valentin busca fazer tratamento no exterior (Foto: Arquivo Pessoal )

Nós fizemos o exame genético e demorou um tempão para chegar. No dia 12 de junho de 2019, recebemos o diagnóstico. Foi uma porrada, muito difícil! No caso do Valentin, não vimos muitos sintomas. Foi uma questão de laboratório. A gente sempre via que essa proteína estava alta. Porém, para a maioria das crianças, o diagnóstico vem a partir dos 4 anos, quando eles começam a cair muito. No caso do meu filho, como ele era muito prematuro, nós sempre controlamos tudo no sangue dele a cada quatro meses. 

Em relação ao meu filho, sinto que ele cai mais do que as outras crianças. Ele não corre muito e não sabe subir a escada sozinho. Algumas vezes, o Valentin também tem dores e se cansa mais rápido de fazer as coisas. Se a gente não soubesse que ele tinha Duchenne, talvez achássemos que isso seriam atrasos devido à prematuridade dele, mas como já sabemos, ficamos muito mais atentos. Por isso, foi muito importante esse diagnóstico precoce.

Meu filho ainda não sabe muito o que está acontecendo. Não escondemos nada dele, mas ainda não tivemos essa conversa explicando mais sobre a Duchenne. Ele já começou a entender que é diferente. Pergunta por que as crianças correm tanto e por que ele não consegue andar de bicicleta, porém ainda não sabe o que vem pela frente.

Quando recebi o diagnóstico de que o Valentin tinha uma doença progressiva, sem cura e fatal, foi como uma sentença de morte. Sempre acordava chorando! Mas lembrei das promessas que tinha feito para o meu filho, tinha que fazer a vida dele valer a pena. Em 2021, eu entrei em contato com uma instituição e vi que existia, sim, a possibilidade de tratamento e que poderíamos fazer algo para o meu filho.

A Cure Rare Disease é uma organização sem fins lucrativos que desenvolve tratamentos para doenças raras por meio de uma tecnologia de edição genética. Sempre pesquisei muito e entrei em contato com eles. Depois de várias conversas, eles aceitaram a gente — eles nunca tinha aceitado nenhuma família que não fosse norte-americana dentro do projeto. Agora, a instituição vai desenvolver esse remédio para o Valentin. O desenvolvimento da medicação é longo, são em torno de 4 a 5 anos.

Uma mensagem que gostaria de passar para os pais é: prestem atenção no desenvolvimento dos seus filhos. Se ele está caindo muito, preste atenção sempre nas crianças e nos sinais que ela dão, porque o diagnóstico precoce é muito importante no caso de doenças raras.

Distrofia muscular de Duchenn

É uma doença rara, hereditária e degenerativa, caracterizada pela deterioração muscular progressiva. Ela atinge especialmente meninos, cerca de um a cada 5 mil em todo o mundo. "É uma herança recessiva ligada ao cromossomo X. Como os meninos só tem um cromossomo X, o Y não consegue ser um backup", explica a pediatra e colunista da CRESCER Ana Escobar. Segundo a médica, nas meninas, um cromossomo X saudável é capaz de dar sustentação para o outro, doente. Portanto, elas podem ser portadoras, mas sem manifestar a doença.

Nos meninos, a evolução é rápida e, por isso, o diagnóstico precoce é fundamental para garantir uma melhor qualidade de vida. “É muito importante que os pais estejam sempre atentos a qualquer sintoma que seus filhos possam apresentar", orienta a pediatra. Ela explica que a Distrofia Muscular de Duchenne costuma se manifestar nos primeiros anos de vida. "Algumas das principais características são dificuldades para engatinhar, levantar do chão, escalar, subir escadas e correr, além de quedas frequentes e um constante andar na ponta dos pés. Outro sinal é atraso na fala", alerta. "A fraqueza muscular se desenvolve progressivamente, começa pelos membros inferiores, atingindo, mais tarde, os superiores”, completa.

Tratamento multidisciplinar

Fisioterapia e hidroterapia para manutenção cardiorrespiratória e muscular, terapia ocupacional e acompanhamento nutricional e psicológico são os pilares do tratamento multidisciplinar para controle da Distrofia Muscular de Duchenne.

A saúde mental, aliás, é um ponto de atenção, já que muitos pacientes podem sofrer bullying, principalmente na escola quando começam a ficar inseguros nas brincadeiras em que precisam correr, por exemplo. Outro elemento fundamental no tratamento é o uso de corticoides, que ajudam a prolongar a habilidade de andar.

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