• Luciana Borges
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Foi durante as madrugadas de insônia e ansiedade após ter a primeira filha, hoje com 10 anos, que a ex-publicitária espanhola Laura Baena, 40 anos, começou a expor o quanto se sentia frustrada com o peso da maternidade. Desabafava sobre o que estava passando em posts na sua conta do Twitter e conversava quase que às escondidas com outras mulheres sobre o assunto. O ano era 2012, e Laura lembra que se sentia, quase todo o tempo, uma “mala madre”, ou seja, em espanhol, uma mãe ruim, incapaz de se dedicar aos cuidados com sua bebê e ao retorno à carreira profissional sem ficar exausta e frustrada.

“Quando fui mãe pela primeira vez [Laura ainda tem mais duas filhas, de 6 e 2 anos], me dei conta de que a expectativa que temos sobre a maternidade é bem diferente da realidade”, diz ela. De olho na provocativa expressão à qual quase toda mulher com filhos já escutou na vida, Laura criou, então, o Club Malas Madres – justamente a partir da conta no microblog. Logo, uma comunidade começou a se formar e o Malas Madres escalou para o que é hoje: uma plataforma completa de informação e discussão sobre maternidade e direitos – tanto para mulheres que já têm filhos, como para quem deseja ou não ser mãe. Agrega mais de 1 milhão de seguidoras em suas redes e tem voz suficiente para se fazer ouvir por secretários do governo espanhol ou pelo próprio atual primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, que já reconheceu a importância do trabalho de Laura.

Mesmo assim, a criadora da plataforma não dá sossego e cobra, dia sim e outro também, maiores ações para tornar a maternidade um tema recorrente nas políticas públicas de seu país. Seu objetivo é único: tirar as mães da invisibilidade com a qual a sociedade se acostumou a tratá-las – e aí não importa muito de qual país estamos falando. “Com a experiência de ser mãe, me dei conta de que o grande problema que nos unia como mulheres, independentemente da situação cultural, social, política ou econômica, é não poder conciliar a maternidade com o resto de nossas vidas. Porque o homem não se envolve nos cuidados como deveria e pesquisas mostram que, socialmente, ainda se entende que isso não é responsabilidade deles. Temos de compreender que essa sobrecarga feminina não se resolve apenas dentro de casa”, explica ela.

Laura Baena (ao centro) comanda a plataforma Malas Madres (Foto: Divulgação)

Laura Baena (ao centro) comanda a plataforma Malas Madres (Foto: Divulgação)

Firme na ideia de que ser mãe é também viver como um ser político, Laura Baena conversou com CRESCER, direto de Madri, onde mora, para falar sobre sua trajetória e de como prepara o Malas Madres para se tornar referência para movimentos de mulheres em outros países, inclusive no Brasil. Acompanhe a exclusiva entrevista inspiradora:

CRESCER: Em que momento da sua vida veio a ideia de criar a plataforma e o movimento Malas Madres?
Laura Baena: Eu tinha 29 anos quando fiquei grávida e trabalhava como supervisora criativa de uma agência de publicidade. E não foi só o tema do trabalho que me afetou bastante depois do nascimento, mas também toda a mitificação que existe em torno da maternidade. Parece que é o melhor que pode acontecer a você, que a mulher estará em um estado de felicidade romantizado todo o tempo – e tudo isso não é real. Desde o primeiro momento, quando você ainda não se encontra bem com o que acontece com seu corpo e a maneira como tudo vai se desenvolvendo, parece que a gente não pode nem se queixar. Afinal, ser mãe é aquilo considerado o mais bonito do mundo, ter um bebê dentro do útero é algo incrível. Mas a verdade é que, a partir da gravidez, o bebê passa a ser o protagonista e a mulher se torna, pura e simplesmente, aquela que carrega a criança. Fui me dando conta de que ninguém te diz a verdade como, por exemplo, o tanto que dói um parto ou as coisas que podem acontecer com você nessa hora. Fui a primeira a ser mãe entre as minhas amigas, e a gente não se dá conta da mudança que ocorre em nossas vidas até viver isso em primeira pessoa.

"Cada uma de nós  é responsável por mudar a sociedade, lutando para que haja corresponsabilidade na criação dos filhos"

Laura Baena

CRESCER: O que esse estado de frustração ensinou a você na hora de desenvolver o clube Malas Madres?
LB: Eu percebi que, para transformar as coisas, precisaríamos unir as mulheres, mais do que tudo, e ter claro que essa é uma luta de todas, que juntas somos mais fortes de verdade. Cada uma de nós é responsável por mudar a sociedade, lutando para que haja corresponsabilidade na criação dos filhos por parte dos companheiros, ensinando às crianças o feminismo e os valores de gênero. Vejo isso como fundamental. Mas se não há mudanças vindas dos governos é impossível avançar: precisamos de leis que sejam sinais de transformação no sentido de valorizar as mães.

CRESCER: Pode nos dar um exemplo concreto de como vê essa desvalorização da mulher quando está ligada à maternidade?
LB: A licença-maternidade, por exemplo, deveria ser, no mínimo, de seis meses, que é o tempo que a OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda, independentemente se a mulher está amamentando ou não o seu bebê. Também é preciso se preocupar em criar mais escolas infantis para crianças de 0 a 3 anos, porque elas são uma rede de apoio para as mães que precisam e querem trabalhar. As empresas também devem se responsabilizar mais no que se refere a criar estruturas que permitam à suas funcionárias serem mães de forma tranquila. Ainda é muito comum que uma mulher volte da sua licença e encontre uma carta de demissão esperando por ela; ou que tenham tirado funções no trabalho que eram suas; ou ainda, que lhe coloquem um M de mãe sobre sua cabeça, e ela não consiga ascender na carreira. Não se pode permitir que as mulheres tenham apenas como opção ou a redução de jornada laboral ou a desistência de suas carreiras. Tudo isso tem de ser feito agora, já, porque apostar a favor da maternidade é apostar no futuro de uma sociedade, da economia de um país. Não é só dar benefícios para as mães.

"As empresas devem se responsabilizar mais para criar estruturas para suas funcionárias serem mães de forma tranquila"

Laura Baena

CRESCER: Como a pandemia impactou a maternidade? Ela ajudou a trazer o assunto para a discussão ou a colocar os homens como também responsáveis pelos cuidados com os filhos? Trouxe alguma mudança positiva no entendimento de como as mulheres vivem sobrecarregadas no papel maternal?
LB: A pandemia trouxe essa contradição de mostrar de forma mais visível, aos olhos do mundo, que as mulheres estavam fazendo o trabalho de criar os filhos praticamente sozinhas. E que isso precisa entrar na agenda política e social. Na Espanha, viu-se que sem os avôs e avós (que estavam no grupo de risco para a covid-19), e sem os colégios e escolas infantis (que ficaram fechados), essa conciliação do cuidado precisou ser feita de uma maneira ou de outra. Não teve escapatória. Houve um apoio forte dos meios de comunicação para visibilizar a pauta, mas me preocupa muito que nem mesmo em tempos de pandemia e com um confinamento restrito como o que passamos por aqui, não tenhamos avançado mais na conciliação de tarefas. Porque o que se está vendo é a volta à “normalidade” de antes sem que se tenha aprendido nada. Creio que a pandemia ajudou a conscientizar a sociedade, e o discurso que nós, no Malas Madres, já temos feito fica mais fácil de ser compreendido uma vez que as pessoas passaram por isso, sentiram na pele.

CRESCER: Na sua opinião, o que é ser uma “mala madre”? Essa ideia de uma maternidade mal executada ainda existe?
LB: Sim, seguem existindo muitos preconceitos e críticas sociais sobre a maternidade e o que quer que faça uma mãe. Você está o tempo todo sendo julgada, faça o que fizer, então o Malas Madres também quer reivindicar que a sua maternidade vale, e que cada uma tem de ser livre para criar os filhos à sua maneira. Sabe, não há uma maternagem que seja mais válida, e outras, não. Cada mulher tem de se conectar com o que sente, em como quer fazê-lo, e dentro de uma mesma mãe entram outras diferentes. Eu, por exemplo, tenho três filhas: sou uma “mala madre” distinta com cada uma delas, porque vivo circunstâncias também distintas. Não é o mesmo ser mãe quando se está trabalhando em uma empresa, ou quando se tem o próprio negócio; ou ser mãe aos 30 ou aos 40 anos. Não vamos ser “mães perfeitas”, e precisamos entender que é preciso se sentir bem quando você deseja estar com suas amigas em vez de estar com os filhos; quando quiser fazer planos profissionais futuros. Isso não deve fazer você se sentir mal. Sempre digo que o M de mãe não pode se sobrepor ao M de mulher. Quero educar minhas filhas assim. Isso é feminismo, isso é igualdade e, para mim, é a maneira de como tem de ser o modelo social de maternidade. Há muito o que fazer.

"Sempre digo que o M de mãe não pode se sobrepor ao M de mulher. Quero educar minhas filhas assim"

Laura Baena

CRESCER: Onde o Malas Madres quer chegar? As mães espanholas da sua comunidade pretendem tomar o poder de uma vez?
LB: Vamos fazer as “Malas Madres” presidentes (risos)! Há algo que eu gostaria de alcançar. Sou alguém que gosta de ir “pouco a pouco”, ter as bases firmes e ir crescendo como a comunidade que somos. Mas acho que chegou o momento de o nosso grupo de Malas Madres sair da Espanha e ganhar o mundo. Encontrar aliadas em outras mulheres que podem levar a bandeira para que essa ideia cresça. O que desejo realmente é que o que se consiga em um lugar impacte em outro. Por exemplo, se temos uma vitória no que se refere à legislação em um país, que chegue a outro, que seja possível no resto do mundo. Porque, se uma mãe na Espanha precisa de mais tempo e mais apoio para criar seu filho, no Brasil isso também acontece; na Argentina idem. Por isso, construir redes é tão importante.

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