• Luciana Borges
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Os dilemas e transformações vividos pelo adolescente podem ser acompanhados pelo mesmo pediatra que consulta a criança durante toda a infância? Muita gente pensa que sim, mas também por desconhecer o trabalho do hebiatra, médico especialista em cuidar de quem entra no período da adolescência com um enfoque mais dedicado a essa etapa da vida. Para tirar todas as dúvidas dos pais, conversamos com uma especialista de peso nessa área, a Dra. Alda Elizabeth Azevedo, presidente do Departamento Científico de Adolescência da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Acompanhe o guia abaixo:

O que faz, exatamente, o hebiatra?
“A hebiatria é uma especialidade médica voltada para o cuidado dos adolescentes. A fase da adolescência é caracterizada pelas transformações físicas e psíquicas típicas do processo de crescimento e desenvolvimento humano”, explica Alda Elizabeth. De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), a adolescência engloba a faixa etária dos 10 aos 20 anos. Trata-se de uma especialidade que existe desde 1974, mas só foi reconhecida pela AMB (Associação Médica Brasileira) em 1998. Para ser um hebiatra, o médico precisa, primeiro, ter uma especialização da pediatria.

Menino adolescente mexendo no celular (Foto: Carol Yepes/Getty Images)

Menino adolescente utilizando o celular (Foto: Carol Yepes/Getty Images)

Como funciona o atendimento médico do hebiatra?
“O hebiatra atende a partir de 10 anos de idade e atua como um clínico geral de adolescentes, com uma visão global do indivíduo desta faixa etária. Faz acompanhamento do crescimento e desenvolvimento físico, atua como o pediatra em casos de doenças, mas também tem conhecimento das alterações hormonais, urológicas, ginecológicas, dermatológicas, ortopédicas, psicológicas e outras que podem ocorrer na adolescência, que são muitas, já que o corpo passa da fase infantil para a adulta, o que envolve consolidação da musculatura, nascimento de pelos e desenvolvimento dos caracteres sexuais”, explica a especialista da SBP.

Ela também ressalta que essa é uma época em que existem conflitos frequentes na relação dos adolescentes com pais e colegas: “Os hebiatras costumam ter maior sensibilidade para certas questões específicas dos jovens, como as mudanças que ocorrem na puberdade, como o estirão de crescimento e espessamento de pelos, surgimento de acne, relação com a escola, maturação sexual, ganho de liberdade e independência”.

Por que consultar um hebiatra e não um pediatra?
“Esse profissional é muito importante para a detecção de agravos e de doenças, muitas vezes não aventadas pelo paciente e familiares, como hipertensão, diabetes, alterações posturais e de coluna, dentre outros. Em meninos, a varicocele ganha um papel importante nessas condições de saúde”, diz Alda Elizabeth. “O jovem na busca pela identidade adulta tende a ser um ‘experimentador’: prova atitudes, roupas, grupos de amigos, atividades de lazer. Tende a se afastar dos pais e se aproximar dos amigos. Nesta fase o hebiatra também tenta assumir o papel de um orientador, garantindo sigilo médico ao seu paciente adolescente (quebrado somente em situações de risco), aborda questões sobre sexualidade, gravidez e Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), uso de drogas e álcool, vida saudável, projetos de vida, autoestima e qualquer outro assunto que o adolescente queira conversar”, afirma a especialista, que reforça o quanto esse médico também atua ajudando a família.

Como costuma ser, em geral, essa primeira consulta?
“Esses profissionais costumam ter uma relação mais amiga e menos maternal/paternal que os pediatras, de modo que muitas vezes as consultas são realizadas exclusivamente com os adolescentes e os responsáveis só são solicitados quando necessário”, conta Alda. “O momento é importante para que o principal sujeito da consulta se sinta à vontade para compartilhar informações, receber orientações e tirar suas dúvidas. Temas como a sexualidade devem ser abordados com muita naturalidade, assim como a prevenção e tratamento de ISTs”, esclarece a médica. De acordo com o Código de Ética Médica, o adolescente tem direito à privacidade durante a consulta, ou seja, pode ser atendido sozinho se quiser.

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Quando trocar o pediatra pelo hebiatra?
De acordo com a médica, o momento de mudança pode variar bastante e depende de como está o adolescente. “Normalmente, essa transição é marcada para as meninas a partir da pubarca [surgimento de pelos pubianos e nas axilas] ou da menacme [período fértil da mulher, que se inicia na puberdade]. Para os meninos, entretanto, essa mudança não é bem delimitada e muitas vezes ocorre quando há suspeita de alterações de crescimento ou adquirem hábitos preocupantes, como o tabagismo”, afirma a especialista.

“Os médicos dessa especialidade ajudam os pais a ensinar os adolescentes sobre a importância de prevenir a gravidez nessa fase da vida, dão orientações acerca da nutrição e fazem o acompanhamento correto com as vacinas da fase adulta”, acrescenta Alda Elizabeth.

E quanto às questões emocionais, como funciona a consulta com o hebiatra?
É por conte delas que a privacidade entre o médico e o paciente é tão importante. “O adolescente pode querer falar de assuntos que não conversaria se a mãe ou pai estivessem ao lado, como questões relacionadas à atividade sexual, curiosidade sobre drogas ou outros assuntos complicados, como as situações de risco em que ele pode estar se envolvendo”, relata a especialista.

Assim como quando o assunto são as transformações físicas, que para muitos jovens são difíceis de lidar. “Nessa fase da vida, começam a ocorrer mudanças no corpo e muitos adolescentes se sentem envergonhados em trocar de roupa na frente dos pais. Dessa forma, o exame físico também poderá acontecer sem a presença deles, se for necessário. Defende-se o sigilo desde que o adolescente não corra risco de vida. Quando este for o caso, é preciso avisá-lo que o problema será relatado aos pais. Falar abertamente mantém o laço de vínculo, essencial para a relação entre hebiatra e paciente”, reforça Alda Elizabeth.

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O hebiatra pode identificar questões psicológicas mais profundas no adolescente e recomendá-lo para outros especialistas? Até onde ele pode atuar?
“É importante que o paciente tenha um médico de referência. Mas, ao longo da adolescência, o jovem acaba visitando diferentes especialistas, como ginecologista, urologista, nutricionista, entre outros”, explica a especialista. Segundo ela, por volta dos 18 anos, a maior parte dos pacientes acaba buscando um clínico geral: “Até por iniciativa própria, já que se sente maduro e mais autoconfiante, e porque nessa idade o crescimento físico usualmente já está consolidado, bem como maiores responsabilidade e autonomia para o cuidado pessoal”, afirma.

Como o uso das redes sociais tem impactado o trabalho do hebiatra?
“Estes meios de comunicação possuem aspectos positivos como a comunicação fácil, a maior aceitação pelo grupo de pares ou a criação de uma maior rede de contatos. No entanto, também acarreta consequências negativas se for usado de forma descontrolada ou abusiva. A criança e o jovem só têm o seu córtex pré-frontal totalmente desenvolvido por volta dos 24 anos de idade, dependendo do indivíduo, e sua cognição ainda está em desenvolvimento, assim como é uma fase de transição e de pouca experiência”, destaca.

A presidente do Departamento Científico de Adolescência da SBP ressalta, ainda, que o exagero do uso de telas pode levar a quadros de isolamento social, sedentarismo, diminuição do rendimento escolar e dificuldades em estabelecer relações. “Em casos mais graves, quando está instalada a dependência da internet, poderá surgir sintomas de ansiedade e/ou depressivos. Além de obesidade pelo erro alimentar e falta de exercícios físicos, violência digital e cyberbullying”, alerta a médica. “Em todo o excesso há mal. Se for usado de forma moderada e não abusiva, não traz consequências negativas nem para o desenvolvimento do jovem nem para a imagem que o jovem passa de si”, aponta.

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