• Depoimento a Vanessa Lima
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parto pélvico da Cecília (Foto: Lela Beltrão — Lela Beltrão | Coletivo Buriti (Brazil))

O parto pélvico da Cecília (Foto: Lela Beltrão — Lela Beltrão | Coletivo Buriti (Brazil))

“O nascimento da Cecília foi planejado, desde o início da gestação, para ser um parto domiciliar. Eu sempre soube que queria um parto natural e, até engravidar, achava que isso aconteceria em um hospital, mas só por ignorância, por desconhecer outras possibilidades. Quando engravidei, fui me informar. Conversando com amigas que optaram pelo parto em casa, lendo sobre o assunto, assistindo a filmes e participando de palestras com profissionais da área, tivemos, meu companheiro e eu, a certeza de que queríamos o parto domiciliar. Passamos a fazer o pré-natal com uma equipe de parteiras, sabendo que o parto em casa só estaria assegurado nas últimas semanas, por conta dos seus critérios de elegibilidade, um deles, a posição do bebê.

Até a 38ª semana, cumpríamos todos esses critérios. Como teste, já tínhamos até montado o quarto do jeitinho que ele ficaria para o parto: luz baixa, banheira, kit com todos os itens à mão, mas...

No dia 8 de setembro de 2017, uma sexta-feira, quando completei 39 semanas, fiz um ultrassom motivada pela minha intuição, que dizia que algo não estava bem com o bebê, mesmo confiando na equipe, que assegurava que tudo estava dentro do normal (eu havia ganhado pouco peso durante a gravidez e achava que, por isso, a Cecília podia estar muito pequena). Descobrimos que ela estava ótima, perfeitamente saudável, porém sentada!  Quando o médico que fez o exame colocou o aparelho na parte de cima da barriga e disse, sem ter ideia do que aquela frase causaria, ‘aqui está a cabeça’, Dani, o pai, e eu quase caímos para trás. Ela tinha passado a gestação inteira cefálica [com a cabeça para baixo, posição ideal para o parto natural]! Eu só pensava: ‘Não vai ter parto em casa, não vai ter parto normal. Vou acabar numa cesárea!’ Eu não o escutava dizer que o bebê estava ótimo, com percentil x, peso y, circunferência z.

Me desesperei e chorei, chorei, chorei muito. Dani tentava me consolar ‘Ela está bem! E isso é o mais importante! Você tem que ficar feliz porque ela está saudável’. Mas eu não conseguia. Fechava os olhos e via uma cesárea, naquele momento, meu maior medo (hospitais e suas agulhas sempre alteraram meu estado físico e psicológico).

Ainda no laboratório, mandei mensagem para as parteiras, para a doula e para o médico obstetra backup que me acompanharia no caso de uma transferência. Resumindo bem, tentaríamos uma versão cefálica externa [quando o médico faz uma manobra para tentar reposicionar o bebê] na segunda-feira, dois dias depois, o que, no caso de sucesso,  possibilitaria o tão sonhado e planejado parto domiciliar. Conversei com o médico sobre o que faríamos caso eu entrasse em trabalho de parto antes da VCE e ele disse que poderíamos tentar o parto normal pélvico, se esse fosse o meu desejo, mas que ele levaria outra obstetra, por ser um parto mais delicado. Eu sabia que estava em boas mãos.

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Passei o fim de semana literalmente de ponta cabeça, fazendo exercícios que estimulam o bebê a virar. Fiz acupuntura e moxabustão [acupuntura térmica]. Tomei muitos litros de água. Conversei com a Cecília e pedi que ela virasse sozinha senão ‘o médico ia ter que mexer na barriga da mamãe’. Ela entendeu, e entendeu muito bem, porque não quis esperar até segunda-feira. ‘Manobra pra me tirar do lugar? Eu vou é nascer!’

No domingo, dia 10, eu assistia à última palestra do Siaparental (um congresso com palestras destinadas a famílias e educadores) quando, por volta das 17h, senti as primeiras contrações. Eu soube que tinha chegado a hora. Pedi que meu companheiro fosse me buscar. Fomos para casa monitorar as contrações, que se intensificaram. Logo a doula e a parteira chegaram e, com muita tranquilidade, sugeriram que fôssemos para o hospital. Dali em diante tudo aconteceu muito rápido. Desde a primeira contração até o nascimento, foram 6 horas bastante intensas. Estive, na maior parte do tempo, muito concentrada em mim, no meu corpo, no que estava sentindo (aprendizados de um pré-natal muito bem acompanhado, principalmente de uma doula maravilhosa). Não sabia o que acontecia ao meu redor, a duração das etapas, não escutava o que se dizia. Soube e senti o que é a tão falada partolândia. E tenho certeza de que essa entrega só aconteceu porque eu confiava 100% na equipe que me assistia (doula, obstetriz, dois obstetras e uma pediatra neonatologista) e porque tinha ao meu lado um companheiro que eu amo, que me conhece muito bem e me respeita.

Em nenhum momento achei que algo pudesse dar errado, embora soubesse que era uma situação de atenção.  Nos poucos momentos em que eu emergia da partolândia, escutava falas da equipe que só reforçavam minha tranquilidade: ‘Os batimentos dela não caíram em nenhum momento!’. Quando a bolsa estourou, ouvi: ‘O líquido está clarinho’. As dores eram muito fortes. A cada contração eu pensava ‘Mais uma dessas e eu desisto’, mas vinha a próxima e a doula e o Dani, pressionando minha lombar (que parecia que ia se abrir), diziam: ‘Você está indo muito bem’. E eu seguia em frente.

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Quando começou a fase expulsiva, a doula sussurrou no meu ouvido: ‘Se estiver com vontade de fazer força, faça, mas direcione lá pra baixo. Não grita mais, cerra os dentes e empurra’. Depois de quatro contrações, Cecília nasceu, às 23h46 do dia 10 de setembro de 2017. Na última lembro de ter pensado ‘Ela não pode demorar para sair. Vai ter que ser de uma vez’ (me preocupava a possibilidade de a cabeça ficar para dentro e o cordão, obstruído). E assim foi, do bumbum à cabeça ela nasceu em uma contração. E nasceu muito bem, sem que ninguém precisasse tocá-la! Pela foto dá para ver como as pernas e braços estão firmes, com tônus vigoroso, os dedinhos abertos. Ela teve Apgar [teste que avalia a vitalidade do recém-nascido] 10/10. Veio diretamente para o meu colo, já de olhos abertos, e pelo vídeo que a doula fez (porque não lembro) vi que minhas primeiras palavras para ela foram "Você é linda! Você é perfeita!". Ficamos os três, bebê, pai e eu, juntinhos, preservados, respeitados na nossa hora dourada.

A única intervenção que sofri foi um pouco de ocitocina para estimular a saída da placenta, que estava parcialmente aderida. Não vou negar que essa etapa é um martírio. E que embora a gente saiba que ela existe, não tem como não pensar ‘O bebê já nasceu e eu tenho que parir mais uma vez??? Chegaaaa!!!’ Depois disso ainda teve a sutura de uma laceração que sofri e, enfim, estávamos liberados para a nova fase do resto das nossas vidas. Lembro que enquanto a equipe se organizava para ir embora, combinando as caronas com a maior naturalidade, eu pensava: ‘Não, gente, fica mais um pouco (rs). Socorro! Agora é para valer, somos só nós e vamos ter que nos virar’. E estamos nos virando, um dia de cada vez.

Se é possível me estender ainda mais, acho importante registrar minha admiração por esses (essas, principalmente) profissionais do parto humanizado, que fazem da sua prática uma militância incansável contra a indústria da cesárea, contra as violências que mulheres e bebês sofrem para parir e nascer. São pessoas dedicadas, responsáveis e comprometidas, que têm seu trabalho amparado por evidências científicas. Espero que chegue o dia em que todas tenham acesso a um parto respeitoso e assistido. Que seja política pública garantir e respeitar as escolhas das mulheres em relação aos seus corpos.

Por último, parabéns e obrigada, Lela Beltrão, pelo registro. A Lela teve um cuidado e uma delicadeza com a divulgação dessa imagem! Ficamos um pouco assustadas no início com o alcance que ela teve, mas vimos que a repercussão foi positiva, bonita, de respeito e valorização do parto. Acho que quando a Cecília estiver pronta para vê-la ficará orgulhosa de nós duas.”

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